Instituições de Cultura (séculos XIV-XVI)

A universidade manuelina tinha a seguinte organização:

a) Um reitor, ao qual a universitas schola rum et magistro rum obedecia «como a cabeça». A eleição dos reitores, que até então haviam saído quase sempre de entre os estudantes, pelos novos estatutos só podia recair «em fidalgo ou homem constituído em dignidade», com mais de vinte e cinco anos. O cargo tinha a duração de um ano, e a eleição realizava-se na véspera de São Martinho, votando apenas os conselheiros e deputados. Aos estudantes foi denegado o direito tradicional de voto, transformando-se assim a Universidade, de estudantil, que fora, num organismo burocrático com tendência cesarista e magistral. Os lentes não podiam ser eleitos reitores ou vice-reitores.

No dia de São Martinho, à hora de terça, perante toda a Universidade no geral das Escolas, era anunciado o novo reitor, o qual jurava «nas mãos do velho reitor», que «bem e fielmente usará do dito ofício e cargo quanto a humana fraqueza sofre e guardará e fará guardar inteiramente o regimento e estatutos da Universidade». Prestado o juramento, os presentes acompanhavam o novo reitor «honradamente para sua casa». O reitorado era gratuito, isto é, não tinha «mantimento algum», recebendo apenas as propinas dos graduandos.

A ação do reitor exercia-se sobre toda a corporação universitária. Em relação aos estudantes cumpria-lhe vigiar pela «honestidade» deles, «em vestidos, trajos, armas e outras cousas que dão torvação a bem estudar», e ordenar que uma vez por ano, no geral do Estudo, «no terceiro dia das outavas do Natal, depois de comer», ouvissem ler pelo bedel os estatutos e ordenanças da Universidade; e       em relação aos mestres e funcionários, vigiar pelos deveres respetivos, curando que as cátedras fossem «bem e diretamente providas e regidas pelos lentes, sobre o qual haverá informação dos conselheiros que ouvem as lições e do bedel, que de seu ofício há de visitar todos os dias as cadeiras e apontar [as faltas de] os lentes». Juntamente com os conselheiros cumpria-lhe ainda declarar a vacatura das cátedras, resolver as controvérsias entre os lentes e estudantes sobre a matéria das lições, e apreciar as faltas dos lentes.

b) Um conselho pedagógico constituído por seis conselheiros, que serviam anualmente e gratuitamente.

A eleição dos conselheiros realizava-se, conjuntamente com a do reitor, na véspera de São Martinho e podia recair em pessoas «de qualquer ciência», salvo em lentes. Prestavam juramento perante o novo reitor, após o juramento deste. Exerciam com o reitor, que tinha voto de desempate, o governo pedagógico da Universidade. Às sessões do conselho não podiam assistir os lentes.

c) Uma junta administrativa, formada por dez deputados, cinco lentes e cinco «pessoas honradas e discretas» da Universidade, eleitos anualmente pelos lentes no «primeiro dia que não lerem depois de São Lucas», isto é, no primeiro dia feriado após a abertura das aulas. A junta de deputados superintendia no governo económico da Universidade, designadamente sobre «as coisas que tocarem a bem da Universidade, assim das rendas como outras coisas de importância que não toquem às lições, reitor e conselheiros». As suas resoluções, nas quais participavam também o reitor e os conselheiros, recaíam em especial sobre os «foros, aforamentos, cartas ou mensagens para Roma ou para el-rei, edifícios e outros gastos grandes». Os deputados prestavam o juramento de procurarem e conservarem o bem e utilidade da Universidade».

d) Um conservador, com o vencimento anual de seis mil reais, que exercia a jurisdição cível e criminal sobre os escolares, pois D. Manuel confirmou os foros académicos tradicionais.

O conservador realizava a audiência nas Escolas, às segundas, quartas e sextas-feiras, sendo punido pelo reitor se faltasse. Quando qualquer destes dias era santificado transferia-se a audiência para o dia seguinte, de sorte que houvesse sempre semanalmente três audiências. Das suas decisões havia apelação para os feitos crimes e agravo para os cíveis. Entre os processos submetidos ao julgamento do conservador avultavam, ao que supomos as pendências sobre arrendamento de casas, pois os senhorios nem sempre se conformavam com os privilégios dos escolares, nem com as determinações dos taxadores das rendas de casas. Pelos estatutos, o ofício de conservador tornou-se inerente à cadeira de Prima de Leis, depois do falecimento do indivíduo que à data o exercia.          

e) Um síndico, lugar inerente nas condições do anterior, ao catedrático de Vésperas de Leis, com o vencimento de três mil reais.    

f)  Um chanceler, cargo inerente ao catedrático de Prima de Leis, que o exerceria gratuitamente. Esta disposição, que não sabemos se chegou a cumprir-se, denuncia claramente o carácter regalista dos estatutos, pois desde a fundação da Universidade as funções de cancelário eram exercidas pela autoridade eclesiástica. Como veremos, D. João III modificou-a, atribuindo, por fim, o cargo aos priores gerais de Santa Cruz de Coimbra.          

g) Um recebedor, com o vencimento de seis mil reais. Cumpria-lhe receber as rendas da Universidade e pagar aos lentes e funcionários «às terças do ano, dentro nas escolas». As despesas ocorrentes deviam ser ordenadas pelo bedel e assinadas pelo reitor, sem o que lhe não seriam validadas as contas, cujo julgamento se fazia anualmente pelo reitor assistido de dois lentes, «depois de Santa Maria de Agosto até Santa Maria de Setembro».

h) Um bedel e escrivão. Tinha aposentadoria na Universidade e o vencimento anual de três mil reais, recebendo ainda cem reais de cada lente pelos «alvarás que faz per que recebem seus salários». Cumpria-lhe apontar diariamente as faltas dos lentes, exarando num livro, no título de cada um, se «tarde veio; pouco leu; ou não leu». As presenças, como ainda hoje praticam os bedéis de Coimbra, registava-as com a palavra «leu».

Quando as faltas fossem continuadas devia notificá-las ao reitor. Cumpria-lhe ainda expedir os mandados do reitor aos conselheiros, deputados, lentes e a toda a corporação universitária, redigir os avisos para os atos, graus e festas, organizar o rol das festas e o da matrícula dos estudantes, e chamar «os escolares para irem enterrar os finados». Aos acompanhamentos fúnebres, procissões e pregações, devia «concorrer toda a Universidade», sem escusa, isto é, «sem contradição alguma». Como escrivão tinha o encargo de redigir a ata de «todas as coisas que pertencerem à dita universidade diante do reitor, conselheiros e deputados em seus ajuntamentos»; fazer por ordem do reitor, o traslado dos privilégios a quem os requeresse; exarar os arrendamentos; dar as quitações; organizar o livro das receitas e despesas; e escrever as cartas de graus e cursos e as epístolas que a Universidade expedisse. Pelos alvarás e cartas de curso recebia de emolumentos um real de prata.             

i) Dois taxadores das causas. Tinham por encargo fixar o preço das rendas das casas alugadas aos estudantes.              

j) Dois escrivães, ajudantes do conservador, sem vencimento.

I) Um sacador do recebedor, com o vencimento de três mil reais.

m) Um inquiridor, sem vencimento.

n) Um solicitador e guarda das escolas, com o vencimento de seis mil reais. Tinha por obrigação chamar os lentes, conselheiros, deputados e demais indivíduos que faziam parte da corporação universitária, abrir e fechar as portas, «e castigar os moços dos estudantes que não torvem [perturbem] os lentes quando lerem».      


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