I. Dos numerosos comentários neoplatónicos a Aristóteles, a Isagoge (n/a) de Porfírio foi o que maior sucesso teve, especialmente na versão de Boécio, alimentando durante muito tempo as discussões de várias gerações medievais.
Na Isagoge, que é dirigida a Crisaório, Porfírio reconhece que para compreender a doutrina de Aristóteles sobre a definição, divisão, demonstração e especialmente as Categorias, é necessário saber previamente o que seja o género, a espécie, a diferença específica, o próprio e o acidente.
O seu intuito, portanto, é expor, breve e simplesmente, a doutrina dos antigos, especialmente dos peripatéticos, sobre estes cinco predicáveis, evitando os difíceis problemas que podem suscitar, como por exemplo, saber se os géneros e as espécies existem realmente na natureza ou se são simples conceitos e, admitindo a primeira hipótese, se são corpóreos ou incorpóreos, se são inerentes aos objetos dos sentidos ou se são separados — questões complicadíssimas que requerem uma discussão profunda.
Foi esta célebre e incidental passagem que gerou a debatidíssima questão dos Universais, que Cousin, exageradamente, considerava como a fonte, senão a causa, da filosofia medieval.
Formulado assim o objeto da Isagoge, Porfírio desenvolve minuciosamente os cinco predicáveis, dividindo-os e subdividindo-os, procurando surpreender-lhes as analogias e diferenças.
II. Ramo não devia, na verdade, omitir esta introdução de Porfírio, a quem chama «o porteiro de Aristóteles (Servum Aristotelis atriensem)», porque a Isagoge constituía por assim dizer uma parte integrante do Organon; e assim é que, nos XVI capítulos dela, Ramo censurava a obscuridade, a difusão, as omissões, a inutilidade dos predicáveis, porque Aristóteles os expusera no Livro I dos Tópicos, acusando-o ao mesmo tempo de não versar a invenção dos argumentos, como devia.
III. Gouveia, estranhando que Ramo assim critique quem compartilha das suas ideias, visto que ambos são platónicos, defende Porfírio, ligeiramente, é certo, mas com brilho e, num ou outro argumento, com verdade.
Pode, porventura, censurar-se Porfírio por não tratar a invenção dos argumentos? Evidentemente que não, porque não foi esse o seu propósito. «O seu intuito foi indicar as melhores formas de entender aqueles cinco termos muito conhecidos», porque tinha de explicar ao seu discípulo Crisaório as Categorias de Aristóteles, «que não podem compreender-se facilmente sem se saber o que seja o género, a espécie, a diferença, o próprio e o acidente».
Porfírio tinha necessariamente de fornecer estas instruções como preliminares da leitura de Aristóteles. É certo que Aristóteles, nos Tópicos (livro I), expôs a doutrina dos predicáveis; mas nem por isso se deve julgar inútil a Isagoge, justamente porque nem tudo lá se encontra, visto que Aristóteles não considerou a diferença como um predicável, mas como o limite que separa um género do outro, além de que uma razão didática aconselhava Porfírio a seguir «a ordem de Aristóteles».
Em seguida Gouveia defende as definições dos predicáveis de Porfírio, que Ramo reputava obscuras e deficientes — assunto que não desenvolvemos por ser de somenos importância.
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