Joaquim de Carvalho, crítico literário e historiador da ciência, por José V. de Pina Martins

Identicamente válidas são as observações do mestre coimbrão acerca do Libro de Algebra de Pedro Nunes. É ainda surpreendente que o historiador da Ciência se interesse por importantes edições estrangeiras, como, por exemplo, no que é pertinente à Summa de Arithmetica de Frei Luca Pacioli, publicada em 1494 pela primeira vez, livro igualmente importante para a matemática, para a contabilidade e para as próprias regras da arte pictórica.

Estes estudos sobre Pedro Nunes oferecem-nos, portanto, não só a imagem de um profundo amor intelectual mas também o gráfico de uma afinidade mental eletiva que uniu os dois grandes mestres da Universidade de Coimbra: Pedro Nunes e Joaquim de Carvalho.

Se o núcleo fundamental desta parte II é formado pelos contributos sobre Pedro Nunes, precedidos de um pródromo ou pórtico acerca do ideal moderno da Ciência, esse núcleo tem também, como corolário geral, o estudo sobre “Newton e o ideal da ciência moderna” e, como corolário particular ou português, os dois contributos sobre Jacob de Castro Sarmento e João Jacinto de Magalhães. Nestes trabalhos demonstra mais uma vez Joaquim de Carvalho a sua capacidade reflexiva de pensamento especulativo e ainda a sua meticulosa atenção à importância que, para Portugal, revestiu a adesão de uma consciência crítica nossa ao progresso científico estrangeiro. Aliás, no ponto de partida deste itinerário que iria percorrer a ciência moderna, encontra-se o Quod nihil scitur de Francisco Sanches, reportando-se, porém, à tradição do saber aristotélico-escolástico. O segundo momento histórico deste itinerário foi constituído por Galileu, a quem “deve a Humanidade o trânsito decisivo para a via científica” cuja vera maestra viria a ser a experiência. Foi Newton, porém, quem incarnou modernamente um novo momento histórico do itinerário da Ciência. E — o que é de sublinhar e é sublinhado pelo mestre de Coimbra — Newton não operou um divórcio da razão em relação à fé: fé, porém, não num Deus dos exércitos, mas num Deus de amor, pantocrator do Universo, pai amoroso das suas criaturas no Cosmos. Newton deu-nos assim “uma explicação harmoniosa da ordem racional dos factos”.         

O estudo sobre Jacob de Castro Sarmento é ainda elaborado no seguimento da reflexão precedente, à luz da introdução entre nós do pensamento científico de Newton.           

O trabalho derradeiro sobre João Jacinto de Magalhães põe em evidência os propósitos generosos de um grande espírito português, ao serviço do ideal de uma conjugação de esforços com vista ao progresso da Ciência e à pesquisa de vias de acesso do conhecimento no sentido de uma sua aplicação ao melhoramento do homem: método bem de acordo com o programa das Luzes que não dissociava a utilidade social da investigação do espírito, programa eloquentemente sintetizado no lema da Academia das Ciências de Lisboa, a cujo grémio Joaquim de Carvalho pertenceu e cujo prestígio honrou e serviu com o seu grande espírito: “Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria”.          

Lisboa, Maio de 1987.   

José V. DE PINA MARTINS


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