Dois anos mais tarde, em 1746, Verney na carta VIII do Verdadeiro Método de Estudar, com menos saber que Azevedo Fortes mas com mais ardor combativo, defende igualmente a conceção de que a Lógica não «é mais que um método e regra que nos ensina a julgar bem e discorrer acertadamente».
Na carta do Verdadeiro Método, a crítica tem mais desenvolvimento que a parte expositiva, pondo a claro que Verney reputava inútil e até prejudicial o conteúdo da lógica tradicional, a saber, os proemiais, universais, sinais, predicamentos, a teoria da proposição (De enuntiatione) e a das inferências imediatas (De priori resolutione) e que simplificava extremamente a teoria do silogismo (De posteriori resolutione), do qual julga que « serve somente de pôr em certa ordem as poucas ideias que nós temos e o maior uso que tem é nas disputas dos Escolásticos, aonde às vezes dá a vitória». Opõe-lhe, por isso, sumariamente, a Ideia da Lógica, ou seja a indicação resumidíssima das matérias principais que devem constituir o objeto da Lógica moderna, à qual deu exposição didática meia dúzia de anos mais tarde com o De re Logica ad usum lusitanorum adolescentium libri quinque (1751). Inicia a Ideia com a explicação das causas gerais do erro, aliás idêntica à de Azevedo Fortes, advertindo que «a única medicina que se tem achado para ajuizar bem é desviar as causas, que nos conduzem ao engano». Daqui, iniciar-se a Lógica com o estudo dos modos como se formam as ideias e dos meios por que elas se exprimem. Simples ou compostas, factícias ou adventícias, todas as ideias provêm da experiência externa ou interna, negando consequentemente, ao contrário de Azevedo Fortes, a existência de ideias inatas. De leitura direta ou, como parece mais provável, colhido noutrem, o que Verney diz (pp. 254-256) acerca da origem e da classificação das ideias é resumo do livro I do Ensaio sobre o Entendimento Humano, de Locke, cujo nome não é citado no Verdadeiro Método e cuja fonte nenhum crítico lhe exprobou. Ao estudo das ideias segue-se o da expressão, isto é, o da relação do pensamento e da linguagem, a este o dos juízos, e por fim o do raciocínio, que é «a principal operação livre da mente», e em cuja teoria cumpre que a atenção se fixe inicialmente nas causas do erro e depois no método, cujo objeto é «preparar a matéria ao discurso e cujos processos são dois: analítico, ou resolutivo, e sintético, ou compositivo».
O oratoriano António Álvares, em 1760, na Instrução sobre a Lógica ou Diálogos sobre a Filosofia Racional, com o terreno preparado por estes predecessores e após o encerramento dos colégios da Companhia de Jesus, já pode escrever: «A Lógica que exponho é a mesma que no passado e no presente século seguiram homens de grande merecimento na república literária; a mesma com que fizeram adiantados progressos Francis Bacon, René Descartes, Pierre Gassendi, John Locke, o autor da Arte de Pensar, Mariotte e António Genuense, e ainda outros que desterraram das escolas as monstruosas quimeras dos antigos e admitiam em seu lugar um novo corpo de doutrina, próprio para guiar o nosso entendimento para o conhecimento da verdade».
A crítica do formalismo e da estrutura do ensino tradicional da Lógica, qualquer que fosse a mentalidade que a produzisse, procedia fundamentalmente da conceção da Ciência como explicação da realidade obtida mediante a observação e a experimentação, ou mais precisamente, segundo o estilo científico coetâneo, que a grandeza, a figura e o movimento são os elementos necessários e bastantes da explicação da realidade corpórea. Por isso, mais do que a temática lógica, foi a conceção hilemórfica e, correlativamente, a metodologia da Física, que marcou a divisória principal do pensamento moderno.
Com efeito, a teoria da matéria e da forma, ou mais explicitamente, a existência de formas substanciais, e a conceção da explicabilidade natural mediante o concurso de quatro causas (material, formal, eficiente e final) são pilar fundamental da interpretação aristotélica e escolástica da Natureza. A partir dos Conimbricenses, muito especialmente do Comentário de Manuel de Góis ao De anima e ao livro II da Physica e ao do De generatione et corruptione, de Aristóteles, não há compêndio de metafísica da Escola que a não exponha, e porque se considerava que era a única teoria explicativa da realidade física compatível com os dogmas eucarísticos, foi frequente escrever-se, para empregar as palavras terminantes de um crítico do Verdadeiro Método, que «é de fé haver formas substanciais e acidentais distintas».
Daqui, a exposição larga que a teoria normalmente ocupa nos tratados e comentários de Metafísica e de Física, especialmente nos capítulos De materia prima e De causis, a intransigência inexorável com que foi defendida, de que é significativo testemunho a retratação de António Cordeiro, que no Cursus Philosophicus Conimbricensis (Lisboa, 1714) sustentara que a forma substancial material não é distinta da matéria primeira, e a variedade da argumentação contrária à conceção hilemórfica, desde a interpretação textual à teoria da matéria.
Verney, na carta X do Verdadeiro Método, contesta que ela tenha origem aristotélica, pois, escreve, quem afirma que o Perípato admitiu a existência de formas substanciais « nunca leu Aristóteles ou, pelo menos, não o entendeu”. Tão categórica afirmação, que não abona o saber acerca do pensamento exato do Estagirita e da sua Metafísica, visava a estabelecer, e nesta parte com fundamento, que a explanação da conceção era obra de escolásticos, e que o apoio que ela prestava à Teologia era indispensável, visto Maignan, no resumo que da sua filosofia fez Jean Saguens, na Philosophia Maignani Scholastica (Toulouse, 1703), o mesmo Saguens no Systema Gratiae, in quo omnis vera gratia, tum atualis, tum habitualis explanatur quoad sui physicam entitatem, absque recursu ad ullas formas accidentales Aristotelicas productas, e Malebranche haverem mostrado «que todo o sistema da Graça se podia explicar maravilhosamente sem recurso às formas substanciais».
De modo geral, os críticos, se coincidiam no repúdio, não estavam conformes na maneira de a refutar, e, sobretudo, de a substituir por outra teoria da matéria. Ninguém ousou, pela época que nos ocupa, opor-lhe explícita e ostensivamente, a exemplo do P. Marin Mersenne, de Hobbes, de Espinosa, a conceção mecanicista da Natureza, mas com mais ou menos consciência, vigor e amplitude era esta conceção que subjazia às críticas. Embora o não declare, só ela é compatível com a redução da explicabilidade à causa eficiente, que Verney fugazmente expõe no Verdadeiro Método.
A refutação eficaz, porém, não consistia em refutações dialéticas, como a de Azevedo Fortes na Lógica Racional, Geométrica e Analítica, mas na substituição da conceção aristotélica por outra teoria da matéria e da composição dos corpos. Daqui a importância que as conceções cartesiana e gassendista da Física alançaram, entre nós como em toda a parte, no processo dissolvente da metafísica escolástica. Atentemos em cada uma, exclusivamente sob o ponto de vista da sua influência no curso das ideias em Portugal.
Os cartesianos admitiam que a extensão constituía a propriedade única da matéria, pelo que estabeleciam a irrealidade das qualidades secundárias (cores, odores, sabores, etc.), o mecanicismo, assim no mundo material como no biológico - donde a famosa teoria do automatismo dos animais -, a exclusão da causa final e consideravam a causa eficiente como fundamento bastante da explicabilidade física.