6. Anotações ao De Crepusculis

No decurso exato de quatro séculos é esta a quarta edição do De Crepusculis, pois as anteriores, todas do século XVI, tiveram lugar em 1542, 1571 (3) e 1592. Só as duas primeiras têm para nós interesse capital, visto terem sido feitas em vida e sob a inspeção, se não com a revisão, de Pedro Nunes; não obstante atentaremos em cada uma delas separadamente.               

1) Edição de 1542.          

Das três edições quinhentistas é esta a melhor, tanto sob o ponto de vista da correção do texto, como da perfeição tipográfica. Foi impressa em Lisboa na oficina de Luís Rodrigues, e viu a luz da publicidade num ano em que os prelos do famoso livreiro e editor de alguns dos contemporâneos de Pedro Nunes mais ilustres pelo saber e valimento na corte, como António Luís, João de Barros, Jorge Coelho, Frei João Soares, André de Resende, Damião de Góis, etc., imprimiram mais quatro livros, entre os quais um de Jerónimo Osório.        

A obra é formada por um volume de 73 fols. não numerados, abrindo com o frontispício que reproduzimos em fac-símile [ver p. 458], nas dimensões do original.              

Internamente, é constituído da seguinte maneira:        

[fol. 1 v] AD PERQVAM SVBLIMEM 1 Et potentissimü Lusitanie Regem Ioannë III in opus de Crepusculo Petri Nonij, Geographi, praefatio.  

[fol. 3]  Antonij Pinarij in laudem operis carmen.            

[fol. 3 v] PRIMA PARS LIBRI DE 1 Crepusculis Petri Nonij Salaciensis incipit.        

[fol. 14] PARS SECVNDA ? Propositio prima [sem pág. própria].

[fol. 64] FINIS.   

[fol. 64 v] ALlacen Arabis uetustissimi líber de crepusculis I Gerardo Cremonensi interprete.   

 [fol. 73] Errata sic corrigito.

Ludouicus Rodericus excudebat Olyssipone,

Anno M.D.xlii. mense Januario.

[fol. 73 v] Marca do impressor: um dragão alado, reproduzida adiante em fac-símile, encimado pela seguinte divisa:

Nullum theatr?uirtuti conf cientia maius.

As páginas, de 27 linhas, estão impressas em caracteres itálicos, salvo as demonstrações dos lemas da Primeira Parte e a errata final; não estão numeradas, e não têm reclamos nem títulos.

Rodolfo Guimarães escreveu que “Cet ouvrage forme un volume, dont le format est de 0 m 195 x 0 m 140 (et de 0m 162 x 0 m 112 de comp.), de 73 feuilles non numérotées, en cahiers de 3 feuilles. En chague cahier ia ière feuille est numérotée par une lettre a de l'alphabet, et ia 2e par la même lettre suivie de j; le dernier cahier a seulement 3 feuilles, dont la dernière est blanche”.

Esta última indicação não é exata, pois como observou D. Manuel II, é a seguinte a “Numeração dos cadernos: a-r, 4 folhas cada caderno; s, 5 folhas; total de 73 folhas; a folha s 2 não tem assinatura”.

O papel tem como marca uma mão aberta, e as linhas de água estão dispostas transversalmente.

Os dois exemplares que vimos, pertencentes respetivamente à Biblioteca Nacional de Lisboa e ao Sr. Dr. Duarte Leite, apresentam a reimpressão da Tabula arcuum crepusculorum ad initia signorum pro uaria poli arctici sublimitate (vol. II, p. 109) em papel e caracteres tipográficos idênticos aos do texto primitivamente impresso, sobre o qual está colada.

Como já dissemos, esta edição é graficamente a mais perfeita, sendo legítima a hipótese de os tipos nela utilizados terem feito parte do material tipográfico que Luís Rodrigues, talvez por volta de 1539, fora adquirir a Paris.

A portada, dentro da qual se imprimiu o título, não foi gravada propositadamente para esta edição do De crepusculis, visto ter aparecido alguns anos antes em livros do mesmo editor, ter sido por este empregada no próprio ano de 1542, e continuar a sê-lo posteriormente, não só na oficina de Luís Rodrigues, como na de João de Barreira e João Álvares, em Coimbra.

Não são frequentes no mercado os exemplares desta edição de 1542; em todo o caso não podem considerar-se raros, visto existirem em diversos países e bibliotecas.

2) Edição de 1571 (3).

Saiu esta edição em Coimbra, impressa por António de Mariz, cuja oficina (1556 - fins de 1599), famosa pela quantidade das edições e qualidade dos autores, deu à luz algumas obras notáveis, designadamente de Sá de Miranda, Heitor Pinto, Amador Arrais, e de parte dos Commentarii a Aristóteles do Colégio das Artes de Coimbra. De modo geral, as suas edições são menos belas e esmeradas que as de Luís Rodrigues; por isso não surpreende que esta edição seja inferior à primeira sob o ponto de vista tipográfico. É formada por um volume de [1 fol.], 1, [2], 3-63 páginas, [1 foi.]), a duas colunas de 52 linhas cada, em regra, sucedendo-se as matérias como nos exemplares da primeira edição.

Como se nota do fac-símile reproduzido mais à frente [p. 468], a data que primitivamente se imprimiu foi a de 1571, mudando-se posteriormente o último algarismo para 3, por letra de imprensa posta à mão.

A observação desta emenda é antiga; Barbosa Machado, na Bibliotheca Lusitana, nos artigos dedicados a D. António Pinheiro e a Pedro Nunes, fê-la implicitamente ao considerar apenas a data de 1571, a menos legível nos exemplares que vimos, e depois dele tornou-se mais ou menos explícita em vários escritos bibliográficos, quer de nacionais, quer de estrangeiros.

À falta de elementos seguros, só hipoteticamente se podem aventar hipóteses, das quais logo cumpre excluir radicalmente a que interprete a alteração da data como ardil de comerciante para rejuvenescer a edição, remoçando exemplares sem venda na loja. O expediente foi e é vulgar no comércio de livros; é, porém, inadmissível neste caso, visto que se manteve o frontispício, mudando-se apenas um número, não aparecem exemplares com a data de 1571 sem sinal de emenda, e, sobretudo, porque o editor é o primeiro a declarar havê-lo impresso muito antes de o lançar a público.

Se bem consideramos os factos, apontados sumariamente no prólogo de António de Mariz, afigura-se-nos plausível a seguinte explicação:

Em 1566 saíra em Basileia, na “officina Henricpetrina”, o volume Petri Nonii Salaciensis Opera, que complectuntur, primum, duos libros in quorum priore tractantur pulcherrima problemata. In altero traduntur ex Mathematicis disciplinis regule et instrumenta artis nauigandi, quibus uaria rerum Astronomicarum poct,(n/a) circa ccelestium corporum motus explorare possumus.

Deinde, Annotationes in Aristotelis Problema Mechanicum de Motu nauigii ex remis.

Postremo, Annotationes in Plane tarum Theoricas Georgii Purbachii, quibus multa hactenus perperam intellecta, ab aliis que preterita exponuntur

Esta edição foi, sem dúvida, da iniciativa de Pedro Nunes, e não hesitamos na afirmação porquanto é a primeira edição latina de dois escritos até então inéditos (In problema mechanicum Aristotelis..., e In Theoricas Plane tarum Georgii Purbachii annotationes aliquot) e da tradução  dos dois tratados (Tratado sobre certas duuidas da nauegação e Tratado em defensam da carta de marear), na qual, pela primeira vez também, declarou o ano do seu nascimento (1502) como veremos em volume ulterior; o editor, porém, defraudou as esperanças do nosso cosmógrafo, inundando-lhe o texto de numerosos erros. É de crer que Pedro Nunes, que se jubilara em 4 de Fevereiro de 1562e talvez sentisse aproximar-se o termo da vida (#t # 11 de Agosto de 1578), ambicionasse reunir os seus escritos em Opera omnia, de que o volume impresso em Basileia seria o primeiro; a incúria (ou incompetência) do editor, porém, levou-o a desistir do intento em terras estrangeiras e a olhar para as oficinas nacionais, embora de recursos modestos e privadas de bons desenhistas e gravadores, publicando, assim, separada e independentemente (e suspeitamos que à sua custa), em 1571, o De crepusculis e o De erratis Orontii Finaei.


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Vamos corrigir esse problema