Introdução à metafísica de Aristóteles

Com efeito, parece-nos ser esta a noção de infinito subjacente à argumentação de que tanto na ordem ascendente, como na descendente, a série de causas não é infinita, quer se trate da causa eficiente, quer das causas material, final e formal.

Na ordem ascendente, a série de causas que se exerce ao longo de efeitos sucessivos compreende, como é óbvio, intermédios, que necessariamente pressupõem um termo que lhes seja antecedente; ora se a série de causas fosse ad infinitum não haveria princípio, mas somente intermédios, e portanto não haveria causa. Por outras palavras: sem causa primeira não se dá realmente conceito de causa, mas somente o de intermédio.

O mesmo acontece na ordem descendente. A prova distingue a geração corno desenvolvimento, da geração como produção de coisa diversa. No primeiro sentido, por exemplo, o discípulo que devém mestre, a sucessão ad infinitum não existe, porque somente se dão intermédios entre um princípio e um fim; e no segundo sentido, corno, por exemplo, o vapor vem da água, também se não dá sucessão causal ad infinitum, porque os dois termos da geração se implicam reciprocamente.

Se não houvesse uma causa primeira, não haveria causa propriamente dita; e se cada causa tivesse sempre ad infinitum outra causa que a precedesse, somente haveria intermédios, e portanto não existiria uma causa primeira. O conceito de infinidade causal, seja na ordem ascendente, seja na descendente, é consequentemente inadmissível, por implicar um processo ou devir interminável.

O estabelecimento da necessidade lógica e real da existência do «primeiro princípio”implica que este não pereça, isto é, que seja eterno, mas cumpre entender que a impossibilidade das causas ad infinitum não implica a impossibilidade da sucessão infinita de efeitos.

A impossibilidade ad infinitum dá-se igualmente na ordem da causalidade final e na da causalidade formal.

A causa final, ou por outras palavras, o Soberano Bem, não tem o seu fim fora dela própria, não dependendo, portanto, de outras causas, as quais existem «em vista dela»; de sorte que, se a causa final existe, não se dá nela sucessão causal ad infinitum, e se esta se dá, não existe causalidade final e, consequentemente, se anula a existência do Bem.

A mesma impossibilidade se verifica na causalidade formal. A causa formal, cuja existência é provada pelo facto de cada coisa ter somente um conceito e uma só definição, não pode dar-se ad infinifium, pois se a série de princípios fosse infinita não se conheceria princípio algum e a Ciência, cujo objeto é definido, tornar-se-ia impossível.

Em conclusão: é errónea a conceção da existência da causalidade ad infinitum, quer na espécie de causas, pois somente existem as quatro que dão a explicabilidade perfeita, quer na sucessão de cada uma delas, pois sempre terá de se admitir a existência de um «princípio». Quer nos coloquemos no ponto de vista do devir, quer no ponto de vista do conhecimento incapaz de atingir num tempo finito uma série infinita, a consequência é sempre a mesma: a impossibilidade da causalidade ad infinitum.

O capítulo III tem por objeto uma consideração breve sobre o método. Partindo da ideia de que o efeito de qualquer lição depende do hábito de quem a ouve, nele se discriminam as formas capitais da transmissão de conhecimentos, ou sejam, a da demonstração matemática rigorosa, a da exposição com exemplos, e a da sugerência mediante imagens poéticas.               

Quem aprende, deve, pois, estar habituado à forma do ensino própria de cada ciência, «pois é absurdo procurar ao mesmo tempo a ciência e o método da Ciência». Consequentemente, cumpre separar a Ciência da Metodologia, ou mais propriamente dos respetivos processos didáticos, pois o mesmo método não convém indiferentemente a todas as ciências e para aplicar o método mais apropriado convém conhecer a natureza do objeto que cada uma estuda. Assim, a demonstração matemática somente convém ao «que não tem matéria», não sendo apropriado ao que é «físico».

Coimbra, Novembro de 1950.


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