No dia 16 de Novembro de 1925 finou-se no Porto, na sua casa de Cedofeita, a insigne professora da Universidade de Coimbra, Senhora D. Carolina Michaelis de Vasconcellos.
Alemã no nascimento e no sangue, prussiana no rígido sentimento moral e na conceção grave da vida, o seu nacionalismo jamais lhe obscureceu a clara visão da dignidade humana, no profundo convencimento de que os homens não nasceram para se adiarem. No seu espírito habitou, em lar sempre redivivo, tudo o que constitui a nossa nobreza de europeus. Serenamente confiante no “homem colaborador de Deus”, num dos anos trágicos da guerra, em 1917, confessava aos seus alunos da Faculdade de Letras, numa lição que corre impressa, a fé no evoluir desta pobre humanidade, “lentamente e dolorosamente, em linha sempre ascendente, ondulante embora, apesar do que em tempos de cataclismo como os de agora pensam os pessimistas”.
Foi este sentimento de confiança na razão que impregnou todo o seu labor fecundíssimo e lhe deu a íntima perceção de que a filologia, para além da exaustão minuciosa, era “amor do logos ou das ciências (todas) do espírito”. Daí, também, uma universal curiosidade para todos os produtos espirituais, desde as palavras às ideias, desde a etnografia às mais puras criações literárias.
Nunca aplicou o seu penetrante engenho ao estudo dum problema filológico, literário, biográfico ou crítico, que o não deixasse dilucidado e quando faleciam elementos o seu espírito sabia criar a hipótese de maior harmonia estética ou racional. E assim é que as origens da literatura nacional, a formação da língua portuguesa, a lírica camoniana, a obra vicentina e de Sá de Miranda, o romanceiro peninsular, a novelística pastoril e de cavalaria, para só referir algumas das mais constantes preocupações de tão benemérita e incansável atividade, foram inteiramente renovadas e esclarecidas.
Pela clareza analítica e pela segurança de método, a sua obra tem a sedução tranquila e perene dos grandes monumentos eruditos do século XVIII, e pelos resultados, criticamente estabelecidos, o viandante futuro que percorrer a marcha do génio português encontrará nas suas laudas repouso estável para algumas inquietações.
Portuguesa pelo casamento, pelo afeto e pelas preocupações intensas do seu espírito, Portugal perdeu com o falecimento da Senhora D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos um dos mais fecundos obreiros da construção espiritual do nosso sentimento da nacionalidade, e a cultura europeia uma das mais lúcidas e compreensivas inteligências da nossa idade.
A comissão de redação de O Instituto presta à memória da Senhora D. Carolina Michaëlis de Vasconcellos a mais comovida homenagem de saudosa veneração, e apresenta a sua Família, em especial ao Prof. Joaquim de Vasconcellos, e à Universidade de Coimbra, o mais profundo pesar por tão irreparável perda.
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