4. Anotações ao Tratado da Sphera

A presente edição do Tratado da Sphera, de Pedro Nunes, reproduz o texto cuja impressão terminou em 1 de Dezembro de 1537, em Lisboa, na oficina de Germão Galharde, e cuja reedição em fac-símile o académico Sr. Joaquim Bensaúde promoveu em 1915 (Munique, J. B. Obernetter, e Berna, Max Drechsel), como documento relevantíssimo (vol. V) da sua benemérita e monumental Histoire de la science nautique portugaise à l'époque des grandes découvertes, “Collection de documents publiés par ordre du Ministère de l'Instruction Publique de la Republique (Décret du 19 Décembre 1913)”.               

No decurso de quatro séculos os escritos de Pedro Nunes tornaram-se raros, a ponto de se contarem os respetivos exemplares nas grandes livrarias europeias, mas o renome científico do seu glorioso   autor não se obliterou, nem empalideceu. Daí, as tentativas de reedição vulgarizadora, das quais possuímos as seguintes notícias:

a) Nos derradeiros anos do século XVIII, entre 1796 e 1800, um indivíduo ilustrado, cujo nome se desconhece e se conjetura ter sido o oficial da marinha de guerra D. Francisco Maurício de Sousa Coutinho, irmão mais novo do 1.0 conde de Linhares, D. Rodrigo Domingos António de Sousa Coutinho, dirigiu a entidade igualmente desconhecida, mas possivelmente a este 1.0 conde de Linhares, uma Noticia critica das várias edições das Obras Matematicas de Pedro Nunes. Nesta interessante memória bibliográfica e crítica ponderava o autor:

“Felizmente estão já plantadas em Portugal as sciencias que tanto cultivou Pedro Nunes na sua Pátria: cumpre pois que os Portugueses caracterizem o merecimento do seu ilustre compatriota e publiquem os serviços por ele feitos á Nação e ás Letras nos diferentes ramos das Sciencias Mathematicas que eram conhecidas no seu tempo. Para que isto se consiga é preciso fazer-se uma edição correta de todas as obras do nosso Geometra, a qual seja acompanhada de uma prefação composta no gosto critico e simples que se admira em alguns Proemios das primeiras edições dos Geometras Antigos”.

O autor, coligiu notícias e reflexões que poderiam “dar alguma luz sobre a direção deste trabalho”, mas os seus eruditos, sagazes e patrióticos alvitres não lograram, ao que parece, o mínimo sucesso.

b) Volvidos poucos anos sobre este intento, que abrangia a totalidade das obras de Pedro Nunes, a Imprensa da Universidade de Coimbra, em 1814, iniciou a reedição do Tratado da Sphera, não sabemos se como volume autónomo, se como volume primeiro das obras completas. A notícia e prova desta tentativa, igualmente malograda, colhem-se no seguinte passo de “A Astronomia d'Os Lusíadas” do académico Luciano Pereira da Silva: “Na Imprensa da Universidade de Coimbra começou a fazer-se, em 1814, a reimpressão do Tratado da Sphera, de Pedro Nunes, como consta do vol. VII do Registo das férias dos oficiais que trabalharam nas obras impressas por conta da casa, que nos mostrou o atual diretor, Sr. Dr. Joaquim Martins Teixeira de Carvalho, assim como um papel avulso do arquivo, onde se lê, numa lista de obras por concluir, principiadas em várias épocas, 'Pero Nunez — Tratado da Sphera — O original está nesta Biblioteca; é ms.'. Este manuscrito, que já não está na biblioteca da Imprensa, é o do Observatório Astronómico. Infelizmente a reimpressão interrompeu-se, e nem existem as meias folhas impressas, a que se refere o registo das férias”.

c) Em Maio de 1911, o académico Francisco Maria Esteves Pereira, entendendo “que a melhor maneira e a mais duradoura de prestar homenagem ao saber do Dr. Pedro Nunes, e de comemorar os serviços por ele feitos às ciências e à Pátria, era vulgarizar algumas das suas obras escritas”, iniciou na Revista de Engenharia Militar (ano XVI, n.° 5) a reimpressão do Tratado em defensam da carta de marear, que concluiu em 1912 no n.° 2 da mesma Revista, na qual em 1913 reproduziu também o Tratado sobre certas duuidas da navegação, talvez por sugestão do Sr. Joaquim Bensaúde, que em 1912, no livro L'Astronomic nautique au Portugal à l'époque des grandes découvertes, estimulara o prosseguimento da publicação integral da obra náutica de Pedro Nunes.

Estas exemplares reedições, sabiamente revistas, como tudo o que saiu da pena do ilustre académico, atraíram naturalmente a atenção dos estudiosos; por isso não surpreende que a velha ideia de reunir num corpo sistemático a obra de Pedro Nunes ressurgisse com atualidade.

d) Deu-lhe expressão e vigor o nome prestigioso de Luciano Pereira da Silva, ao escrever na referida “A Astronomia d'Os Lusíadas”, no capítulo II dedicado a “O Tratado da Sphera de Pedro Nunes”, que “O Governo Português devia mandar fazer urna edição de todas as obras de Pedro Nunes, pondo-as assim ao alcance dos estudiosos, enriquecendo a literatura matemática nacional e prestando uma homenagem merecida a este ilustre homem de ciência do século XVI, que, não se ocupando da astronomia apenas sob o ponto de vista puramente especulativo, teve principalmente em vista as suas aplicações à arte de navegar, colaborando com o seu saber na realização da nossa função histórica de um povo de navegadores descobridores”.

Acolhida a ideia com entusiasmo pelo académico Rodolfo Guimarães, ela teve o desenvolvimento que o Sr. Pedro José da Cunha relata no seu Prefácio, hic, p. XXXIX e seguintes, e cujo remate é a presente edição.

Referidas as propostas e tentativas precursoras da atual edição, cumpre descrever externamente a disposição gráfica da edição original de 1537, antes de tomarmos contato com o respetivo texto.    

Deve-se a Esteves Pereira, nas páginas preliminares da sua reedição do Tratado em defensam da carta de marear, a descrição acurada deste paleótipo, a qual Rodolfo Guimarães utilizou, vertendo-a para francês, e nós transcreveremos:

“O Tratado da Sphera é um volume em quarto de 90 folhas não numeradas, e compõe-se de treze cadernos assim designados: 1.0 caderno (sem numeração), de uma folha dupla, 2.° a 11.0 cadernos (a, b, c, d, e, f, A, B, C, D), de quatro folhas duplas cada um; 12.° caderno (E), de seis folhas simples; 13.° caderno (F), de uma folha dupla. O papel tem a marca de água de linhas retas segundo a maior dimensão da folha, e de um gomil sobre o qual está uma coroa terminada em cruz.

“As folhas têm 0,285 m de altura e 0,185 m de largura, mas já estão aparadas. A chapa de impressão de cada página é limitada por filetes na parte superior e inferior, na direita e esquerda; a distância entre os filetes superior e inferior é de 0,245 m, e entre os filetes direito e esquerdo 0,140 m. Cada página completa, em urna só coluna, tem 40 linhas; e cada linha completa 50 a 55 letras. Os caracteres são do tipo denominado meio gótico; os sinais de pontuação são: dois pontos, ponto final, e raríssimas vezes a vírgula representada por /. As anotações são impressas na margem exterior da página por fora do filete; e as figuras. são insertas dentro do texto reduzindo-se por isso o comprimento das linhas”.

No rosto do livro, o título “é cercado por uma tarja de 0,035 m de largura nos lados e parte inferior, e de 0,045 na de largura na parte superior. A tarja superior representa um arco de porta, em cujas extremidades pousam duas aves de longos bicos abertos; por baixo do arco vê-se um escudo com as letras i h s, abreviatura da palavra Jesus. As tarjas laterais representam vasos com flores; e a tarja inferior tem ao centro o escudo das armas de Portugal encimado pela coroa, e aos lados ramos de flores”.


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Vamos corrigir esse problema