8. Anotações ao De Erratis Orontii Finaei

Não possuímos elementos indicativos da altura do ano de 1544 em que saiu em Paris o ousado livro de Orôncio, nem tão pouco o mês do ano em que começou e o em que terminou, em 1546, a impressão do De erratis Orontii; consequentemente, não é possível determinar-se com aproximação segura o tempo durante o qual Pedro Nunes redigiu este livro. Somente ternos diante de nós o terreno das suposições, mas, não obstante, é crível que o tivesse escrito no prazo curto de uns meses.

O pensamento de Pedro Nunes não careceu de se constituir nem de se informar para refutar as pretensos “invenções” de Orôncio, pois o estudo de Arquimedes e, seguramente, de Regiomontano havia-o familiarizado com o problema da quadratura do círculo, assim como a leitura de João Werner com o da longitude. Além disto, a análise dos processos de trabalho de Pedro Nunes inculca que meditava severamente os assuntos e que, atingida a ideia e a sequência lógica dos raciocínios, redigia com facilidade e rapidez, embora não desse ao prelo os originais sem os “acabar de alimpar”, para empregar uma expressão sua da Defensão da rumação do globo para a arte de navegar. Por isso se compreende que o De erratis tivesse saído a público com forma definitiva, pois a segunda edição, publicada em vida de Pedro Nunes, reproduz sem alteração o texto da primeira.

Pensamento e redação concretizaram-se, pois, num texto definitivo; mas assim como é legítimo admitir que a argumentação refutatória se não constituiu totalmente após a leitura das “invenções” de Orôncio, assim também é legítimo admitir que o texto contém páginas escritas em épocas diferentes.

Salvo o De crepusculis e talvez o In Theoricas planetarum Georgii Purbachii annotationes aliquot, os demais escritos nonianos posteriores ao Tratado da Sphera (1537) estão constituídos por capítulos de redação recente e por capítulos que são o desenvolvimento de páginas anteriormente escritas, pertencentes algumas a manuscritos que conservava na gaveta e destinava a publicação autónoma e com título próprio. É o que se colhe de análise textual do Libro de Algebra, do De arte atque ratione nauigandi e, de certo modo, do De erratis Orontii.

Cronologicamente, podem distinguir-se neste livro dois grupos de erros: os anteriores a 1544, isto é, os erros produzidos na Protomathesis (1532) e os que vieram a público no livro cuja primeira parte era o De quadranda circuli (1544). Os primeiros constituem os capítulos XII e XIII do De erratis; consequentemente, pode admitir-se que a argumentação neles contida fazia parte das advertências que Pedro Nunes pensara dirigir epistolarmente a Oronce Finé, e, sendo assim, é crível que por então já tivesse dado expressão ao seu pensamento. Nesta ordem de considerações é, pois, muito provável que o De erratis Orontii contenha páginas redigidas em épocas diferentes, muito embora Pedro Nunes tivesse revisto todo o original em 1545, com carácter definitivo, ao enviá-lo para a oficina.

Se nos detivemos um tanto sobre estes problemas de cronologia foi para fundar a seguinte ilação: o De erratis Orontii contém a refutação de erros que incidiam sobre assuntos acerca dos quais Pedro Nunes já havia reconhecido, pela lição de predecessores ou pelo esforço próprio, a existência de algumas verdades. Não fez, pois, obra exclusiva de refutante, pois a seu ver a refutação não constituía fim em si, mas apenas propedêutica ao acesso na verdade. Por isso, o De erratis, apesar da sua feição predominante negativa, se não afasta do sentido da explicação exata e da utilidade prática, que sempre orientaram a atividade intelectual de Pedro Nunes.


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