1º) As sete artes liberais, isto é, Gramática, Lógica, Retórica, as quais formavam o Trivium, e Aritmética, Música, Geometria e Astrologia (Astronomia), que constituíam o Quadrivium. As artes deviam ser lidas em três salas diversas: a Retórica e o Quadrivium, «em a casa pequena, que está a par da grande terrea, cujas Portas saem á crasta, e ahi stem pintadas as sete artes liberais»; a Gramática, «que he de grande arroido», «na casa de fóra, que he das pertenças das ditas casas»; e a Lógica, «na logea, que se corre também de fóra per o quintal». A referência ao ruído no ensino da Gramática, iniciado em geral pela aprendizagem das primeiras letras, revela-nos que o método então seguido era o das repetições em voz alta, senão em coro, o que naturalmente aconselhava que a sala destinada ao seu ensino estivesse afastada das classes em que o mestre tão-somente prelecionava ou lia.
2º) A Medicina, lida «na outra loja parede em menos» com a de Lógica, «que se corre pera dentro». Nesta sala se pintaria o retrato de Galeno (Gualliano).
3º) A Teologia, cuja sala devia ter uma pintura representando «a santa Trijndade ».
4º) Direito canónico (Degretaaes).
5º) Filosofia natural e moral.
6º) Leis.
Para o ensino das três cátedras de Direito canónico, Filosofia e Leis destinara as salas do «sobrado», ordenando que se decorassem, respetivamente, com as pinturas de um papa, de Aristóteles e de um imperador.
Determinou ainda o infante que se reservasse «a sala grande», onde se colocariam uma cadeira e bancos, para «os atos solenes», e que na casa pequena, à esquerda desta sala, morassem o bedel e o «caseiro». Este tinha a seu cargo o serviço da limpeza, da abertura das classes, e da sineta, «aguai se tanja quando ouverem de fazer conselho ou algum trautado commum».
Se bem conduzimos as investigações e não erramos no juízo, salta à vista que o infante D. Henrique fez uma verdadeira reforma universitária, porque, conservando as cátedras existentes, completou o ensino das artes liberais e criou o da filosofia natural e moral, ou por outras palavras, da filosofia de Aristóteles. Ensinava-se de há muito a Gramática, a Retórica e a Lógica, isto é, o Trivium, ou ensino das Letras; porém o Quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e Música), essencialmente científico, não tivera até então a consagração oficial. O infante não reorganizou a Universidade, como já dissemos, de harmonia com os planos de seu irmão o infante D. Pedro. Preferiu o caminho de melhorar o existente, não alterando a organização tradicional; porém, à sua influência e liberalidade se deve a introdução das disciplinas científicas no quadro dos estudos universitários. Por um lado, elevava a Universidade de Lisboa ao plano das universidades completas do continente; e por outro, era coerente com as suas preocupações científicas pessoais, orientadas predominantemente para a natureza. Enquanto os irmãos, D. Duarte e D. Pedro, se compraziam na reflexão moral, política e filosófica, D. Henrique, promotor dos descobrimentos marítimos, amava o estudo científico da natureza, sobre a qual escreveu um livro — Secreto de los Secretos de Astrologia —, infelizmente perdido, e que os eruditos Fernando Colombo (1525) e Gonzalo Argote de Molina possuíram.
O Dr. José Maria Rodrigues, no estudo citado, duvida que o Quadrivium tivesse sido ensinado durante o protetorado do infante. A dúvida é fundada, pois não existem documentos comprovativos. Inclinamo-nos, porém, a admitir que ele passou do programa à realidade, não pela autoridade de H. Major que assegura ter existido em 1435 uma cadeira de Matemática, mas porque ele representava um aspeto fundamental na preparação científica dos descobrimentos.
Em nosso entender, D. Henrique não fez tão-somente uma doação. Realizou uma verdadeira reforma universitária, da qual a doação foi a condição material, e cujo alcance desejou perpetuar, determinando no referido instrumento de doação que a Universidade fosse anualmente, a 25 de Março, encomendá-lo a Deus, à igreja de Santa Maria da Graça, onde haveria missa solene e uma pregação em latim. Foi este o primeiro préstito universitário de que há notícia. Mais tarde, em 25 de Março de 1448, estabeleceu uma pensão anual de dez marcos de prata para manter a cadeira de Prima de Teologia, que posteriormente, em 1460, no ano do seu falecimento, elevou a doze marcos, os quais deviam ser pagos da primeira renda dos dízimos da Madeira por todos os mestres e governadores da Ordem de Cristo, que lhe sucedessem. Entre as obrigações que cometeu ao lente de Prima de Teologia figura a de recitar anualmente uma oração na abertura dos cursos, a qual deu origem à chamada oração de Sapientia.
Pelo que havemos dito, o ano de 1431 marca uma fase nova na vida da Universidade de Lisboa. Assinala-o a doação, se não verdadeira reforma, do infante D. Henrique, e assinala-o ainda a promulgação dos primeiros estatutos universitários de que há memória, a qual talvez tivesse concorrido para ditar ao infante a oportunidade da sua liberalidade. Os estatutos foram organizados pela Universidade, sendo reitor o doutor Vasco Esteves, vigário de São Tomé, e foram jurados na Sé de Lisboa em 16 de Julho de 1431, para o que se reuniram, por aviso do bedel Afonso João, além do reitor, os arcediagos Estêvão Afonso, doutor em cânones, Afonso Rodrigues, doutor em leis, e doutor Diogo Afonso Mangancha, Gomes Pais, licenciado em cânones e Vicente Domingues, conservador da Universidade.
Pelo novo regimento, sobre o qual assentaram todas as reformas até aos estatutos pombalinos e de que algo persiste ainda na tradição coimbrã, o ano lectivo durava oito meses, e como era natural, nele se fixaram particularmente as condições de admissão e de colação dos graus de bacharel, licenciado e doutor nas várias faculdades.
«O grau de bacharel só era conferido aos que cursavam as aulas por três anos, e defendiam publicamente umas conclusões perante os respetivos mestres e doutores; a Faculdade procedia depois ao julgamento de suficiência em costumes e literatura dos candidatos; se estes não obtinham maioria de votos, deviam repetir os cursos até serem julgados suficientes. Admitiam-se também ao grau de bacharel os escolares das universidades estrangeiras que, depois de cursarem um triénio, faziam um curso bienal de leitura com permissão dos mestres respetivos; ou que frequentavam um quinquénio as aulas e liam três lições sucessivas com vénia dos lentes. A estas lições, em Teologia, devia assistir sempre o lente privativo. Em ambos estes casos dispensavam-se as conclusões. O grau conferia-se com o mesmo cerimonial, que hoje (1853) se pratica. Por este ato eram os bacharéis obrigados a dar luvas aos reitores, e a todos os lentes e doutores, e a pagar para a arca da Universidade uma coroa [moeda que valia até ao tempo de D. Manuel 216 réis], e o máximo três, e igual propina tinha o lente presidente e o bedel.
«Só bacharéis podiam ser admitidos ao ato de licenciado (examen ad licentiam docto ralem vel magistralem), mas era mister cursar as aulas quatro anos, e defender umas conclusões, que se afixavam cinco dias antes nas escolas, e sobre as quais podiam argumentar todos os doutores que quisessem. Dispensavam-se as conclusões aos que depois de cinco anos de frequência, liam por quatro anos na Universidade e eram examinados pelo lente respetivo. No julgamento destas provas exigia-se mais que o simples grau de suficiência. O ato de licenciado fazia-se na igreja da Sé com assistência dos lentes, reitores e cancelário, os quais pela manhã assinavam dois pontos ao licenciando, e depois de vésperas se fazia o ato, em que argumentavam os licenciados, quando faltavam os mestres e doutores; findo este, procedia-se à votação e, se o licenciando era aprovado, o cancelário lhe conferia o grau. No fim do ato ou depois do grau servia-se uma refeição aos lentes e reitores à custa do licenciado, que devia pagar três coroas para a Universidade e outras tantas ao presidente (patrino) e a cada doutor uma coroa.