6. Anotações ao De Crepusculis

António de Mariz desempenhou-se satisfatoriamente do encargo; se a sua edição do De crepusculis não tem o esmero da de Luís Rodrigues possui, pelo menos, os requisitos essenciais de qualquer publicação científica, a exatidão e o respeito do pensamento do autor, que a oficina de Henriopetrus menosprezara. Compreende-se, assim, que Pedro Nunes cometesse a António de Mariz, como editor e não mero impressor, a reedição dos escritos publicados tão desastradamente em Basileia, tanto mais que, vivendo em Coimbra, podia vigiar e rever o trabalho da oficina. Em fins de 1572 ou princípios de 1573 existiam, pois, na oficina de Mariz, que se não poupou a cuidados e despesas, como ele próprio declara, certamente com a ambição de desterrar do mundo científico a incorreta edição de Basileia, os seguintes escritos de Pedro Nunes:               

a)      No prelo:

— De arte atque ratione nauigandim.  

— In problema mechanicum Aristotelis de motu nauigii ex remis Annotatio una.

— In Theoricas Planetarum Georgii Purbachii Annotationes aliquot.     

b) Impressas em 1571, e possivelmente em papel, pois não consta existir qualquer exemplar sem a emenda para 1573:               

— De crepusculis.          

— De erratis Orontii Fintei, Regii Mathematicarum Lutetiffl Professoris.             

Para reunir estas obras num volume só, dada a impossibilidade de se numerarem seguidamente as respetivas páginas, impunha-se o que realmente se fez: datar do mesmo ano todos os escritos, e exarar no frontispício os títulos das obras que o compunham. Nestas condições, compreende-se que ao terminar a impressão das obras realmente impressas em 1573 se atualizasse a data dos tratados impressos em 1571, e se pejasse inesteticamente o frontispício inicial, manifestamente concebido e desenhado apenas para aquelas três obras, com a menção, em corpo menor e em caracteres diversos, do De erratis Orontii Fintei e do De crepusculis.           

3) Edição de 1592.          

A terceira edição viu a luz em Basileia, famosa pelo saber humanístico e científico dos mestres da sua universidade e pela admirável atividade dos seus impressores-editores, Froben, Amerbach, Oporinus (Herbster); saiu incorporada no volume cujo frontispício é reproduzido em fac-símile mais à frente [p. 472], e Sebastião Henricpetrus publicou em 1592:         

Petri Nonii?Salaciensis ?Opera: ?Quae complectuntur primum, ?Dvos Libros, in qvorvm priore tra ?ctantur pulcherrima Poblemata: in altero ? Traduntur ex Mathematicis disciplinis regulae & instrumenta Artis na ?vigandi, quibus varia rerum Astronomicarum (n/a) circa?caelestium corporum motus explorare possumus. Deinde, ? Annotationes in Aristotelis problema Mechanicum de Mo-?tu Navigii ex remis: ? item in Georgii Pvrbachii planetarvm theo ?ricas Annotationes, quibus multa hactenus perperam intellecta, ab ?alijsq. praeterita exponuntur. ?eivsdem, de?Erratis Orontii Finaei ? Liber Vnus. ? Postremo, de ? Crepvscvlis lib. I, cvm libelo ? Allacen de causis Crepusculorum. ? Quae quemadmodum mole exigua videntur, ita virtute ingentia, ? Lactar candide, intelliges ?.

(Marca do editor Sebasitão Henricpetrus: dentro de uma oval, uma mão segurando um martelo, que bate num rochedo ou numa bigorna).

Cum Gratia & Priuil. Czesarea Majest. ? Basileae, ? per Sebastianvm ? Henriopetri.

Na página final (439): Basile, ? per Sebastianvm ? Henricpetri: ? Anno ? CID ID XCII, ? Mense Septembri.

Exemplares na livraria do Observatório Astronómico de Lisboa e na Biblioteca da Ajuda.

Esta edição forma um volume de 439 páginas numeradas, com o formato de 350 x 210 mm e a mancha tipográfica de 240 x 135 mm, e com a seguinte distribuição de matérias:

Rerum astronomicarum problemata geometrica  …………… Págs.1- 12

Re regulis.& instrumentis, ad uarias rerum tam marritimarum quam & ocelestium apparentias deprehendendas, ex Mathematicis disciplinis Liber II…… Págs. 13-196

In theoricas planetarum Georgii Purbaohli annotations aliquot ……. Págs. 197-307

De erratis Orontii Finaei…….. Págs. 311-372

De crepusculis liber unus ………. Págs.373-439

O autor da “Notícia crítica das várias edições das Obras Matemáticas de Pedro Nunes”, publicada nos Anais do Club Militar Naval (t. LIV, n. 4-6, Abril-Junho de 1923), p. 137, escreveu que “não obstante a superioridade das edições portuguesas sobre as estrangeiras por serem aquelas feitas debaixo das vistas do Autor, deve-se comparar a edição de 1592 com as duas feitas no Reino, em razão das figuras novas que nela vêm de Sebastião Fabrício”. O Sr. Manuel A. Peres Júnior fez esta comparação e comunica-nos que não tem razão de ser a recomendação do autor, “pois as figuras da edição de 1592 são melhores que as de 1571 (3) sob o ponto de vista gráfico (traço mais fino e mais firme) mas são, em geral, lastimáveis sob o ponto de vista geométrico”.     

Esperamos adiar para época mais pacífica a investigação acerca das condições em que foram feitas as duas impressões de Basileia, e as razões da preferência de Pedro Nunes por esta tipografia.            

Se as duas edições de 1542 e 1571 (3) divergem no formato e no aspeto gráfico, sob o ponto de vista do texto são sensivelmente iguais, pois as alterações da segunda edição em nada modificaram a estrutura da primeira, cujas ideias e respetiva expressão e desenvolvimento se mantiveram intactas. Salvo a diversa redação da parte final do título, aliás necessária, as modificações da segunda edição reportam-se a acrescentamentos, isto é, à exposição de novos processos de demonstração, à substituição de palavras, e à supressão de um período, incidental, por assim dizer biográfico, sem valor intrínseco na contextura do raciocínio.

Todas estas variantes, com exceção da do título, são tipograficamente indicadas na presente edição, o que nos dispensa de particular referência.    

Ao contrário do que ocorreu com os dois tratados finais do Tratado da Sphera, cuja redação latina se acompanhou, como veremos no respetivo volume, da refundição profunda e vasta do primitivo texto português, a problemática, a expressão, as demonstrações e soluções do De crepusculis persistiram sem qualquer correção de estrutura; de sorte que a conformidade das duas edições feitas em vida do autor, a vinte e nove anos de distância, é claro testemunho do vigor e da exatidão com que Pedro Nunes pensou e levou a cabo esta obra, que no justo e elegante verso de António Pinheiro, “Non magnus magna libellus habet”.

Cita-a algumas vezes no De arte atque ratione nauigandi, mas dir-se-ia que o faz com o desvanecimento de autor que não necessita de retificar o seu pensamento e só aproveita o ensejo para mais o acentuar, desenvolver ou opor a erros alheios.

Se passarmos destas considerações externas para a génese e desenvolvimento da obra, situando-nos quanto possível na intimidade do próprio pensamento de Pedro Nunes, ou a apreciarmos sob o ponto de vista da história da ciência, como expressão do espírito científico, o De crepusculis surge-nos como uma criação “digna por certo de eterna memória” e de entre todos os escritos do seu autor o “que mais honra faz à sagacidade do seu espírito”, como disse Garção Stockler.


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