Instituições de Cultura (séculos XIV-XVI)

«Feita a eleição dos reitores, reuniam-se os escolares de cada escola, e elegiam dois dos mais antigos e mais sabedores dentre eles, os quais naquele ano serviam de conselheiros. Os escolares também escolhiam as matérias que os lentes deviam ler pelo ano adiante. Assim todo o governo da Universidade residia no corpo escolar, que só recorria ao chefe supremo do Estado para obter dele novos privilégios ou o aumento das suas rendas. As duas faculdades de Cânones e Leis ainda então constituíam a parte principal do Estudo Geral.

«A Teologia e a Medicina tinham apenas uma cadeira, e não gozavam os privilégios das outras faculdades na eleição dos reitores, mas nomeavam conselheiros como as duas primeiras. Em todo este sistema predominava o princípio da eleição pelos escolares, e os lentes eram estranhos ao regime da Universidade, que lhes pagava salário pelas lições que liam nela.» (José Maria de Abreu).

Cinco anos depois, a Universidade requeria ao rei que de futuro apenas fosse eleito um reitor. Desconhecem-se as razões, mas pela mesma carta em que D. Afonso V coartava a autonomia tradicional, cometia a resolução deste assunto ao protetor e à Universidade. As duas entidades celebraram um acordo cujo instrumento nos é desconhecido. Parece, no entanto, que a Universidade viu aprovado o seu requerimento.

Desde este ano, a Universidade, como herdeira e continuadora dos foros tradicionais de autonomia pedagógica, tornou-se uma sombra do que fora.

Frustradas todas as tentativas de independência económica e impossibilitada de se adaptar espontaneamente às necessidades novas da cultura renascente, que dealbava, tudo concorria para a vincular decisivamente ao poder e arbítrio real, conquistando em renovação científica e em estabilidade o que perdia em independência.

Começa então uma fase nova da sua história, cujo instaurador foi D. Manuel e artífice supremo D. João III.

Pouco ou nada sabemos da atividade científica e dos métodos de ensino da Universidade de Lisboa durante o século XV. A sua história é anónima e obscura; e por isso não surpreende que os amantes do saber e da ilustração procurassem além-fronteiras o que o Estudo lhes não oferecia. D. João II, em data incerta, mas talvez meses antes de morrer (1495), recusou-se a nomear os opositores que tinham concorrido às cátedras de Prima e Véspera de Leis, ordenando que se provessem estas cátedras em lentes que viessem de Salamanca. Foi o primeiro ataque direto contra a estagnação científica do Estudo; indiretamente, porém, de há muito, e sobretudo no reinado do Príncipe Perfeito, se estabelecera a emigração escolar para alguns centros do estrangeiro. Paris atraía os teólogos; a Itália, os juristas e os estudiosos das humanidades.

Florença, a cultíssima e platonizante cidade dos Médicis, foi a cidade preferida, e dos mestres florentinos, Ângelo Policiano. Em 1489 ouviam-lhe as lições os três filhos do chanceler-mor João Teixeira, um dos quais Luís Teixeira Lobo, mais tarde mestre de D. João III, manteve na Itália «relações não menos agradáveis que amistosas» com Erasmo; e seus discípulos foram também João Rodrigues de Sá Meneses, Martinho de Figueredo, Henrique Caiado, que em Pádua conviveu na roda de amigos e compatriotas de Copérnico, e Aires Barbosa, condiscípulo de João de Médicis, o futuro papa Leão X, e a cujo magistério em Salamanca a Espanha ficou devendo a introdução do helenismo. Com D. Manuel a emigração muda de rumo, dirigindo-se para França. Foi o Venturoso quem concedeu as primeiras bolsas de estudo pagas pelo feitor da Flandres; e, levando mais longe a liberalidade, estabeleceu no Colégio parisiense de Montaigu uma fundação de 1300 libras, em 1498, impondo várias obrigações, entre as quais a de se reservarem perpetuamente lugares para dois escolares pobres portugueses, alojados em quartos independentes, e cujas portas exibiriam as armas de Portugal. Esta grande obra renovadora, que D. João III dilatou notavelmente e condicionou a reforma universitária do seu reinado e o desenvolvimento da Renascença em Portugal, traduziu-se inicialmente pela criação de um meio intelectual hostil à vida obscura da Universidade. D. Manuel foi o primeiro intérprete das vozes discordantes, efetivando uma reforma para a qual não ouviu a corporação universitária e fazendo até a declaração, jamais ouvida, de que de futuro só o rei ou o protetor da Universidade poderiam ditar novos estatutos, quando lhes parecesse necessário ou fosse requerido pelos escolares. Pelos estatutos manuelinos, cuja data é desconhecida e a crítica de há muito fixa entre 1500 e 1504, o plano de estudos, a administração escolar e a disciplina académica foram reorganizados.

As cátedras ordenaram-se segundo o seguinte plano:

a) Faculdade de Teologia: cátedras de Prima e de Véspera, respetivamente com o salário de 12 marcos de prata e 20 mil reais.

b) Faculdade de Cânones: cátedras de Prima, Véspera e Terça, com os salários de 30 mil reais, 20 mil reais e 10 mil reais.

c) Faculdade de lieis: cátedras de Prima, Véspera e Terça, com o salário de 30 mil reais, 20 mil reais e 10 mil reais.

d) Faculdade de Medicina: cátedras de Prima e Véspera, respetivamente com 20 mil reais e 15 mil reais.

e) Artes: cátedras de Gramática, com 10 mil reais; Lógica, com 10 mil reais; Filosofia moral, com 20 mil reais.

Do confronto deste plano de ensino com o estabelecido em 1431 pelo infante D. Henrique resulta, pelo menos, a inovação da cátedra de Véspera de Teologia e o desdobramento da cátedra de Filosofia natural e moral criada pelo infante. Posteriormente, em 1518, D. Manuel criou as cátedras de Sexto das Decretais, na Faculdade de Cânones, e a de Astronomia, na de Artes, a qual tinha uma aula semanal e foi dotada com o ordenado de 8 mil reais.

Os estatutos não contêm um título sobre os livros de texto; porém, por algumas referências relativas à licenciatura e por outras fontes pode assegurar-se que se leram nos primeiros tempos da reforma, os seguintes: em Teologia, os Sententiarum libri quatuor de Pedro Lombardo, o Mestre das Sentenças, e talvez a Escritura; em Cânones, as Decretais; em Leis, o Corpus juris civilis e o Digesto; em Medicina, Avicena, e Galeno, e nas Artes, a Arte de Pastrana em Gramática, as Súmulas Lógicas de Pedro Hispano, em Lógica, a Metafísica e a Ética a Nicómaco de Aristóteles, em Filosofia natural e Filosofia moral.

O método de ensino era o método tradicional ou escolástica Diariamente, durante uma hora, salvo os de Prima que liam hora e meia, os lentes liam, explicavam e comentavam o texto da sua cátedra, e quando terminavam a aula, «descendo da cadeira», aguardavam as dúvidas e perguntas dos estudantes, às quais lhes cumpria responder.

Periodicamente, ou talvez quando o mestre entendesse, havia exercícios de repetição e quodlibetos, os quais não tinham em rigor o carácter do que na linguagem atual se designa por chamada.

Por uns e outros, sem dúvida, o mestre se inteirava do aproveitamento dos alunos; porém, destinavam-se especialmente a avaliar o grau de agudeza dos alunos, mediante a proposição e resolução de argúcias e dificuldades em torno da compreensão dos textos.

As aulas começavam «hum dia depois de Sam Lucas», em 19 de Outubro e continuavam «até Santa Maria de Agosto inclusive».

Durante este tempo não havia férias. Os feriados no entanto eram frequentes„ porque não se abriam as aulas nos dias de festa «que guarda a nossa Relação» e nas quintas-feiras, «como sempre se costumou», quando caíam em semanas que não tinham festas de guarda.


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