1. Homenagem a Eugénio de Castro

Só um dever indeclinável poderia compelir-me a erguer a voz neste momento, em que a severidade da lei prescreve que cesseis o magistério oral e se não ouça oficialmente a vossa opinião nos conselhos da nossa faculdade. O acontecimento que hoje nos reúne não vos afeta apenas, porque recai de pleno sobre a nossa Escola: a presença do Exmo. Reitor da universidade e o concurso numeroso de colegas, em cujo nome falo e cujo voto me foi imperativo, estão proclamando claramente que a vossa aposentação não é o prólogo do esquecimento e que a todos nos moveu a vibração uníssona do afeto e da admiração. Porque falo em nome da nossa faculdade, devo abafar os impulsos pessoais da amizade, e porque os sentimentos que nos congregam não toleram a alacridade festiva, direi sem atavios as palavras simples e justas, que, creio bem, estarão no ânimo de todos. Essas palavras vão dirigidas, Doutor Eugénio de Castro, ao colega que presidiu à faculdade, e ao professor.

Para os que nos sentamos nos Conselhos da faculdade, a vossa presidência ficará assinalada com o raro fulgor da urbanidade; sem querer pressagiar o futuro, vaticino, no entanto, com receosa suspicácia, que outros vos excederão no ímpeto das realizações, mas nenhum vos igualará na prudência dos votos, na polidez do trato, no desejo de evitar vencidos e vencedores nas decisões coletivas.

Quando se chega, como eu, a meio da jornada da vida, e a experiência nos despojou de algumas ilusões, sentimos irresistivelmente a atração do que une sobre o que divide e a sedução incomparável daquelas maneiras e tratos que dissolvem a discórdia e o dissídio.

Eu sei que a vida é essencialmente prospetiva e só o amanhecer de esperanças é vitalmente fecundo; mas sei também, pela lição do bom senso e da experiência, em cujo crisol tudo se depura, que na vida das instituições é incomparavelmente mais difícil conservar que inovar, e que as esperanças se volvem quase sempre em miragens malogradas. Na vossa direção vós haveis mantido, pacificamente, sem atritos nem espinhos, a estrutura moral da nossa Escola, cuja índole legais intacta e oxalá se mantenha sem alteração dos seus traços característicos. Que o vosso exemplo perdure, e dos vossos sucessores se possa dizer o que eu vos digo!

Como professor vós lograis a consolação raríssima da vossa saída do magistério oral representar a vossa entrada na escolaridade dos livros. Por três formas, sobrevive um mestre nas Escolas de letras: pela continuidade viva de um discípulo, pela fecundidade das explicações científicas, pela magia das suas criações. É esta que vos pertence em pleno e perdurável senhorio e vos abre o caminho largo da perene atualidade.

“Poiein”, raiz da palavra poesia, chamaram os gregos, os mestres sempre atuais e vivos, às criações do artista, quando à maneira do escultor vazam a beleza das conceções na perfeição trabalhada da forma.

É. possível que as vicissitudes da estimativa e o câmbio das preferências obnubilem passageiramente o fulgor das vossas conceções; mas enquanto se falar e prezar a nossa língua, enquanto luzir nas almas um raio de beleza ideal, os vossos livros serão lidos e não só lidos senão que estudados, como expressão admirável da criação poética e dos recursos plásticos e monumentais da palavra.

Doutor Eugénio de Castro! Vai privar-vos a lei do exercício da voz docente, mas segreda-me um génio irónico, com triunfal bonomia, que a voz pronunciada é, de todos os sinais expressivos da inteligência, o menos estável e o mais precário e ambíguo. Impondo-vos o silêncio não vos arrebata a pena, nem a glória que haveis conquistado, nem a admirável e saudável vitalidade que vos afugenta as paixões melancólicas, que são o triste cortejo da vida valetudinária. Que por largos anos o sortilégio da vossa caneta sorria do silêncio que vos é imposto, e ao remanso da vossa casa chegue o calor do nosso afeto e a vibração da vida da nossa faculdade!


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