3. Defensão do Tratado da Rumação do Globo para a arte de navegar

“Dizem mal de meus tratados aproueitandose delles e usando muitas vezes de minhas proprias palavras, e querendo falar em tudo danão tudo. Tenho determinado por esta rezão, acabando de alimpar algumas obras que escrevi, passar meus estudos à filosofia e a largarlhes as matemáticas, no estudo das quais perdi a saude irremediavelmente”.

O ano da publicação —1549 — do De nauigatione parece opor-se, porém, a esta conjetura, a menos que se admita, o que não é improvável, que Pedro Nunes teve conhecimento do manuscrito do De nauigatione anos antes dele ter sido dado ao prelo em Paris.

Da construtura do Tratado somente se sabe o que se colhe da defensão de Pedro Nunes. Estava dividida em sete capítulos, continha umas tábuas e terminava com a exposição de umas “regras de cartear”.

A obra de Pedro Nunes que o Tratado sobre o arrumar do globo deste ignorado autor diretamente criticava era o De globo delineando ad nauigandi artem, ou seja na tradução de António Ribeiro dos Santos, tornada correntia, Tratado da maneira de delinear o globo para uso da arte de navegar, ou Tratado da rumação do globo para a arte de navegar, como nos aparece mais preciso.

Era esta e não outra, em primeiro lugar, pelo próprio dizer de Pedro Nunes — “Li o tratado que hum Bacharel compôs sobre o arrumar do globo a fim segundo por ele vejo de repreender o que sobre isso escrevi na obra que dirigi a V. A.”; e em segundo lugar, pelo teor e ordenação da argumentação, que se reporta a um texto que não é nenhuma das obras de Pedro Nunes que até nós chegaram. O facto de Pedro Nunes declarar que a obra criticada havia sido por ele dedicada ao infante D. Luís mostra que não limitara a expressão do seu reconhecimento ao infante com a dedicatória, em 1537, do Tratado em defensam da carta de marear e que depois de lhe ter dedicado o Tratado em que teoricamente havia exposto a sua conceção da navegação loxodrómica lhe dedicava também, anos depois, a justificação da aplicação prática da conceção à rumagem das pomas.

O manuscrito em que esta obra chega até nós é anepígrafo, como acima dissemos. Não hesitamos, porém, em lhe atribuir o título de Defensam do Tratado da rumação do globo para a arte de navegar, não só pelas circunstâncias que ditaram a sua redação como pela concordância com alguns passos do próprio texto da obra. Também não está datado nem alude a um facto que permita datá-lo com segurança; pode, porém, admitir-se que Pedro Nunes o redigiu antes da publicação do De crepusculis (1544) e de ser nomeado lente da Universidade de Coimbra, em 16 de Outubro de 1544, dada a circunstância de no fecho da obra somente se referir ao Tratado da Sphera (1537) e ao seu magistério dos príncipes irmãos de D. João III.

A Defensam do Tratado da rumação do globo para uso da navegação integra-se, assim, na sequência da atividade do nosso insigne cosmógrafo e na desenvolução de uma das suas conceções mais originais, constituindo as suas páginas, de segura autenticidade, um notável contributo para a história científica portuguesa.


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