4. Anotações ao Tratado da Sphera

1.ª p. 3, 11. 6-7: No texto lê-se: “no quinto liuro q escreueo da trindade”; na tábua de errata, porém, Pedro Nunes corrigiu para: “decimo quinto liuro”.      

2.ª p. 3, 11. 9-11: Santo Agostinho ocupa-se largamente no Livro XV do De Trinitate das diferenças entre a ciência e palavra humanas e a sapiência e verbo divinos, mas não emprega uma expressão da qual o período de Pedro Nunes — “os cõceptos & pena mesma razam a sciencia não tê propria lingoagem” — seja tradução verbal. 

3ª p. 3, 11. 11-14: Remonta a Aristóteles esta noção de ciência. A definição de “demonstração”: “aquelle discurso que nos faz saber”, lê-se nos Segundos Analíticos, cap. II.           

Vem a propósito recordar que aquela definição de ciência, vulgar nas Escolas, foi criticada por Francisco Sanches, no Quod nihil scitur:         

Confutatio eiusdem definitionis.

Definitio scientim ex Aristot.

Scientia habitus per demonstrationem acquisitus. Non intelligo. Et hoc pessimum. Obscurum per obscurius, sic homines decipiunt. Quid habitus? Minus seio quam quid scientia. Minus tu. Dic, firma qualitas. Adhuc minus Quod plus procedis minus promoues, quo plura uerba maior confusio.

Ed. de Lyon, apud Ant. Gryphium, MDLXXXI, p. 4.

4ª p. 3, 11. 15-18: A conclusão de Pedro Nunes, na qual se manifesta o seu espírito lógico, visa a justificar a legitimidade das traduções, e a obra que empreendera, como se verifica pelas linhas 25-31, desta p. 3.               

5.a p. 3, 11. 33-37: Pedro Nunes enumera nestas linhas os livros que, a seu ver, ministram os “princípios” fundamentais da cosmografia; para os tornar acessíveis, empreendera a respetiva tradução do latim em vulgar. São: o Tratado da Esfera, de João de Sacrobosco, a Teorica do Sol e da Lua, de Purbáquio, e o Livro I da Geografia, de Ptolomeu.

As traduções de Pedro Nunes serão anotadas, adiante; cumpre, porém, neste passo, observar:

a) Quanto ao Tratado, de Sacrobosco:

Antes de Pedro Nunes, um autor 'desconhecido vertera a obra de Sacrobosco em português; a tradução foi pela primeira vez impressa no chamado Regimento de Munique em 1509 (?), sob o título: Tractado da Spera do mundo tyrada de latim em liguoagem, e reproduzida anos depois,em 1517, no chamado Regimento de Évora: Tractado da Spera do mudo tirada de latim em lingoagê portugues.

Estas traduções foram, por assim dizer, reveladas e tornadas acessíveis pelo Sr. Joaquim Bensaúde, que as reproduziu em fac-símile nos volumes I e II da sua Histoire de ia science nautique portugaise à l'époque des grandes découvertes.

Cronologicamente, a versão de Pedro Nunes não é, pois, a primeira; literária e cientificamente, porém, é original, a ponto de fundadamente se poder suspeitar que em pouquíssimo ou nada utilizou o trabalho do seu ignorado precursor.

b) Quanto à Teorica do Sol e da Lua, desconhece-se qualquer versão anterior à de Pedro Nunes; e o mesmo se deve dizer relativamente à tradução do Livro I da Geografia, de Ptolomeu.

O período final desta p. 3, Il. 36-37 — “Por nam carecerem disso os que nam sabem latim ho tirey em nossa lingoagem” — é de redação confusa; cremos, porém, que houve erro tipográfico, imprimindo-se “ho tirey” por “hos tirey”, por nos parecer que o autor se referiu aos livros acima indicados.

6ª p. 3, 11. 37: no texto: “nosso lingoagem”. Emendado de harmonia com as 11. 11, 24 e 29 desta página.

7ª p. 4, 11. 8-11: Não há lisonja nestas expressões do mestre do infante D. Luís, como testemunham Damião de Góis e D. João de Castro.

O primeiro, no seguinte período do cap. 101 da Cronica do Felicissimo Rei Dom Emanuel, relativo ao “nasçimento do infante Dom Lviz, & das calidades de sua real pessoa”: “Nas artes liberaes teue por mestre ho doctor Pero Nunez Portugues de nasçam, que foi nellas hum dos doctos homés de seu tempo, nas quaes este Prinçipe foi tambem doctrinado, que se has quisera ler publicamente, ho fezera sem lhe faltar auditorio, & nellas campos hu liuro de modos, proporções, & medidas”. Ed. da Imprensa da Universidade de Coimbra, Parte I (1926), p. 224.

O segundo, neste passo da dedicatória “Ao Serenissimo e Invitissimo Princepe o Ifante Dom Lois” do Roteiro de Goa a Diu (1538- -1539): “Ora sendo eu criado em sua Real casa onde a sciencia da Cosmografia mais froreceo que noutra parte alguma desta redondeza que abitamos, e mandado per Vossa Alteza a investigar algumas obras secretas da natureza, (...)” (ed. Fontoura da Costa, Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1940, p. 2).

Sobre este magistério de Pedro Nunes, é de transcrever a seguinte nota erudita de Rodolfo Guimarães: “Il fut, en effet, professeur de mathématiques des fils du roi Don Manuel, les infants Don Luiz et Don Henrique (cardinal et roi ensuite), d'après ce qui affirme: Damião de Goes (Chronica do Senhor Rey D. Manuel, Lisboa 1749, parte I, cap. 10, fl. mihi, p. 103, col. 2), Comte de Vimioso (Vida do Infante D. Luiz, Lisboa 1775, p. 4) en ce qui concerne le premier de ces infants, et Pedro Nunes lui-même dans son Tratado em defensam da carta de marear (fl. 79 v inu. [vol. I, p. 175, 11. 20-22] et dans la dédicace du Traité De Crepusculis (Olyssiponne 1542, fl. 1) au roi Don João III, en ce qui concerne le secornd, et encore Antonio Maris dans la dédicace au roi Don Sebastião qui précède l'ouvrage de Pedro Nunes: De Arte atque ratione nauigandi (Conimbri= 1573, p. I), au sujet des deux infants précités. Du reste, Pedro Nunes touchait 40.000 R.s (reaes) comme professeur de l'infant Don Luiz; après le décès de celui-ci le même traitement lui fut maintenu par décision du roi Don João III du 26 juin 1556 (Sousa Viterbo, Trabalhos nauticos dos portugueses nos seculos XVI e XVII, Lisboa, Parte I, 1898, p. 226). Plus tard, le 14 novembre 1564 le roi Don Sebastião lui accorda la grâce de léguer à sa femme les 40.000 R.s (reaes) surmentionés, ainsi que quatre muids de blé (Sousa Viterbo, loc. cit., pp. 228-229). Nonobstant, Diogo Kopke dans le livre Primeiro roteiro da costa da India desde Goa até Dio: narrando a viagem que fez o vice-Rei D. Garcia de Noronha em soccorro d'esta ultima cidade, 1538-1539, por D. João de Castro, 1843, pp. 249-250, ne croit pas que l'infant Don Luiz ait été eleve dans le vrai sens du mot, de Pedro Nunes, car le décret que lui accorda la pension de 40.000 R.s, ne dit pas expressément si les services que le grand cosmographe avait rendus à l'infant étaient dans la qualité de son professeur de mathématiques, et aussi Diogo Kopke ne trouvait dans les écrits de Pedro Nunes aucune allusion à l'infant Dou Luiz, comme son élève, tandis qu'il la trouvait par rapport à l'infant Don Henrique, à laquelle nous faisons mention ci-dessus.

“Le doute de Diogo Kopke semble en tout cas n'avoir pas l'importance, d'après les affirmations faites par des contemporains de Pedro Nunes, tels que Antonio Maris, l'éditeur de la plupart des ouvrages du grand cosmographe.” (Ob. cit., pp. 7-8).

O académico Sr. A. Fontoura da Costa, na sua monografia sobre Pedro Nunes (1502-1578), ed. da Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1938, p. 13, inculca a hipótese de o cosmógrafo haver ainda ensinado, “talvez”, os dois infantes D. Duarte e D. António.

ANOTAÇÕES À TRADUÇÃO DO TRATADO DA SPHERA

DE SACROBOSCO

(pp. 5-56)


?>
Vamos corrigir esse problema