Perante tais coisas, a consciência saudosa não toma a posição teorética, isto é, a posição que a partir de dúvidas se exprime por juízos existenciais, nem a posição prática, isto é, a posição que se exprime por decisões. A posição saudosa é ensimesmada e contemplativa; por isso o conhecimento inerente à saudade não é um conhecimento que é ou possa vir a ser científico, isto é, impessoal, de todos e para todos, nem o comportamento da consciência saudosa dá ensejo ao remorso, apesar da saudade e do remorso radicarem em tendências e concretizações que se enraizaram no âmago do eu pessoal. Assim considerada, a saudade não é a captação sensível de uma realidade extramental, nem a emanação de existências ideais ou irreais, nem tão pouco a criação fantasista da pura subjetividade, porque é um estado que se constitui a partir de uma situação presente mediante a representação de entes ausentes ou de situações anteriormente vividas com plenitude ou vitalmente imaginadas.
Entes ausentes e situações vividas com plenitude, e não coisas ou manifestações puramente físicas. É que o inerte, o espacial e o mecânico não dão ser à saudade, nem tão pouco a saudade se dirige à exterioridade das coisas; por isso, se não dá na saudade o desejo da posse de materialidades, como na cobiça, nem a repugnância pelo aspeto das coisas, como no nojo. Essencialmente vinculada ao tempo emotivamente vivido, a consciência saudosa tem como correlato algo ausente no tempo ou no espaço, cuja representação se dá com presencialidade espiritual; o “algo” de que há saudade é, sob certo ponto de vista, esse in, isto é, acontecimento que se dá numa consciência pessoalizada, e sob outro, esse ad, isto é, relação intencional com o “algo” ausente e desejado. No ato saudoso confluem, assim, o ensimesmar-se e o exsimesmar-se, porque a retroversão do eu sobre si mesmo não é vaga, como no tédio da vida. Constitui-se e dirige-se a representações fortemente impregnadas de emotividade; por isso, a consciência saudosa nos aparece como a presença espiritual de uma ausência já vivida acompanhada do desejo de a tornar a viver.
A consciência saudosa, enquanto manifestação vivencial da existência concreta, não é fundamento suficiente e bastante da explicação metafísica da realidade que se vive, mas a explicação total da realidade que se vive não pode menosprezar as correlações implícitas no ensimesmar-se e no exsimesmar-se da saudade.