Por esta razão imanente, — princípio, meio e fim —, toma-se inteligível a evolução: “parte duma verdadeira causa — a virtualidade infinita do ser; dirige-se a um fim — a realização dessa virtualidade, a plenitude e perfeição do ser”. No Universo que a Ciência mede e pesa, mas não explica integral e satisfatoriamente, late a pulsação da Vida, ou seja, a aspiração profunda da Liberdade, que é ao mesmo tempo o fim supremo que torna efetiva a evolução. Foi este ritmo ascensional que inspirou o soneto Evolução:
Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul glauco pacigo
Hoje sou homem — e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade.
Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade 93.
A evolução não é, assim, apenas formal, nem traduz somente uma complicação crescente de forças elementares. Traz consigo um processo, um alargamento de ideia, um aumento de ser, um tipo superior mais livre, “e se o ideal supremo, que a tudo atrai, para que tudo gravita, é razão, vontade pura, plena liberdade, a evolução só será perfeitamente compreendida, definindo-se como a espiritualização gradual e sistemática do Universo”.
Este pandinanismo psíquico, caracteriza a metafísica de Antero e cujas raízes estão nutridas da metafísica de Leibniz, da conceção da continuidade do ser, de Eduard von Hartmann, e do panlogismo de Hegel, pela conversão da Ideia em Espírito, confere à existência e à vida um sentido profundo, em que a razão e o coração coincidem. A vida devém uma aspiração para o melhor, uma ascensão íntima para a liberdade, e em face do Universo assim espiritualizado, no qual “lateja a razão e onde circula a seiva da ideia, não experimenta o coração do homem aquela impressão de vacuidade e morte, aquela tristeza fúnebre, que o mundo fatal e eternamente mudo do materialismo lhe infundia.
“O espírito humano sente agora palpitar nas coisas o quer que é análogo à sua própria essência. Isolado como no vértice de pirâmide prodigiosa, sente-se todavia em comunicação com a mole imensa que o suporta. Já não é o enigma incompreensível, desesperador, que a si mesmo parecia, quando olhando, em volta, via em tudo a negação do seu pensamento, do seu ideal, da sua essência: pelo contrário, ele próprio é que é agora a chave do enigma universal; só ele conhece a causa e o fim de tudo, e esse segredo sublime é a sua verdade mais íntima, é o seu 'mesmo ser”.
A liberdade, aspiração e fim último do ser, só se realiza plenamente no espírito humano. No movimento geral da existência, a evolução cria ordens ou sistematizações cada vez mais complexas e ricas de ser. A sociedade humana, que não é um simples prolongamento da Natureza, constitui na evolução do Universo um mundo novo, com sua lei própria, que é o Direito.
Este mundo novo é uma forma mais livre de organização, mas está ainda articulado a mecanismos, e embora seja condição, para a conquista da liberdade, a liberdade que possui é apenas formal. Não é um fim último, “mas apenas condição para a realização dele”. A História, ou a sociedade, se se quiser, é somente o teatro da liberdade. Partindo da animalidade, a Humanidade substitui os impulsos do instinto e os incentivos da paixão por energias espirituais, desentranhadas da esfera espiritual em que vai penetrando, e portanto o progresso torna-se essencialmente um facto de ordem moral, e não o resultado de uma ação exterior, independente do espírito e da sua intervenção. A esta luz pode ser definido como “a criação da ordem racional e o alargamento indefinido do domínio da justiça. Facto da liberdade, ele consiste intimamente num desdobramento incessante da energia moral, numa reação contínua da vontade sob o estímulo do ideal, e é por isso que a virtude é a verdadeira medida do progresso das sociedades”.
O mesmo ritmo de pensamento, isto é, de espiritualização, que encontramos na filosofia da Natureza se verifica também no mundo da Liberdade. Partindo da espontaneidade obscura e vaga da animalidade, passando pela heteronomia da vontade, quer dizer, a ação da exterioridade, a liberdade atinge a plenitude na consciência individual autónoma, quando o espírito se identifica perfeitamente consigo mesmo, isto é, se despoja das formas limitadas e formais que revestira na sua evolução. Há, assim, uma verdadeira ascensão, em ordem à realização de fins sucessivamente mais elevados. A ordem social e jurídica é a condição próxima dos fins mais altos, como a Natureza o fora dos fins do conviver humano; mas o fim supremo e soberano somente se torna efetivo na consciência individual.
Liberto o espírito de toda a heteronomia, plenamente autónomo, todas as leis naturais e sociais se dissolvem então na lei moral.
A lei moral “criada pelo espírito para si mesmo, ou melhor, expressão da unidade final realizada pelo espírito em si mesmo, da íntima compenetração da vontade com o seu ideal, é lei perfeita de liberdade, porque o próprio dever, à medida que a sua ideia se aprofunda, perde gradualmente o rígido carácter de obrigação, que lhe dava não sei que longes de fatalidade, e transforma-se em atração pura, puro amor. A autonomia da vontade, só virtual até este momento, é agora real e completa: determinação, motivo e condicionalidade confundem-se com o seu próprio ser. Só agora é plenamente fim de si mesmo”.
Esta identificação do eu com a sua essência absoluta, sendo a suprema objetivação da liberdade, constitui ao mesmo tempo a essência do Bem. Antero não encerra o conteúdo do Bem numa fórmula, nem do seu conceito, num ponto de vista de moral prática, deduz, digamos, um receituário moral.
Concebe-o como “o momento final e mais íntimo da evolução do ser, em que o espírito se liberta na consciência de todas as limitações, criando em si, de si e para si, um mundo completo, transcendente e definitivo”. Neste estado sublime, no qual “tem o seu desfecho o drama divino do Universo”, a pessoa, a individualidade concreta e viva, perde o que a individua singularmente para subsistir “como o ponto em que se dá este processo espiritual. O eu, limitado, refluindo, se assim se pode dizer, para o seu centro verdadeiro, dissolve-se nalguma coisa de absoluto, já não individualizado mas ainda ligado ao indivíduo: transição do ser para o não-ser, que equivale, quanto cabe na realidade, à plenitude e perfeição do ser”.
Esta expressão obscura — transição do ser para o não-ser, que equivale... à plenitude e perfeição do ser — é de per si suficiente para mostrar quanto Antero, ao redigir as Tendências, estava compenetrado do espírito e do sentido do idealismo alemão pós-kantiano.