É por unânime e fervoroso acordo que a Academia das Ciências se associa à Universidade de Coimbra no preito que tão solenemente hoje rende à memória de Eugénio de Castro. A Academia contou-o entre os seus durante quase cinquenta anos, desde Março de 1895, e neste longo decurso, à medida que a glória do Poeta se divulgava e refulgia com novas gemas, parece ter crescido paralelamente o seu afeto à nossa companhia, que aliás sempre estimou e cujos encargos jamais desatendeu. Bastaria este facto para impor a presença moral dos seus confrades em todos os atos e manifestações que o recordem, mas para além dele, transcendendo-o e como que sublimando-o, está o dever mais alto da fidelidade da Academia à sua missão. A Academia não é apenas companhia dos que prezam certos dotes espirituais, nem tão somente lugar de convívio intelectual, porque tem de ser acima de tudo a livre tribuna da incitação, da crítica ou da apologia dos supremos valores da exatidão, da justiça e da vernaculidade na expressão literária do belo. Por isso, se lhe cumpre recordar afetivamente o confrade insigne e dedicado, cabe-lhe principalmente prezar a obra do artista, em cujos versos a nossa fala adquiriu novas harmonias e fulgores, e até venerar a máscula vontade do homem no sentido de se tornar a perfeita encarnação da atitude estética, a personalidade mentalmente criada e primorosamente limpa de todas as escórias da grosseria, só atenta ao apelo subtil da beleza. Se poetar, como dizia Platão, é participar no mundo das coisas belas, Eugénio de Castro foi poeta no mais denso sentido da palavra, porque foi essencialmente um esteta, e não apenas uma alma sensível. Pensou e sentiu que a beleza não é criação pessoal, nem o imaginário para além das coisas que nos circundam. Como a estrutura da ordem social, que às suas arreigadas convicções aparecia como dado e não como problema — o agreste problema da conciliação da continuidade no tempo, sem a qual tudo é frágil, com a coexistência das vontades e dos interesses no espaço, sem a qual nada de humano se constrói também a beleza lhe surgia como realidade intemporal, soberana, una, olímpica.
Por isso os temas que o inspiraram foram, de certo modo, dados e não criações, e a poesia aparece no mago sortilégio da sua sensibilidade fortemente intelectualizada como síntese e acabamento de todas as artes, que para ela concorrem com sua quota de beleza: a música, com a harmonia do ritmo, a pintura, com a cintilação das cores e a transparência do ar livre, a arquitetura com o equilíbrio sóbrio e discreto, e a escultura, acima de todas, pelo ditame da sua constituição sensorial afim da dos estatuários, com a expressão serena e inalterável.
Do repto simbolista, porventura fugaz e postiço apesar do entusiasmo militante da juventude, só manteve a intuição maravilhosa do esplendor das palavras e a inefável relação que o verbo possui com as imagens. Mais tarde, na maturidade, a sua sensibilidade de intelectual descobriria que para além das relações da palavra com a imagem há também relações da imagem com a ideia, atingindo assim uma tal riqueza de inspiração e de expressão que a sua obra se tornou monumento imorredoiro da nossa língua. Honrá-la é, pois, render culto à beleza que redime e à fala que nos liga, a nós portugueses, e também liberta.
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