1. São Paulo e o Brasil que se constrói

Por isso, Rui Barbosa chamou alma mater do ensino jurídico brasileiro à Faculdade de Direito instalada no antigo convento paulista de São Francisco, da qual o doutor conimbricense José Maria de Avelar Brotero, sobrinho do insigne botânico, emigrado no tempo de D. Miguel, foi um dos dois mestres aos quais coube a instauração do ensino jurídico no alvor da Independência.

Foi em São Paulo que a campanha abolicionista ecoou com mais vibração e, sobretudo, decisão, pois em parte alguma do Brasil o braço do escravo foi substituído nas fazendas e nas oficinas em tão larga escala pelo contrato do imigrante livre da Europa, principalmente da Itália e da Espanha. As consequências sociais deste acontecimento foram extraordinárias, bastando notar que a imigração branca removeu definitivamente os receios suscitados pela elevada percentagem do homem de cor no conjunto da população, aliás muito menor no território paulista do que noutros Estados do nordeste, o da Baía à cabeça.

Foi, ainda, em São Paulo que o regime republicano com o ideário de que Rui Barbosa foi propugnador convicto, convincente e clarividente, encontrou não só algumas das suas mais vigorosas raízes da consolidação, como alguns dos seus mais notáveis presidentes e estadistas.

Finalmente, foi em São Paulo que, mais extensa e intensamente, o café adquiriu o valor de riqueza nacional, como outrora, e a seu tempo, o haviam adquirido o açúcar do Nordeste, a mineração em Minas Gerais e a borracha na Amazónia, e, com ela, o progresso assombroso da metrópole paulista e o seu extraordinário desenvolvimento industrial, sem par na América do Sul, condicionado, em boa parte, pela ciência posta verdadeira e eficazmente ao serviço do país.

Há trinta anos, Paulo Prado, o inteligentíssimo ensaísta do “Retrato do Brasil”, terminava esse livro encantador que é a Paulística, perguntando “para que desconhecido caminho marchava o Paulista”. Creio que a resposta é só uma e não oferece dúvida. Os povos conhecem-se pela sua história, tal como os indivíduos se conhecem pelas suas ações. Quatro séculos de existência sem quebra das determinações do génio nativo e um presente que, além de afirmar a exuberância de todas as manifestações da vida, revela os germes potenciais de novos empreendimentos da atividade e da cultura, não deixam margem a qualquer dúvida ou hesitação sobre o futuro progressivo e criador da terra e da gente paulistanas.

Podem as circunstâncias mais ou menos momentâneas arrastar algumas nuvens que toldem ou escureçam o horizonte; porém, não haja dúvida de que São Paulo é a terra do homem que se faz por si e a cujo anseio não condizem as ideias, os sentimentos e as instituições que limitam, enquadram e imobilizam.

Para a sua índole, que nasceu portuguesa de sangue e de tendências, somente contam e valem a capacidade e as realizações, e não a posição que se herda ou ocupa. Daí a história de São Paulo ser a história constante, renovada e por assim dizer quotidiana, da independência e da expansão da atividade. Os atos, que não as palavras, são a expressão do seu génio. Daí, ainda, a missão indispensável de São Paulo na vida do Brasil. Se o Nordeste e Minas Gerais fazem sentir à consciência brasileira a exigência de coesão que procede da herança das gerações, São Paulo faz-lhe sentir que o Brasil é um país jovem, mais carregado de responsabilidades no futuro que de vínculos do passado, e com elas a exigência viva e atuante do espírito de adaptação, de assimilação e de criação.

A vida das nações que alcançaram a consciência da própria individualidade afirma-se ao longo da história pela conversão do que é universal ou lhes é estranho em nacional e pela projeção do seu nacional na vida universal. Na vida concreta e até agora vivida pelo Brasil tem predominado a assimilação e a conversão do alienígena em indígena e do universal em nacional, mas são já bem visíveis os anúncios e testemunhos dos novos tempos em que a grande nação arrancará do seu génio nativo contribuições decisivas e fecundas para a história humana e universal, em campos diversos dos da sensibilidade e da arte, designadamente nos da ciência, na qual aliás já tem o seu nome inscrito com benemérito e glorioso reconhecimento.

Comemorar São Paulo neste dia festivo é, pois, admirar quatro séculos de história produzida e abrir um crédito ilimitado à história que o futuro desvendará para glória do Brasil.


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