Newton e o ideal da ciência moderna

Ao contrário de Descartes, Newton não foi metafísico antes de ser sábio; sê-lo-ia depois? Em rigor, no sentido que a metafísica tinha no seu tempo, não o foi; mas como ninguém mais do que ele, no século da constituição da ciência natural, legou uma mensagem de íntegra confiança no método científico e no valor do espírito humano, que atingira generalizações jamais conhecidas.

Ele não investigou os fundamentos críticos do saber. Legou o próprio saber, tão precisa e rigorosamente, unindo o facto ao necessário, a ciência à realidade, que foi o seu legado, assim como a moral pietista, que incitou a mente prodigiosa de Kant a meditar esses dois monumentos tão eternos como os Principia mathematica: a Crítica da Razão Pura e a Crítica da Razão Prática. Se Newton não coroou a sua obra com uma metafísica de grande estilo, deu-lhe no entanto o remate eloquente e comovido da religião, senão da teologia. Por um desvio, que não posso percorrer, é em grande parte na sua teologia de causas finais, que radica o conceito de religião natural, banalizado com impertinência no século XVIII; e disse desvio, Senhores, porque nada se distanciou mais dos seus sentimentos piedosos do que aquele conceito que fazia da caricatura da fé o debuxo grave da razão. Newton não desdivinizou o mundo; pelo contrário, entre a sua concepção da estrutura do Cosmos, do espaço absoluto e de Deus há uma relação íntima, tão íntima que, substancializando o espaço, o que Leibniz penetrantemente criticou, dele fez o sensório de Deus. É que o Deus de Newton não é o Senhor Deus dos Exércitos: é o Deus providencial e supremamente bom das almas afectivas e, sobretudo, o Deus arquitecto, pantocrator, ao qual o espírito se eleva quando contempla a estabilidade, a uniformidade e a ordenação admirável do Cosmos. «Nós admiramos Deus», disse, «como súbditos, porque um Deus sem providência, sem império e sem causas finais, é apenas o destino e a natureza»; e Roger Cotes, amigo e intérprete do sábio crente, terminou o seu famoso prefácio à segunda edição dos Principia, asseverando «que a obra exímia de Newton é a mais inexpugnável fortaleza contra os ataques dos ateus; e tu, leitor, não serás nunca tão feliz senão quando conseguires tirar desta aljava uma seta contra a caterva dos ímpios».

Kant, volvido quase um século, não será precisamente desta opinião; mas se a sua teologia, ou se preferis, a sua metafísica, é de ordem sentimental, a sua atitude de sábio e a sua obra científica nunca serão assaz louvadas. Definitivamente e com desafio do porvir? Qualquer que seja o seu destino, repetindo a sentença apoteótica de que «os céus entoam ainda a glória de Newton», eu creia que quedará coma um momento eternamente única e fecunda na história da Humanidade aquele em que o génio de Newtan adaptou as coisas ao nível da razão e deu ao ser desamparada, que é a homem, uma explicação harmonias a da ordem racional dos factos. 


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