b) O nónio, descrito na Proposição III (vol. II, pp. 47-50).
c) O anel graduado, descrito no Livro II do De arte atque ratione nauigandi, cap. 6.
d) O compasso para cálculo de senos, descrito no Livro II do De arte atque ratione nauigandi, cap. 19.
Estes dois últimos instrumentos foram descritos numa obra posterior ao De crepusculis, mas é possível que a esta data Pedro Nunes já os tivesse ideado; e quanto ao nónio ignora-se se ele, ou um seu discípulo português, construíu um astrolábio segundo o modelo de graduação que ele propunha, afigurando-se-nos inconsistente a “anedocta” transmitida por G. Stoeckler no Ensaio historico sobre a origem e progressos das Matematicas em Portugal (Paris, 1819), pp. 134-135. Estes instrumentos serão analisados nos lugares respetivos destas Obras.
P. 5, 1. 28: diutius] Não possuímos informes precisos acerca dos anos que Pedro Nunes lecionou o infante D. Henrique, nem do tempo que diariamente consagrava às lições.
A matéria, pela sua diversidade e vastidão, exigiria bastantes meses; é de supor que, pelo menos, tivesse sido exposta durante dois anos, de 1531 a 1533, isto é, desde o ano em que D. João III cometeu a Pedro Nunes este encargo até à chegada de Nicolau Clenardo a Évora, contratado para ensinar ao infante D. Henrique as línguas sábias e, como é quase certo, a filosofia e a teologia.
Esta hipótese parece ser corroborada:
a) Pelo próprio texto de Pedro Nunes: “Quod si in eis diutius uersatus fuisset, equidem perfectus in mathematicis euasisset. Sed oportebat eum sacris initiari inaugurarique, et in preclara studia Teologie incumbere”.
b) A referência do Tratado em defensam da carta de marear: com o regimento da altura ao ensino do infante: “(...) E vindo ao seruiço do (...) Infante Dõ Anrique: pera o instruir nas sciencias mathematicas: (...) E despois no anno de.1533. em euora dey a el-Rey nosso senhor (...) E porque ate ora o mais do tempo fuy doente (...)” (vol. I, p. 218).
Quanto ao tempo diário das lições pode conjeturar-se, pelo que ocorreu com Clenardo (ver as Epístolas deste humanista em vários passos, a Vida do Infante D. Duarte, de André de Resende, e o Dr. M. G. Cerejeira, ob. cit. [2.a ed. sob o título O Humanismo em Portugal. Clenardo, I, Coimbra, 1926], pp. 62-63), seria de uma hora, e que, além dos domingos e dias santos, os feriados abundassem devido aos divertimentos do infante ou a ocupações deste na corte.
P. 6, 11. 4-5: climatis] A palavra clima tem o sentido que Pedro Nunes lhe deu no Epitome... (Obras, 1, 265, 11. 28-30) e com mais desenvolvimento se pode ver na Sphera de Sacrobosco (Obras, I, 48-52) e no seguinte passo dos Rudimenta astronomica de Alfragano, Nuremberga, 1537, cap. 8 (“De mensura terrae et diuisione climatum, quw habitantur in ea”), fol. 8 v: “Constitutaque est longitudo uniuersorum climatum ab oriente in occidentem quod est spacium 12 horarum ex mota circuli, et patet quod longitude eorum augmentatur per medium unius horae diei prolixiores”. Veja-se mais adiante [p. 571] o fac-símile do frontispício deste livro.
P. 6, 1. 7: Gorgias Lecmtinos] Refere-se ao sofista Górgias, de Leontium, na Sicília, hoje Lentini, imortalizado por Platão, e que por 427 a.C. veio a Atenas como delegado dos seus concidadãos para solicitar auxílios contra os siracusanos.
“Mais retor que filósofo, mais propenso a luzir pela formosura e ornato da palavra do que pela severa dedução do pensamento reflectido” no juízo de Latino Coelho (Introdução [p. CLXXVII] da Oração da Coroa, de Demóstenes), associa-se geralmente ao seu nome a habilidade oratória e a crença de que nada se furta à discussão. Pedro Nunes, no entanto, coincidente com o juízo de Latino Coelho, simboliza em Górgias, talvez sem exatidão, o atrevimento dos ignorantes e a leviandade dos palavrosos. Não podemos precisar a pessoa ou pessoas visadas nesta alusão.
P. 6, 1. 18: calculus] É exposto na Prop. XVII, vol. II, p. 97, Il. 26-38.
P. 6, 1. 26: mea demonstrandi methodus] Pedro Nunes emprega, com efeito, a análise de Euclides como método de demonstração, porque:
- Não aceita um facto matemático sem demonstração;
- O pensamento tem por fim a invenção da demonstração de uma proposição (ou solução) enunciada, isto é, estabelecida a proposição (ou solução), o pensamento, admitindo-a como verdadeira, procura demonstrar que ela satisfaz realmente as condições propostas;
- Adota a hierarquia e função das proposições, a saber, a proposição, ou enunciado principal (ou teorema), o lema, ou proposição de importância instrumental, isto é, destinada a facilitar a demonstração de um teorema ulterior, e o corolário, ou proposição enunciativa da consequência direta de uma proposição acabada de demonstrar.
O vocabulário é igualmente influenciado pelo de Euclides.
Esta influência euclidiana, de certo modo própria de uma mente renascentista como a de Pedro Nunes, verifica-se na índole e estrutura do raciocínio, dado que como ele próprio confessa e o Dr. Gomes Teixeira notou (História das Matemáticas em Portugal, p. 152), utiliza a metodologia demonstrativa de Ptolomeu e de astrónomos árabes, designadamente Gebre e Albaténio, visto que “na primeira parte do seu tratado emprega (...) métodos planimétricos de geometria pura (...) [e] na segunda, em especial na parte relativa ao mínimo crepúsculo, (...) métodos trigonométricos (...)”.
A simplicidade e transparência das demonstrações do De crepusculis ressaltam claramente do confronto com escritos medievais, v.g. com o Liber de crepusculis, de Allacen.
P. 6, 1. 27: Menelaus] É o astrónomo e matemático de Alexandria, do século I da era cristã, autor das Esféricas, que Pedro Nunes manuseou e citou.
A primeira edição impressa foi feita por Maurolico, juntamente com as Esféricas de Teodósio, em 1558, em Messina; consequentemente, só por versão manuscrita poderia Pedro Nunes ter conhecido esta obra de Menelau. Como?
Não há elementos para uma resposta segura. Regiomontano fez por 1460-1462 uma versão, que não foi impressa: Epitoma almagesti per Magistrum Georgium de Peurbach et eius Discipulum Magistrum lo. de Künigsperg, et Menelaus de Sphericis liber b. Car. Tusculaniv; conjeturamos, porém, que Pedro Nunes utilizou uma cópia da versão de Gerardo de Cremona feita do árabe para latim.
Fundamentamos a conjetura na característica circunstância de haver designado Menelau por Mileo " no Tratado em defensam da carta de marear (vol. I, p. 202, 1. 29), o que só poderia ocorrer em versões do árabe, como notou e explicou Montucula, na Histoire des Mathématiques, I (Paris, ano VII), p. 292: “(...) au reste, c'est défigurer son nom que de l'appeler Mileüs, comme ont fait quelques auteurs qui le lisoient ainsi dans de mauvaises traductions faites d'après l'arabe. Cette erreur est fondée sur la méprise d'une lettre qui, avec deux points au-dessous, forme un i, et avec un au-dessus, un n. Ceux qui connoissent un peu la langue arabe, verront facilement comment dans un manuscrit sans voyelles et mal ponctué, on a pu lire l'un pour l'antre”.
P. 6, 1. 27: Geber] Refere-se a Abu Mohamed Gâbir b. Aflah, de Sevilha, meados do século XII, já citado no Tratado da Sphera sob o nome de Gebre, que se manteve na tradução; e tem em vista o De astronomia libri IX anteriormente descrito (vol. I, pp. 292-293) e que Duhem (Le système du monde, II, p. 178) julga ser tradução plagiada do grego para árabe.
Sobre Gebre veja-se, além do que citámos no volume anterior, J. A. Sánchez Pérez, “Biografias de matemáticos árabes que florecierón en Espafia”, in Memorias de la Real Academia de Ciencias Exatas, Físicas y Naturales, 2.a série, t. I (Madrid, 1921), pp. 69-73, e Francisco Vera, Historia de la Matemática en Esparza, t. IV (Madrid, 1935), pp. 75-89.