Introdução à metafísica de Aristóteles

Na segunda, faz o exame dos princípios do ser em geral, no qual considera o ser enquanto ser, ou seja a substância das coisas. É o tratado da ontologia e abrange os livros IV-X, inclusive.

Na terceira, faz a exposição do primeiro princípio, ou seja a substância absoluta, eterna, imutável e imaterial, princípio e causa de todas as coisas, o qual é Deus. A Metafísica termina, pois, com uma Teologia, a qual é exposta nos livros XI-XIV.

Para Ravaisson, o autor do Essai sur la Métaphysique d'Aristote, o objetivo da sua sábia e lúcida indagação consistiu na “restituição do verdadeiro plano da Metafísica”, e o plano que lhe pareceu mais verosímil foi o seguinte:

O livro V (A), cujo objecto é a definição de termos filosóficos, seria uma espécie de tratado preliminar, cujo conhecimento é suposto por Aristóteles e ao qual se refere expressamente no curso da Metafísica. O livro I (A) liga-se diretamente ao liv. III (B), considerando-se o liv. II (a) uma nota apendicular ao livro 1; o livro XI (x), de importância secundária, aproveitável nalguns passos; o livro X (1), cujos primeiros capítulos não se reportam propriamente à Metafísica, também é de aproveitamento subsidiário; os livros XIII (m) e XIV (N), considerar-se-ão anteriores ao livro XII (A) e o livro I (A), deve analisar-se conjuntamente com o livro XIII (m) no que respeita aos capítulos relativos à teoria das ideias. Em resumo: a ordem segundo a qual os livros da Metafísica devem ser lidos sob o ponto de vista filosófico ou sistemático é a seguinte: V; 1; III; IV; VI; VII; VIII; IX; X; XI; XIII; XIV e XII.

Otávio Hamelin, cujo notabilíssimo livro sobre O Sistema de Aristóteles se colocou na dianteira desta concepção sistemática, considerou que o corpo da Metafísica é constituído pelos livros I (A), III (B), IV (r), VI (E), VII (z), VIII (H) e IX (C)), sendo os outros livros como que secundários perante o objecto que Aristóteles se propôs tratar”.

Esta simples amostra da diversidade de critérios tendo, mais ou menos, uma base comum, põe a claro a falta de ordem que existe entre os catorze livros metafísicos. Procurar e fundamentar criticamente uma opinião é, pois, tarefa árdua; no entanto, pragmaticamente, isto é, quem queira conhecer sob o ponto da concatenação as concepções fundamentais da Metafísica, notadamente as de mais larga influência histórica, pode admitir que a parte principal é constituída pelos livros I, III e IV, VI a IX, e a parte secundária assim considerada: livro II (a), acrescentado posteriormente; livro V, parece ser um compêndio para uso escolar; o X, um tratado independente acerca do uno e do múltiplo, do idêntico e do diverso; o XI, de contestável autenticidade na sua maior parte; o XII, o remate da Metafísica, o XIII e XIV contêm a crítica da teoria platónica das Ideias e da concepção pitagórica dos números, repetindo alguns capítulos do livro I.

O critério genético, ou histórico-evolutivo, que Werner Jaeger concebeu e aplicou com extraordinário desenvolvimento e êxito, renovou profundamente a interpretação do aristotelisn-io, como aliás a aplicação do mesmo método já havia renovado a interpretação do pensamento platónico.

Na parte que nos ocupa, a crítica genética, ou por palavras mais expressivas, a concepção de que o corpus metaphysicum de Aristóteles não constitui um todo nem é possível estudá-lo com base numa representação esquemática, que teria de formar-se com elementos heterogéneos, conduziu Jaeger a afirmar que a colecção de livros que compõem a Metafísica foi formada depois da morte do Estagirita. Este tê-los-ia escrito em ocasiões diversas, com objetivos próprios e numa ordem diferente das edições actuais, por forma que com excepção dos livros VII-VIII todos são relativamente independentes, e se podem repartir em dois grupos: livros de redacção mais antiga, e de redacção mais moderna.

No primeiro grupo, Werner Jaeger, conta: o liv. I (A) e o III (B), que supõe terem sido escritos pouco depois de 347 a. C., provavelmente em Assos; os caps. 1-8 do liv. XI (K); o liv. XII (A), com excepção do cap. 8, salvo 1074, linhas 31-8, que atribui ao período final; o cap. 9 (de 1086 a 21 e segs.) e o cap. 10 do liv. XIII (m) e o liv. XIV (N).

Os liv. IV (r) e V (E), que são continuação do liv. III (B), pertenceriam a uma fase de transição; os caps. 1-9 (1086 a 21) do liv. XIII (m), que opõe, como já indicámos, ao restante do mesmo livro, seriam da última fase da evolução de Aristóteles. Os livros VII (z), VIII (II) e IX (o), cujo objecto é o problema da substância e cuja cronologia é mais obscura, pensa Jaeger que formaram originariamente um grupo independente, que mais tarde Aristóteles teria introduzido no seu “curso de metafísica”.

Finalmente, para o livro V (a), cujo assunto não tem relação direta com os outros livros e foi considerado durante muito tempo como um tratado independente, não propõe data, não o situando, porém, no grupo dos escritos antigos.

Estas opiniões, que resumimos ao máximo, suscitaram e suscitarão objecções e críticas de pormenor, mas a despeito dos inconvenientes inerentes às construções esquemáticas, têm o mérito de haver distinguido épocas diferentes na redacção do texto da Metafísica que até nós chegou, remontando as mais antigas ao começo da fase de transição em que Aristóteles se desprende do Platonismo para seguir o curso do seu pensamento próprio. A esta luz, a obra imensa do Estagirita deixa de ser a expressão de um sistema pré-formado, a que todos os escritos obedecessem na respectiva construtura, e o segundo período da vida de Aristóteles, entre 347 e 335, aparece com uma quadra de portentoso trabalho; e em especial, no que respeita à Metafísica, os catorze livros que a constituem, além de não formarem um todo uniforme, tudo indica terem sido escritos como obras autónomas e independentes.

A vida de Aristóteles, quer como discípulo de Platão, que o teve por luminar entre os seus discípulos, quer como pensador independente, foi sempre assinalada por portentosa capacidade de trabalho e assombroso saber, mas o segundo período, entre 347-335, avulta como quadra sem par pela atividade e criação científica.

Como escreveu Robin, numa síntese expressiva, na qual entram elementos da sua crítica pessoal, este período “deve ter sido aplicado à composição da maior parte dos seus cursos: em primeiro lugar, os Tópicos, cujo primeiro e último livros são talvez mais tardios, mas onde a influência platónica é em todas as outras partes tão frequentemente sensível; depois, como é verosímil, as Categorias e a Hermeneia, salvo o final destas duas obras; por fim, os Analíticos. Viria depois a Física, ou pelo menos grande parte desta obra; os tratados Do Céu e Da geração e da corrupção; o livro III do tratado Da Alma; as partes mais antigas da Metafísica; A (I), (V), os oito primeiros capítulos de K (XI), A (XII) salvo o final, e XIV (N); os livros II, III, VII e VIU, da Política, os quais supõem o Protréptico e a Ética a Eudemo”.   

d) Os resultados da crítica interna e genética mais recente estabelecem, pois, a existência de uma evolução no pensamento de Aristóteles, ou, por outras palavras, um desenvolvimento que vai do platonismo da juventude ao conjunto de concepções pessoais da maturidade expostas nos escritos didácticos. Este é o mínimo que pode considerar-se adquirido, visto algumas conclusões de Jaeger parecerem demasiado esquemáticas, notadamente a que sintetiza a imensa atividade do Filósofo em dois períodos, sendo o primeiro 'metafísico e o segundo empírico, durante o qual Aristóteles se teria ocupado das ciências positivas e caído no agnosticismo relativamente ao que ultrapassa o mundo da perceção.


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