6.° - Os Analíticos

3) Conjetura. (n/a — abductio, nos com. latinos) é uma operação pela qual se reúnem dois termos em que o médio ou a relação não é claramente determinada, isto é, um silogismo em que a premissa maior é certa e a menor provável, de sorte que a conclusão também o é. Exemplo: todas as ciências podem ensinar-se; ora é provável que a justiça seja uma ciência, portanto é provável que a justiça se possa ensinar.

4) Objeção. (n/a—instantia) é a forma de argumentação em que se procura demonstrar a impossibilidade duma proposição, recorrendo a uma das premissas do adversário.

A objeção pode ser geral ou particular, isto é, um facto pode ser combatido por um facto contrário ou contraditório. Por isso, para que haja verdadeiramente objeção, é necessário recorrer à I ou III Figura, porque são as únicas que permitem demonstrar que há contradição ou oposição entre dois termos.

5) Entimema (n/a) é um silogismo em que uma das premissas, ordinariamente a maior, é subentendida. Para Aristóteles o entimema é um silogismo imperfeito na expressão e no pensamento, porque as proposições e termos que o compõem são prováveis. Pode distinguir-se nesta forma de raciocínio os mesmos elementos e as mesmas figuras que no silogismo. A sua aplicação é frequente sobretudo na discussão e na oratória, chamando-lhe por isso Aristóteles «silogismo oratório».

II. Nesta última parte dos Primeiros Analíticos, Ramo increpava Aristóteles por não ter feito da indução, do exemplo, do entimema, raciocínios truncados, visto que se lhes acrescentarmos a assunção (premissa menor) adquirem a forma silogística. Assim:

Todo o homem e todo o bruto sente,

portanto

Todo o animal sente,

acrescentando-lhe a assunção, ficará o silogismo:

Todo o homem e todo o bruto sente,

Todo o animal é homem ou bruto,

portanto

Todo o animal sente.

III. Tal é a crítica de Ramo, que Gouveia minuciosamente analisa, propondo as seguintes questões:

1) Aristóteles formulou os seus silogismos com proposições conjuntas, disjuntivas ou só com proposições simples?

2) Na indução, quando se infere o todo das suas partes, não são necessariamente diversas as partes da indução?

3) Na expressão:

Todo o homem e todo o animal sente,

não se encontram porventura estas proposições:

Todo o homem sente,

e

Todo o animal sente?

Quanto à primeira pergunta Ramo não terá dúvidas em concordar que Aristóteles compõe os silogismos com proposições simples, e relativamente à segunda não pode haver outra resposta que não seja esta: já que o todo se infere por indução das partes, tantas quantas forem as partes da coisa, tantas devem ser também as da indução.

É claro que a terceira questão proposta tem de ser resolvida num sentido afirmativo, porquanto, embora se abranja numa única proposição todas as partes duma coisa, nem por isso deixam de ser várias as partes da argumentação, não se realizando portanto o silogismo, que unicamente contém três termos.

A identidade entre o entimema e indução, que Ramo afirmava, visto que ambos são redutíveis ao silogismo, contestava-a Gouveia dizendo que desde que ao entimema se juntasse a assunção perderia a sua natureza para adquirir a do silogismo e que a indução, qualquer que fosse a proposição que se lhe juntasse, subsistia sempre como tal.

«Perguntas ainda, continua Gouveia, porque motivo Aristóteles faz do entimema um silogismo truncado e não torna isto extensivo ao exemplo e à indução, quando estes se tornam silogismos perfeitos da mesma maneira que o entimema, isto é, com a adjunção duma proposição». A resposta é fácil. É que «todo o silogismo verdadeiro e genuíno se realiza com o auxílio de um médio, não se empregando nas questões que carecem de médio. Para essas não ficarem privadas de qualquer elucidação emprega-se a indução, que dos factos conhecidos pelas sensações, infere o universal, melhor conhecido pela razão (mens) do que pelos sentidos.... Sendo pois o silogismo uma prova da inteligência e da natureza e a indução dos sentidos, não pode chamar-se à indução um silogismo truncado. Com efeito, acrescentando a assunção aparece na realidade o silogismo, mas não genuíno e verdadeiro, porque se conhece a natureza através dum médio anterior, mas epagógico, isto é, inducional, se a expressão é lícita. O entimema semelha-se à  natureza do silogismo, porque se lhe juntarmos uma proposição (premissa maior) ou assunção (premissa menor) fica um silogismo perfeito. Gouveia exemplifica em seguida estes princípios, no que o não seguimos.

O mesmo tem de se aplicar ao exemplo, porque se lhe quisermos dar uma forma silogística, teremos de formar um silogismo paradigmático. Assim, servindo-nos do exemplo que Aristóteles apresentou: A guerra contra os Tebanos foi prejudicial aos Focenses e, por consequência, é prejudicial toda a guerra com os vizinhos.

«Se quisermos reduzir esta argumentação à forma silogística, obteremos um silogismo paradigmático desta forma:

Foi perniciosa para os Focenses a guerra que sustentaram contra Tebas;

Ora esta guerra foi sustentada contra vizinhos,

logo

São perniciosas as guerras que se empreendem contra vizinhos.

Devemos, pois, concluir que Aristóteles procedeu logicamente ao distinguir estas três formas de argumentação.

b) Segundos Analíticos ou Da Demonstração

I. Expondo a doutrina de Aristóteles, como temos feito, não pretendemos propriamente resumi-la o que, atenta a natureza do Organon, seria quase impossível, mas tão-somente precisar o sentido aristotélico das questões que Ramo e Gouveia discutiam.

Nos Primeiros Analíticos, como vimos, o silogismo era considerado formalmente, enquanto que nos Segundos Analíticos Aristóteles estudou-os materialmente, isto é, sob o ponto de vista das suas aplicações e legitimidade das suas conclusões.

Toda a demonstração deve assentar em princípios estabelecidos —quer derivem logicamente doutros anteriores, quer sejam deduções imediatas dos primeiros princípios, que não podem demonstrar-se por serem evidentes. Porém, como a demonstração científica não é mais do que a reunião de extremos pela ação dum médio, como estes extremos e médios, para poderem combinar-se, devem pertencer ao mesmo género, segue-se que uma ciência não deve invadir a esfera doutra. Daí resulta que há duas espécies de princípios: os que convêm a todas as ciências e que são o fundamento de todas as verdades, os princípios gerais, e outros, os particulares, que apenas servem para a solução dum certo número de problemas. Se se não podem aplicar a uma ciência os princípios doutra ciência, da mesma forma não deve recorrer-se a princípios muito gerais, quando se trate dum caso particular. Por isso também deve existir uma ciência geral, exclusivamente fundada em princípios gerais, a que todas as outras recorrerão para fundamentar e tornar certas as suas conclusões, e que, atenta a sua importância, bem merece ser considerada a ciência por excelência (Metafísica).

Entrando propriamente na parte prática, Aristóteles aconselha a que se evite cuidadosamente a petição de princípio, isto é, basear a conclusão nas premissas e as premissas na conclusão, procurando-se sempre que os primeiros princípios, a conclusão e as proposições intermédias sejam verdades necessárias, gerais e eternas, porque não pode haver demonstração de coisas acidentais, contingentes, mutáveis ou individuais.

A Figura I é a mais apropriada à demonstração, porque pode dar conclusões universais afirmativas. Para Aristóteles são, pois, preferíveis, as demonstrações de proposições positivas e universais às de proposições negativas e particulares e a demonstração direta à de redução ao absurdo.

No II Livro indica as questões que podem propor-se relativamente a uma coisa. São: 1) se essa coisa existe; 2) o que é (n/a - quidditas, na Escola); 3) se pode ser afetada e 4) porque é afetada.

Em seguida demonstra que a quididade não pode ser demonstrada, mas sim definida, estudando então as formas e condições gerais da definição. Assim é que devem distinguir-se duas espécies de definições: as imediatas, que nos dão a conhecer a essência das coisas e as suas causas mais gerais, e as mediatas, que apenas exprimem propriedades e qualidades secundárias.

A definição é perfeita quando indica o princípio, isto é, a causa da coisa definida. Para bem se compreender a significação destas palavras é necessário determinar e com método classificar as ideias que exprimem. Para Aristóteles as causas e princípios que a razão pode conceber, dividem-se em quatro classes: 1) causa formal; 2) causa lógica (material); 3) causa eficiente e 4) causa final.

Um outro assunto, e de altíssima importância metafísica, é a determinação da forma como adquirimos os primeiros princípios, fundamentos de toda a argumentação.

Por um lado, não são inatos, porque podemos ignorá-los toda a vida e por outro não podem deduzir-se demonstrativamente de nenhuns conhecimentos anteriores, porque perderiam a natureza de princípios gerais. Como explicar, pois, a sua génese?

Aristóteles conclui que os adquirimos pelas sensações (Nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensu), porque embora nos deem a conhecer as coisas individualmente, todavia fornecem os elementos com que pela indução e abstracção os podemos formular. Esta faculdade indutiva e abstrativa constitui a inteligência (n/a), que no De anima é considerada imaterial e imortal.

II. Para Ramo, esta matéria estava eivada de defeitos. Assim, que necessidade havia em separar os Analíticos, se a prova necessária (Segundos Analíticos) está intimamente relacionada com o silogismo? (Primeiros Analíticos). É, porém, na exposição da doutrina que Ramo julga encontrar motivos para as suas animadversões.

Com efeito, não é estranhável que Aristóteles aconselhasse uma demonstração para os motivos das coisas (Figura I, universal, afirmativa e direta), e outra sobre a sua existência (Figuras II e III, particular, negativa e indireta), que tendo estabelecido que apenas há demonstrações de coisas universais e eternas, perguntasse em seguida se há demonstrações de todas as coisas ou de nenhumas? Demais, com que utilidade substituiu Aristóteles os termos que até então se empregavam e para que perguntava «ridiculamente» se constituídos os extremos o médio é infinito?

Aristóteles, como dissemos, no livro II dos Segundos Analíticos, distinguia a definição da demonstração Ramo combatia esta distinção, julgando-a «delirante», visto que definir e demonstrar são a mesma coisa, especialmente «no processo da investigação».

Finalmente, Aristóteles era digno de severas censuras, porquanto procedeu sem critério, não exemplificando com factos extraídos dos poetas e oradores; «de modo que, segundo parece, imitou disparatada e ridiculamente os geómetras, ou pressentiu que os seus escritos seriam admirados por muitas criaturas que de letras só conhecem o alfabeto».

III. A defesa dos Segundos Analíticos é das partes mais interessantes da Pro Aristotele Responsio. Nós, porém, não a podemos analisar em toda a sua extensão, porquanto queremos, por agora, limitar o nosso estudo à parte destrutiva, reservando para mais tarde a apreciação e exame do seu valor como obra construtiva.

À primeira crítica de Ramo, Gouveia respondia que a demonstração não se aplica a qualquer questão, mas «simplesmente às verdades eternas e constantes e às formas universais e imutáveis», de sorte que é «mãe e criadora da ciência porque conclui a verdade da verdade, o eterno do eterno, o necessário do necessário». A demonstração, tendo assim uma esfera de aplicação limitada, deve ser estudada à parte, tanto mais que não pode incluir-se «na Gramática, porque esta assenta no uso e hábitos da linguagem, nem na Retórica, que contém as regras da elocução artística, nem na arte de dissertar, que não tem propriamente assuntos determinados». O seu lugar próprio é «na filosofia natural, ou melhor, nas artes e disciplinas matemáticas».

É certo que Euclides não seguiu os preceitos aristotélicos da demonstração; mas nem por isso se devem julgar inúteis, «visto existir em todas as coisas uma perfeição específica, que nem todos veem nem todos podem atingir. Qual é, com efeito, o discurso de Demóstenes ou de Cícero, que esteja compreendido nos moldes da eloquência, que M. Túlio expôs no De Oratore?». Depois de desfazer por esta forma os argumentos de Ramo sobre a desnecessidade e, de certo modo, ilegitimidade, dos Segundos Analíticos, Gouveia refuta a segunda crítica, intimamente relacionada com esta, alegando que havia necessidade de diferenciar as formas de demonstração consoante a sua aplicação. Com efeito, se é mais elevada a demonstração do motivo porque a coisa tem lugar do que a que unicamente recai sobre a sua existência, se é mais concludente a demonstração universal do que a particular, a afirmativa do que a negativa, logicamente, necessariamente serão estas demonstrações mais elevadas.

Por consequência, Aristóteles não atribuiu espécies falsas à demonstração, sendo que é «um processo legítimo e didático apresentar o que em cada assunto é melhor, e mostrar o que lhe é contíguo».

A terceira crítica de Ramo é insubsistente também, porque se à primeira vista parece que Aristóteles cometeu um desacerto perguntando se havia ou não demonstrações sobre todas as coisas, depois de afirmar que só há demonstrações de coisas universais e eternas, não o houve de facto, porque «uma coisa é dizer-se ou afirmar e outra refutar as objeções possíveis». E tanto isto é verdade, que Aristóteles depois de estabelecer esta afirmação julgou que não seria inútil «refutar e repelir as opiniões dos que julgavam poder demonstrar tudo  e dos que pensavam o contrário».

Completamente destituída de fundamento era a quarta crítica. Na verdade, com que direito se pode censurar Aristóteles por ter empregado vocábulos novos? Não vemos como isso é frequente noutros autores gregos e como o próprio Cícero autoriza Varrão a empregá-los, louvando-o até por assim enriquecer a língua com palavras novas?

Como dissemos, Ramo censurava o Estagirita por ter perguntado se definidos os extremos o médio pode ser infinito, o que lhe parecia equivaler a estoutra pergunta: se numa vara cujos extremos são limitados há algum extremo e algum fim.

Este problema, diz Gouveia, «é uma cavilosa mentira». Na verdade, Aristóteles para provar que a série das demonstrações não é infinita, formula estas três perguntas: «determinada a ínfima espécie pode ser infinito o que nela se diz?; determinado o género supremo podem ser-lhe subordinadas espécies infinitas?; determinado o sumo género e a ínfima espécie o médio é infinito?».

«Que motivos de irrisão há nestas perguntas?». Em não admitir dúvidas? Mas proposições desta natureza são frequentes, mormente em matemática, e muitas vezes até necessárias para melhor se compreender o que se quer provar. Assim é que muitas vezes a pessoa que interroga não considera controversos tais problemas, formulando-os para melhor «se perceber o que tenciona provar — advertência que Aristóteles faz ao mostrar a diferença entre as questões propriamente científicas e as questões dialéticas.

Admitindo, porém, embora falsamente, que a matéria dos problemas está limitada às coisas duvidosas, «parece-te fora de dúvida a questão «se estabelecidos os meios os extremos são infinitos?»

Mas, pergunto: «Na tua vara, onde se a não tivesse cortado dos dois lados nenhum extremo suporias, como sustentas que o médio não é infinito? Não tem ela, como todos os objetos do seu género, duas partes, cada uma das quais por sua vez duas, estas outras, estas também outras duas partes, que igualmente se subdividem? Podes porventura destacar dessa vara alguma parte de que não possas separar partes em número infinito? Que dizes agora? Não vês que na tua vara finita há médios infinitos?»

Relativamente à penúltima crítica que referimos, afirmava Gouveia que Aristóteles claramente provava serem diferentes a demonstração e a definição. Senão vejamos:

«Quando se tira a conclusão:

Toda a figura plana compreendida por 3 linhas, tem 3 ângulos iguais a 2 retos.

Ora o triângulo é uma figura nestas condições, portanto o triângulo tem 3 ângulos iguais a 2 retos, vejo demonstrado o próprio do triângulo, e não a sua definição»... Repetindo a doutrina aristotélica, Gouveia desenvolve as condições da definição afirmando que «a definição deve ser própria daquilo de que se diz definição», isto é, deve ser relativa ao objeto definido.

Há porém uma afirmação de Ramo que Gouveia longamente desenvolve e critica: a de ser possível extrair a definição das fontes da invenção. «Com franqueza confesso, diz, que é a primeira vez que tal ouço. Ignorava esse emprego dos lugares. Tendo de provar alguma coisa, julgava possível fazê-lo extraindo os argumentos dos lugares, mas para definir não sabia que tinha de utilizar os lugares dos argumentos. M. Túlio, nos Tópicos, expõe este modo de procurar a definição, como tudo indica, recebido de Aristóteles: Considere-se na coisa que se quer definir o que nela existe de comum com outras, prosseguindo-se sucessivamente este exame até se encontrar uma coisa que não possa aplicar-se conjuntamente a outra, isto é, que lhe seja própria.

Ora M. Túlio apresenta este processo de procurar a definição e não diz que ela possa encontrar-se a partir dos lugares».

Finalmente na última crítica — a dos Segundos Analíticos não serem exemplificados com passagens dos poetas e oradores — Ramo não tem razão, porquanto Aristóteles, depois de demonstrar «a verdade, constância e necessidade dos seus preceitos os elucida com muitos exemplos da realidade... Mesmo o emprego dos elementos não tem por fim uma imitação ridícula e tola dos geómetras, nem tão-pouco foi motivada por suspeitar que admirariam os seus escritos criaturas quase analfabetas, mas para que melhor se compreendesse que os processos de conclusão por ele ensinados mantêm sempre a sua solidez e constância, seja qual for a matéria a que se empreguem.


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