Introdução à metafísica de Aristóteles

A Filosofia é, com efeito, divina, quer pelo sujeito, pois conhecer a verdade é função própria de Deus, quer ainda pelo objecto, pois o seu objecto é o principal de todas as coisas, o qual a parecer de todos é Deus; não obstante, é inadmissível dizer-se com Simónides que a Filosofia é saber exclusivo de Deus, pois Deus não pode ser invejoso e não há outro qualquer saber que à Filosofia se sobreleve em excelência.

b) Justificação histórica de que o objecto da Filosofia consistiu na indagação dos princípios e causas do ser (caps. 3-7).               

Estabelecendo que “a ciência que procuramos”, ou seja a Sabedoria, isto é, a Filosofia ou Metafísica, é a ciência das causas primeiras, Aristóteles passa a investigar a espécie e número destas causas.

A passagem é lógica. É que o filósofo ao indagar o que é o ser como ser tem necessariamente de indagar também as razões do devir, ou por outras palavras, as causas gerais que explicam as gerações, o desenvolvimento e a extinção dos seres, pois somente se sabe aquilo de que se conhece a respectiva razão ou porquê.

Na Física, especialmente no livro II, considerara que a explicação completa e cabal de uma coisa assenta no concurso de quatro causas: causa formal, pela qual uma coisa é o que é, distinguindo-a das outras, isto é, a sua essência; causa material, ou seja a matéria de que a coisa é feita; causa eficiente, pela qual a coisa é produzida, isto é, o princípio do movimento e da mudança, e causa final, que é o fim para o qual a coisa existe.

São estas mesmas causas que Aristóteles considera no livro Alfa maiúsculo, e a justificação que empreende não se apresenta com fundamentação puramente teorética. É a via histórica o caminho que segue para comprovar e justificar esta concepção da explicabilidade, pelo que percorre os sistemas filosóficos de Tales a Platão para verificar se alguém propôs outras causas além das quatro que acabamos de enumerar. A conclusão a que chega é que são estas, e só estas, as causas que foram admitidas pelos filósofos que o precederam, embora por vezes as tivessem pressentido de maneira vaga e como que balbuciante, por forma que da exposição histórica como que resultava a prova pelo consenso das opiniões e se contraprovava o número e a espécie das causas que havia estabelecido na Física.

Com ser orientada com este fim, e portanto com critério sistemático e não com sentido rigorosamente histórico, como acima acentuamos, a exposição de Aristóteles constitui fonte primacial e basilar das nossas informações acerca da marcha do pensamento filosófico de Tales a Platão. A riqueza e complexidade dos informes e juízos permitem que estes capítulos possam ser considerados e resumidos sob diversos pontos de vista. Cremos, porém, que o critério mais consentâneo com o objecto da “ciência de que andamos à procura”, ou seja a ciência das causas primeiras, é o que se baseia nas opiniões que os filósofos ante-aristotélicos exprimiam acerca das quatro causas.

Coerentemente com este critério, não resumiremos as páginas de Aristóteles com rigoroso sentido cronológico, dado que o nosso objetivo não é propriamente histórico, senão que agruparemos as opiniões que Tales e seus sucessores exprimiram acerca das referidas causas, em ordem a estabelecer-se o que Aristóteles pretende, a saber: que a sua concepção das quatro causas é objecto da “ciência que procuramos” ou da “ciência a adquirir”, isto é, a Filosofia.

a) Causa material. Os mais antigos filósofos somente tiveram a noção de causa material e conceberam o processo físico do Mundo natural corno expressão de uma substância fundamental da qual todos os seres derivam e na qual todos se reintegram. A seu ver, na Natureza não se verifica o nascimento e a extinção seja do que for, porque o que se dá é a alteração cambiante dos estados e manifestações do ser fundamental e persistente, que jamais perece.

Tales de Mileto, que foi o primeiro a formular esta maneira de considerar o processo físico, admitiu que a substância ou princípio primeiro era a água, e após ele, Anaxímenes e Heráclito admitiram, respectivamente, que eram o ar e o fogo. Para estes filósofos, cuja designação adequada é a de “fisiólogos” por considerarem a matéria e o processo físico dela resultante à maneira de um ser vivo, o princípio fundamental era um só e único. Exprimiam, pois, uma concepção monista do ser; porém Empédocles, sem abandonar o essencial da concepção, admitiu que o ser fundamental era múltiplo, constituído pela água, pelo ar, pelo fogo e pela terra, isto é, fundou a teoria dos quatro elementos, dos quais três já haviam sido propostos e a que juntou o da terra.

Anaxágoras, que inicia a série dos filósofos que ensinaram em Atenas e a cujos pensamentos somos devedores como a nenhuma outra quadra da História da Filosofia, continuou esta concepção pluralista do ser, dando-lhe até sentido infinitista com a sua teoria das hamoemérias. Servia esta expressão, que como palavra há quem duvide ser de Anaxágoras, para designar os princípios ou partes similares quantitativamente inumeráveis, cuja reunião ou separação constituíam para cada coisa homogénea, COMO O osso, a carne, etc., a geração e a corrupção.

b) Causa eficiente. O problema posto nos termos que acabamos de indicar não se bastava a si mesmo, porquanto, se a causa material dava razão da persistência, do que sub-estava às vicissitudes do Mundo natural, deixava por explicar a razão de ser da geração, da alteração e da extinção dos seres naturais, visto que “nem a madeira, nem o bronze são causa das próprias modificações, pois não é a madeira que faz a cama ou o bronze a estátua, mas alguma outra coisa é a causa da mudança” (hic., pp. 19-20). Cumpria, pois, ir mais longe e indagar a causa que é princípio ou origem do movimento em virtude do qual os seres mudam, nascem e se extinguem. Este princípio é a causa eficiente.

Os primeiros filósofos da Iónia não se deram conta desta causa, e os da Escola de Eleia negaram mesmo que na Natureza se desse a geração, a alteração e a extinção dos seres, porque o Ser é uno e imutável. Dos filósofos eleatas, Parménides foi “talvez” o único que entreviu a causalidade eficiente, que ele “em certo sentido” repartiu pelo quente e pelo frio; e, por seu turno, Empédocles, como que atribuiu a cada um dos elementos natureza cinética, pelo que mal entreviu a natureza desta causa.

c) Causa final. Esta parte do livro Alfa maiúsculo (hic., pp. 20-21) encerra árduas dificuldades, não faltando consequentemente as interpretações, de algumas das quais demos indicação nas notas aos passos respectivos; cremos, porém, que se não violenta o sentido do pensamento de Aristóteles admitindo que ele associou a génese da concepção da causa final ao desenvolvimento histórico da causa eficiente.

Por outras palavras: desde que se excluísse a existência do acaso como explicação da combinação ,dos elementos geradores das coisas, cuja concepção Leucipo e Demócrito sustentaram, surgia a par da causalidade eficiente a noção da causalidade final. Os filósofos eram como que constrangidos a ir «à procura do princípio que se lhe seguia”, e este princípio implicava a razão de ser da ordem e do belo que existe na Natureza.


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