2. Correspondência científica dirigida a João Jacinto de Magalhães

Como escreve Maurice Daumas, a razão está em que os «constructeurs anglais s'integrerent aux milieux scientifiques de Londres, bien plus facilement que leurs collegues français ne purent le faire à Paris. Il n'y avait pas entre les réglements et la composition de la Royal Society et de l'Académie des Sciences de tres grandes différences; mais à Londres on ne tenait pas à distance les artisans habiles comme on le fit à Paris; les opticiens et les mécaniciens furent admis tres tôt, dês le mílieu du siecle, à la Royal Society. Sans doute les débuts mêmes de la Royal Society expliquent cette atitude compréhensíve' ainsi que la présence parmi ses membres pendant les premieres décades de son existence, d'un homme comme Robert Hooke, par exemple.

Les Français furent passionnés de discussion bien davantage que d'expériences. L'artiste qui exerçait un travaíl manuel ne pouvait être admis dans les cénacles académiques. Cette différence d'esprit et d'attitudel plaça les artisans anglais dans une situation morale tres avantageuse.

Ils avaient plus d'autorité: leur publicité à l'étranger se faisait de façon plus efficace par la simple traduction des artioles des Philosophical Transactions qui conféraient un peu de leur prestige aux noms qui y étaient cités».

Somente num meio orientado por esta ética científica podiam manifestar-se e expandir-se os dotes e recursos intelectuais de Magalhães.

Não sabemos quais foram os seus primeiros passos em Londres, quem lhe apadrinhou as primeiras relações nem corno conseguiu fazer-se notado pela capacidade científica, nem tão-pouco se a situação de sócio correspondente da Academia das Ciências de Paris (1771), o seu primeiro título oficial, lhe proporcionou algumas facilidades. Pelos documentos conhecidos sabe-se somente que dez anos depois do desembarque em terra inglesa alcançava a maior consagração a que podia aspirar um indivíduo na sua situação - a de sócio da Royal Society-, gozando a partir de então de uma situação de prestígio tal que Luís Pinto de Sousa Coutinho, primeiro visconde de Balsemão, agente diplomático em Londres, informava em 1779 o secretário de Estado Aires de Sá e Melo que «Magalhães tem todos os conhecimentos necessários e huma correspondencia em Londres com a maior parte das Academias da Europa, sendo Membro e Correspondente de algumas. Estas circunstancias, e o seu genio natural para as cousas mechanicas, o tem feito conhecido de todos os artistas; e por isso pode ser igualmente útil para o progresso das Artes e Manufacturas desse Reino».

Com efeito, em 1774, por proposta assinada por Joseph Priestley, Benjamin Franklin, William Jones, Josiah Banks, William Hunter e Mathieu Maty, foi admitido como sócio da mais famosa sociedade científica inglesa.

Autodidata, sem obra científica conhecida do grande público por meio de publicações ou de inventos de brado, Magalhães não podia aspirar a mais alto galardão do que o que lhe conferia o reconhecimento dos seus méritos por nomes tão ilustres na química, na física, na geografia e na anatomia. Na sociedade inglesa, o emigrado obscuro, que desembarca dez anos antes pobre de recursos e sem apoio oficial, passou a ser alguém, que honrava quem o recebesse; e no continente, a atestação da sua capacidade intelectual e dos seus dotes inventivos pela mais reputada sociedade científica coetânea abriu-lhe as portas das mais reputadas agremiações científicas da época, designadamente as Academias das Ciências de Bruxelas, de Lisboa, de Madrid e de Berlim, da Academia Imperial das Ciências de São Petersburgo, e das Sociedades Filosóficas de Filadélfia, de Harlem e de Manchester.

Magalhães soube estar à altura das responsabilidade em que a Royal Society o investiu e afiançou, pois é a partir de então que o cientista se afirma com produções que nada têm que ver com as traduções à sobreposse, sem significação pessoal, dos anos de Paris que o inventor e construtor de instrumentos de precisão vê os seus serviços solicitados por governos, instituições científicas e amadores da observação e da experimentação, e que o epistológrafo estabelece e mantém uma correspondência extraordinariamente copiosa, importante e variada nos assuntos e nos signatários.

Cada um destes aspetos da personalidade de Magalhães reclama uma consideração especial e assenta numa ordem de factos e de indagações relativamente independente. Estudá-los monograficamente é um dos mais sedutores cometimentos a empreender na terra incógnita da nossa história científica, na fase do estabelecimento definitivo da mentalidade que conduziu às ciências exatas. O nosso ponto de vista, porém, dirige-se exclusivamente ao epistológrafo, com o propósito de dar a conhecer um núcleo de cartas de correspondentes de Magalhães e de chamar a atenção para a conveniência da organização do corpus de um epistolário que virá a ser um monumento notável erguido à memória de um português insigne pelo saber e pela independência de espírito e de carácter, e que constituirá, como suspeitamos fundadamente, um manancial abundantíssimo de informações de primeira água relativamente à história científica do último quartel do século XVIII.

É deficientemente conhecido o epistolário científico de Magalhães anterior a 1774, entendendo por tal, indistintamente, as cartas de seu punho e as que recebeu não destinadas ao público. O núcleo mais importante é constituído por cartas por ele escritas de Londres, de 1767 a 1774, dirigidas a Ribeiro Sanches. Foram dadas a conhecer por Maximiano Lemos, o insigne historiador da medicina em Portugal, que delas deu o seguinte resumo: “A sua correspondência com o médico português [Ribeiro Sanches] foi continuada por muitos anos, e interrompida apenas quando ia a Paris e se avistava com ele. Versava sobre os progressos que iam realizando as ciências que cultivava e ainda outras em que era hóspede, como a medicina. Em carta de 10 de Abril de 1767, Magalhães dava-lhe conta dos efeitos da cânfora sobre o organismo vivo, segundo os trabalhos de um cirurgião de Edimburgo, Alexander. A 4 de Dezembro de 1768, dizia ao seu amigo que fora ver umas máquinas prodigiosas e preciosas que de Inglaterra iam ser remetidas aos imperadores da China e do Mogol, constituídas por figuras representando animais e postas em movimento por um relógio.

«A 15 de Abril de 1769, Sanohes lança no seu Journal a notícia da chegada do seu amigo, que em Paris se demorou até 7 de Maio. Quando, a 11 de Junho, o P.e Valart lhe disse que um inglês tinha publicado um livro contra Newton, Sanches pedia informações sobre o assunto ao seu compatriota. Encarregava-se da compra de uma pérola vermelha que Magalhães mandava entregar a Messier a 29 de Junho e nessa data enviava ao físico português o Connaissance des temps.

A 5 de Outubro de 1769, Magalhães remetia ao seu amigo um prisma para Messier e dois folhetos para o P.e Bourriot. Em 21 de Junho de 1770, Sanches oferecia-lhe o Método de aprender e estudar a Medicina, acompanhando-o de uma carta sobre o estabelecimento das escolas menores de Castela. Magalhães estava então em Paris e aí se demorou até 20 de Agosto, parecendo que se aproveitou da hospedagem do seu amigo. Sanohes escreve no seu Journal: 'Hoje partiu para Londres o sr. Hyacintho Magalhaens: aprendi dele não consentir em minha idade viver com ninguem em comrnunidade senão com mulher: que coma cada qual, e beba e c ... se puder, mas não no mais que necessita a vida: Isto lhe direi pouco a pouco se viver: e se lho não meter na cabeça, vou-me viver em hüa estalagem. Só dois anos depois vemos notada uma carta de Magalhães; era datada de Londres a 5 de Julho e versava sobre as virtudes do ar fixo. A 22 de Janeiro de 1774, Sanches encomendava-lhe alguns livros. Em Maio de 1774, o físico voltava novamente a Paris. Partia a 22 para Bruxelas e em 28 de Outubro regressava a Londres, donde, a 2 de Dezembro, escrevia a Sanches.


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