6.° - Os Analíticos

Portanto

Tudo o que corre é necessariamente racional.

Assim na opinião de Aristóteles, «dado que os burros corram serão necessariamente racionais».         

Tal é a opinião de Ramo. Gouveia começa por contestar a legitimidade da proposição soluta — tudo o que corre é homem, porque para Aristóteles só são verdadeiras estas proposições quando permitem construir um silogismo necessário. «Não é só o homem que corre, e era essa a tua ficção. Por isso Aristóteles não encontrou o meio de fazer os burros iguais aos homens, mas de nos provar que é tratante quem procura destruir com calúnias deste jaez a mais infalível das artes».               

A distinção aristotélica dos contingentes em necessários e não necessários considerava-a Ramo um filtro encantador.               

Mas, pergunta Gouveia, não é porventura legítimo ao separar duas coisas, advertir que no entanto se compreendem no mesmo capítulo? «Contingente, diz, é o que pode não acontecer, mas cuja existência se pode apesar disso estabelecer sem inconvenientes». 

A outra crítica de Ramo, muito mais grave do que esta, recaía sobre a afirmação aristotélica da impossibilidade da conclusão necessária de duas proposições, uma necessária ou real, outra contingente, na Fig. II.

Gouveia limita-se a expor a doutrina de Aristóteles, exemplificando-a, concluindo pela legitimidade da conclusão contingente.

3) Invenção do termo médio

I. Aristóteles considerava a invenção do termo médio como sendo de uma grande utilidade, propondo um conjunto de regras que podem classificar-se em gerais e especiais.

O primeiro cuidado deve ser o de examinar os dois termos da proposição que se quer provar, fixar a sua definição, reconhecer as suas propriedades, atentar no que pode afirmar-se ou negar-se destes dois ter-mos, bem como aqueles de que se podem afirmar ou negar. É, pelo conjunto de tudo isto que o espírito pode descobrir o termo médio (regra geral).

As regras especiais exigem que se atenda à quantidade e qualidade das proposições a provar, para determinar o modo e figura silogísticas a que deve recorrer-se, procurando-se um termo médio que tenda com o sujeito e com o predicado da proposição a provar a relação que a natureza do silogismo impõe. Assim, suponhamos que a proposição que se quer provar é afirmativa universal. As regras silogísticas dizem-nos que há só um modo concludente e legítimo para uma proposição desta espécie: é o primeiro modo da Fig. I (A. A. A. — Barbara), e que neste modo as premissas devem ser afirmativas universais e o termo médio predicado da menor e sujeito da maior. Recorrendo à regra geral procurar-se-á um termo que tenha estas propriedades, isto é, em primeiro lugar que possa afirmar universalmente o predicado da proposição a provar, e em segundo lugar que possa ser afirmado universalmente pelo sujeito desta proposição. Os termos que reúnam todas estas propriedades podem no caso proposto servir de termo médio.

Aristóteles desenvolvendo este assunto formula regras específicas para todas as espécies de proposições a provar e indica as propriedades que o termo médio deve ter para produzir uma conclusão legítima.

Depois de expor os vícios do raciocínio (petição, de princípio, círculo vicioso, contradição, premissas falsas, etc.), que não expomos porque o seu lugar próprio é nos Argumentos Sofísticos, Aristóteles termina os Primeiros Analíticos enumerando as diversas formas de dedução, que se distinguem do silogismo.

II. À invenção do termo médio chamava Ramo o sexto fantasma, o maior de todos, irrisório, cheio de trevas e de torturas «que o verdugo Aristóteles preparou aos seus discípulos», além de que os preceitos exarados constituíam repetições insensatas e inúteis.

III. Que esta matéria cause torturas a quem a lê não estranha Gouveia, porquanto admirar-se-ia se o ouvisse «a quem conhecesse bem o grego e pudesse ler os comentadores. Se neste capítulo há alguma obscuridade acusa quem na tradução para o latim perverteu a transparência do grego; que culpa teve disso Aristóteles?». Ramo precisava a segunda crítica com o facto de Aristóteles ter definido o primeiro modo da Fig. I como aquele em que o «termo maior da questão precede o argumento e segue o menor» e ao tratar da invenção do médio repetir esta regra «de modo que pergunta como precede o maior e segue o menor». Aristóteles, porém, ao definir o I modo da Fig. I, como aquele em que o «médio se encontra na totalidade do maior e o menor na totalidade do médio» unicamente indica ser este modo formado por duas proposições universalmente afirmativas. E o que ensina? «Como afinal temos de encontrar o médio de que se diz universalmente o termo maior e fazer o mesmo para o menor, devemos procurar, diz ele (Aristóteles) um médio que anteceda o maior e siga o menor». «Por exemplo: suponhamos que te propões demonstrar: o homem é um certo corpo.

Procuras encontrar uma coisa tal que dada ela se siga o corpo e que dado o homem ela necessariamente se dê também. Vês que ambas essas propriedades residem no animal. Com efeito se há animal há também um corpo e aquilo que é homem não pode deixar de ser animal. Consideramos portanto isto um meio apropriadíssimo para se demonstrar que o homem é um corpo. Como pode isto ser uma perissologia, Ramo?».

4) Formas imperfeitas do raciocínio

Aristóteles termina os Primeiros Analíticos enumerando as diversas formas de demonstração dedutiva que divergem do silogismo, quanto mais não seja pela forma externa. Dentre estas são particularmente importantes: a indução, o exemplo, a conjetura ou abdução, objeção e entimema.

1) Indução (n/a é definida por Aristóteles como o raciocínio pelo qual se demonstra o geral pelo particular.

Apesar de distinguir a indução do silogismo, dizendo expressamente que há duas espécies de raciocínios — o silogístico e o indutivo (Pr. An., cap. 25, liv. II), procura todavia reportá-la ao silogismo (Pr. An., eo loc.).

2) Exemplo (n/a). É um argumento pelo qual se afirma uma coisa de outra pela semelhança que ambas têm com uma terceira.

Assim, para se demonstrar que é de péssimas consequências guerrear-se com os vizinhos, citar-se-á a guerra dos Tebanos com os Focenses, que conjuntamente foi uma guerra calamitosa e entre povos vizinhos. O exemplo difere do silogismo, porque a relação em que se funda não é a do todo para a parte, mas uma simples relação de semelhança, e da indução, porque unicamente se baseia num facto e não em todos os semelhantes. O exemplo é, numa palavra, a indução oratória, como a definiu na Retórica (liv. II, cap. 26).


?>
Vamos corrigir esse problema