5. Anotações ao Astronomici Introductori de Spaera Epitome

O único exemplar conhecido deste opúsculo de Pedro Nunes existe na Biblioteca da Ajuda, e a sua existência, desconhecida de todos os bibliógrafos, foi revelada em 1912 pelo Sr. Joaquim Bensaúde, no livro L'Astronomie nautique au Portugal à l'époque des grandes découvertes (p. 160), que dela houve conhecimento por informe do Sr. Jordão de Freitas, ao tempo diretor daquela biblioteca.   

Encontra-se encadernado juntamente com o livro de Pedro Ciruelo, Cursus quatuor Mathematicarum Artium Liberalium, descrito infra, na nota do Sr. Joaquim Bensaúde, e é precedido de uma folha de papel branco, na qual está escrito, por letra manuscrita, de recorte quinhentista, o seguinte que reproduzimos tipograficamente e em fac-símile:               

“De ventis per D. Petrum Nonium

Salaciensem”

Prisca philosophia duodecim uentorum nomina celebrauit. Septentrio enim expirat a polo arctico. huic oppositus Auster siue notus appellatur ex polo antarctico. Subsolanus siue Apeliotes ab ortu aequinoctiali. si oppositus est Fauonius siue Zephirus. Sunt his quatuor uentis collaterales octo. Caecias siue Elespontus ah orto solstitiali ab occasu uero corus. Ah ortu autem brumali Eurus siue Vulturnus et ah occasu Africus. inter Cciam siue Elespontum. et septentrionem ponitur Barcas siue Aquilo cui ex,opposito respondet Libanotus. At uero inter Septentrionem et Corum positus est Trascias siue Circius cui ex diametro opponitur Euronotus.”      

Externamente, nada autoriza a atribuição destas linhas manuscritas a Pedro Nunes.

Pode suspeitar-se que foram escritas por um seu discípulo, que nelas, porventura, resumiu uma lição, e não é de excluir absolutamente a hipótese deste livro ter feito parte da livraria do infante D. Luís; afigura-se-nos, porém, legítima a conjetura de serem da própria pena de Pedro Nunes, por admitirmos a possibilidade de lhe haver pertencido este exemplar do Cursus quatuor Mathematicarum..., de Pedro Ciruelo. A nosso ver, duas circunstâncias inculcam esta possibilidade:   

a) A notoriedade de Pedro Sánchez Ciruelo (1468? - 1548), professor da Universidade de Alcalá de Henares (1510-1533). Se Pedro Nunes frequentou esta universidade, não deixaria de ter ouvido lições do então famoso mestre.          

b) A publicação feita por Pedro Ciruelo, na edição de 1526 do Cursus quatuor Mathematicarum..., que é a edição do exemplar da Ajuda, do Breue compëdium Perspectiue communis, de João Peckham, arcebispo de Cantuária, ex libris Halaa... et aliorum compilatum.              

Os escritos de Alhazen (Ibn ai Haitan) atraíriam particularmente a atenção de Pedro Nunes; basta atentar no facto de o nosso cosmógrafo haver feito em 1542, no De crepusculis, a primeira edição do seguinte escrito do autor árabe: Allacen Arabis uetustissimi, de causis Crepusculorum Liber unus, a Gerardo Cremonensi iam ohm Latinitate donatus, nunc uero omnium primum in lucem editus.          

Dentre os problemas que este opúsculo suscita destaca-se o da sua cronologia, pois não contém externamente qualquer sinal indicativo do ano e local de impressão, nem sequer refere um facto que, com maior ou menor individuação, sugira o ano em que foi redigido ou impresso. À hora atual, com os elementos que possuímos, só podem estabelecer-se conjeturas. Até hoje, formularam-se duas:       

a) Do Sr. Joaquim Bensaúde, que o considera “talvez anterior à tradução do Da Sphera, de Sacrobosco”, isto é, anterior a 1537.    

b) De Rodolfo Guimarães. Este académico reproduziu o Astronomici introductorii de spaera epitome no vol. III (1916) do Boletim Bibliográfico da Biblioteca da Universidade de Coimbra, sob o título “Um opúsculo raríssimo de Pedro Nunes” (pp. 268-289), acompanhando a reprodução da seguinte nota final, que transcrevemos:

“O Sr. Joaquim Bensaúde diz na sua notável obra L'astronomie nautique au Portugal à l'époque des grandes découvertes, Bern, 1912, p. 160, que a publicação deste folheto é anterior à do Tratado da sphera.

“A meu ver, porém, é ela posterior à do Tratado da sphera não só pelo facto de ser em latim (e as primeiras obras de Mimes foram escritas em português, até o seu Libro de Algebra en arithmetica y geometria, que mais tarde, por ocasião da sua impressão em 1567, foi traduzido para espanhol), mas sobretudo pela designação 'Petrum Nonium Salaciemsem', que pela primeira vez foi empregada em 1542 pelo tipógrafo lisbonense Luís Rodrigues, no livro De crepusculis liber unus, e depois seguida pelos demais impressores das obras de Pedro Nunes: António de Mariz, João Barreira e João Alvares (Coimbra) e Henrique Pedro (Basileia).

“Além disso, antes de 1537, ano em que foi publicado o Tratado da Sphera, raras eram as obras impressas em caracteres latinos. Eram-no em gótico, como de resto o é aquele Tratado.

“Por tudo, pois, sou naturalmente levado a admitir que a impressão do interessante escrito... data dos meados do século XVI.

“Quanto ao seu impressor, só poderei dizer que não foi António de Mariz, porquanto na relação das obras que este afamado tipógrafo conimbricense imprimiu, não vem citado o opúsculo em questão. É mais para supor que a publicação se realizasse em Lisboa.

“Como se vê pela leitura do folheto reproduzido, é ele dividido em quatro capítulos, tal como o Tratado da Sphera, de que é um resumo afinal, terminando por uma tabela respeitante a sete climas.

“É de presumir que o raríssimo opúsculo de Nunes, hoje de altíssimo valor bibliográfico, sendo um resumo do Tratado da Sphera, com mais algumas outras indicações necessárias aos marinheiros, fosse destinado aos pilotos que frequentavam uma aula elementar de navegação em Lisboa, da qual o próprio cosmógrafo-mor foi durante algum tempo professor”.               

Apesar das nossas investigações, não lográmos apurar um facto que nos permita, com segurança, estabelecer uma hipótese plausível, tanto mais que divergimos do nosso consócio Sr. Manuel António Peres Júnior, o qual se inclina para a opinião de Rodolfo Guimarães. Nestas condições, deixaremos em suspenso o debate até ao volume de apêndice a estas Obras.               

De momento, julgamos apenas que esta obra de Pedro Nunes tem acentuado carácter didáctico, e que o seu título parece recordar livros escolares como o Introductorium Astronomicum de Sphaera Joannis de Sacrobosco, no volume Textus de Sphaera... impresso em Paris em 1534 [ver p. 391].       

Encontra-se neste opúsculo uma importante referência bibliográfica (vol. I, p. 263, 11. 20-21), na qual Pedro Nunes declara haver escrito um livro De ortu et occasu signorum.       

Este escrito não é indicado por nenhum bibliógrafo, e a respetiva menção parece ter passado despercebida a Rodolfo Guimarães. Ficou manuscrito, ou, pelo contrário, foi dado ao prelo, em condições similares do Epitome?         


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