6. Anotações ao De Crepusculis

P. 6, 1. 28: Euclide] Pedro Nunes conheceu profundamente os Elementos, pois não só os utiliza a cada passo senão que explicou em livro próprio, hoje perdido, algumas das dificuldades da teoria da proporção do Livro V, assimilou a índole do processo lógico e praticou o método demonstrativo do imortal geómetra.

O nosso matemático usava habitualmente a tradução de Zambertus (do grego), mas como se verá adiante recorria por vezes ao Comentário de Campanus (do árabe).

P. 6, 1. 28: Theodosio] Refere-se ao matemático grego do século I a.C., autor dos três livros das Esféricas, frequentemente designado por Teodósio de Trípoli (na Bitínia).

É possível que Pedro Nunes chegasse a conhecer a edição de Maurólico, Sphwricorum elementorum libri III (Messina, 1558), ou a de João Pena, de Paris, neste mesmo ano; até ao tempo em que escreveu o De crepusculis, porém, só podia utilizar as seguintes edições, ambas do mesmo ano e da mesma cidade:

a) Sphera cum commentis in hoc volumine contentis videlicet Cichi Esculani cum texto Expositio Ioannis Baptiste Capuani in eandem Iacobi Fabri Stapulensis, Theodosij de speris. Michaelis Scoti Questiones Petri de Aliaco &c. Roberti Linchoniertsis Compendium Tractatus de Sphwra solida. Tractatus de Sphera Campani. Tractatus de computo maiori eiusdem. Disputatio Joannis de monte regio: Textus Theorice cum expositione Ioannis Baptiste Capuani. Ptolomeus de Speculis.

No fim: Uenetiis impensa heredum octauiani Scoti ac sociorum. 19. Ianuarij 1518.         

b) Sphera mundi nouiter recognita cum commentarijs et authoribus in hoc uolumine contentis videlicet. Cichi Eschulani cum textu Ioannis Baptiste Capuani. Iacobi Fabri Stapulensis. Theodosij de spheris cum textu. Michaelis Scoti questiones. Petri de Aliaco Cardinalis Questiones. Roberti Linconiensis Compendium. Theodosij iterum de spheris cum textu. Tractatus de Sphera solida. Theorice planetarum conclusiones Campani Tractatus de Sphera. Eiusdem tractatus de computo maiori. Ioanni de monte regio in Cremonensem disputatio. Theorice textus cum Ioannis Baptiste Capuani expositione. Ptolomeus de Speculis. Theorica Planetarum Ioannis Cremonensis quam in alijs hactenus impressis non reperies.              

No fim: Uenetijs impensis Luce antonij de giunta Florentini.     

Die vitimo Iunij. 1518.   

Exemplar na biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa. Nesta edição as Esféricas encontram-se nas pp. 91 v-104 r.               

P. 7, 1. 1: Adiunxi] As considerações que estes períodos referentes ao escrito de Allacen suscitam serão publicadas adiante, na introdução às notas relativas ao respetivo texto.     

P. 7, 1. 11: interpretationem Vitruuii] Se Pedro Nunes levou a cabo a tradução dos dez livros De architectura29 de Marco Vitrúvio Polião não a deu ao prelo, e o respetivo manuscrito perdeu-se; é de crer, porém, que a concluísse, já porque D. João III deixasse de insistir pela conclusão, já porque não quisesse dispersar a sua atividade, consciente como era do alcance universal e da originalidade das suas pessoais reflexões científicas.      

D. João III, que no dizer de António de Castilho nunca apreendeu a teórica da esfera e “escassamente se entregava nelle a sombra da língua latina”, tinha pelo contrário vocação e gosto pelas edificações, como o seu reinado prova exuberantemente e Francisco de Monçon testemunha na seguinte passagem do Espejo dei Príncipe Christiano (2.a edição, p. 66):  

“Entre todos los Principes antiguos y modernos, puede ser por muy insigne en esta arte 31 contado elRey don Iuan el tercero de Portugal de gloriosa memoria, que segun dezian todos los maestros de pedreria y canteria, tenha grande destreza en saber hazer la traça de vnos palacios, y de vna fortaleza, y de qualquier otra obra tan perfectamente como si estuuiera hecha, y assy la mandaua alladir o mudar eu la traça que los Architetos le dauan”.    

Em 1541 (e 1542) publicara Luís Rodrigues, “livreiro dei Rey” e editor da primeira edição do De crepusculis, as Medidas dei Romano, de Diego de Sagrado ".            

Cremos que esta publicação foi promovida ou patrocinada por D. João III; seja ou não exata tal hipótese, temos por seguro que foi o gosto das edificações que moveu o monarca a desejar ler em português, visto ignorar o latim, a obra de Vitrúvio, verdadeiro cor pus do saber romano acerca da xdificatio, gnomonica e machinatio, que o Renascimento rejuvenescera, e a cometer a tradução, talvez neste ano de 1541, a Pedro Nunes, pois pressupunha conhecimentos científicos, muito especialmente na gnomonica (Livro IX).

O emprego da palavra interpretatio sugere que Pedro Nunes aditaria à tradução explicações e observações críticas, à maneira do que fizera com as traduções incluídas no Tratado da Esfera. Em 1537, no Tratado sobre certas duuidas da nauegação, dirigido a D. João III, cita Vitrúvio (vol. I, p. 160, 1. 14), mas nada diz acerca da tradução, o que parece confirmar a hipótese do encargo real ser posterior a este ano.

P. 7, 1. 12: ualetudine] Nas obras até agora reproduzidas é esta a segunda vez que Pedro Nunes alude à sua falta de saúde. A primeira abrange um período que vai de 1533 a 1537 (vol. I, p. 218, 11. 20-25); a segunda, não permite fixar o período.

P. 7, 1. 16: exponam] Ignoram-se os livros de Aristóteles que Pedro Nunes explicou ao infante D. Luís (1506 1- 1555), irmão de D. João III, assim como o fruto que deles colheu. Das matemáticas se diz que o Infante “(...) com grande applicação fez hum Tratado dos modos, proporçoens, e medidas; e outros sobre a Quadratura do Circulo (...)”. (D. António Caetano de Sousa, Historia Genealogica da Casa Real Portugueza, t. III, Lisboa, 1737, p. 362).

P. 7, 1. 17: Tunetem] Alude à expedição capitaneada por Carlos V contra Tunes, na qual colaboraram alguns países católicos, entre eles Portugal. O infante D. Luís participou gloriosamente na empresa, e certamente acompanhou o imperador na sua entrada vitoriosa em Tunes, na dia 21 de Julho de 1535.

Os cronistas relatam a campanha do infante, e em especial o seu biógrafo, D. José Miguel João de Portugal, na Vida do Infante D. Luiz (Lisboa, 1735), pp. 35 e segs.

De Tunes trouxe o infante alguns astrolábios de construção árabe, o que é assaz significativo dos seus interesses científicos; indica o facto Pedro Nunes no seguinte período do De regulis et instrumentis ad uarias rerum tam maritimarum quam et ccelestium apparentias deprehendendas ex Mathernaticis disciplinis, cap. 20:

“Deinde uero post aliquot annos eandem tabulam reperimus in Arabicis Astralablis multis ante seculis constructis, que clarissimus princeps Ludouicus Portugalim infans ex manubiis attulit Tunetis urbis”.

P. 7, 1. 22: non cessat] A referência à expedição de Tunes estabelece a cronologia: depois de Julho de 1535, tendo o infante 29 anos feitos.

É óbvio que se não trata propriamente de aprendizagem, mas da curiosidade científica do infante D. Luís e, porventura, da colaboração em estudos pessoais.

SOBRE ANTÓNIO PINHEIRO

(p. 8)

Por volta do ano da publicação deste carme, António Pinheiro (1. 1582? 1583?), que em 1537 ensinava no Colégio de Santa Bárbara, em Paris, de “cujas lições saíu a primeira interpretação do Livro III de Quintiliano” (Quicherat), era sobretudo afamado como humanista, ensinando, por encargo de D. João III, primeiramente “os moços fidalgos que frequentavam o palácio, e depois (...) unicamente (...) o principe D. João”. (Barbosa Machado).


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