2. Irradiação do movimento revolucionário

A atitude britânica, as hesitações do gabinete francês e as reservas de Metternich não desanimaram o marquês de Marialva; aconselharam-lhe apenas que delegasse em D. António Saldanha da Gama a renovação das tentativas de intervenção.

Ao instalar-se em Paris, Saldanha da Gama, por conselho do marquês, que o pôs ao corrente das diligências efetuadas, escreveu ao príncipe de Metternich, ao príncipe de Hardenberg e ao conde de Capo d'Istria, que como ministros, respetivamente, da Áustria, da Prússia e da Rússia, se achavam reunidos em Tropau para examinarem a situação política europeia, oferecendo-se-lhes para os esclarecer acerca das revoluções de Espanha, Nápoles e Portugal. Metternich e Capo d'Istria, autorizados pelos seus soberanos, responderam de Tropau, em 16 de Dezembro de 1820, assegurando que as revelações seriam bem acolhidas. D. António Saldanha partiu então para Laybach, onde, a 26 de Janeiro de 1821, a Rússia e a Áustria reataram o exame da situação europeia e dos atos a efetivar para se aniquilarem as revoluções liberais, e mais particularmente a napolitana, concertando, por fim, na convenção de 2 de Fevereiro, pôr à disposição do rei de Nápoles os soldados austríacos.

Saldanha da Gama foi cordialmente recebido em Laybach pelos imperadores da Rússia e da Áustria e pelos seus ministros. Metternich, porém, dissera-lhe apenas coisas vagas e indeterminadas; pelo contrário o imperador da Rússia e Capo d'Istria não dissimularam a opinião de que a intervenção das potências devia ser coletiva para ser eficiente.

Assim é que Capo d'Istria lhe dissera «que a Rússia, logo que principiou a revolução de Espanha, exprimira bem claramente o seu modo de pensar e previra as consequências de um transtorno, tal como naquele país se via; que portanto o seu parecer fora e era a adoção de medidas gerais, e não singulares, para apagar aquele incêndio; que ao princípio não fora atendida esta sua opinião, mas depois que rebentou a revolução de Nápoles, a Áustria começara então a querer usar de meios e medidas aplicadas àquele país; que, sendo interrogada a Rússia sobre elas, respondera o que já tinha proposto, isto é, que as medidas a adotar deviam ser gerais, e que só com esta condição se prestaria a cooperar; que desde então os dois gabinetes reunidos procuraram a cooperação da França e da Inglaterra, potências que hesitavam em tomar francamente um partido, a primeira alegando por obstáculo os receios que lhe infundia o estado interno do seu país, a segunda por lhe parecer impolítico prestar o seu concurso para se lançar abaixo uma constituição, que as nações de que tratava tinham espontaneamente adotado».

Posteriormente, Metternich tomou uma posição praticamente idêntica, «acrescentando-lhe que parecia notável querer a França ficar apática, quando a respeito da Espanha lhe parecia dever ela ter um procedimento igual ao que a Áustria se propunha ter com relação à Itália, pois que o negócio de Nápoles se devia reputar concluído, por se ter assentado que as tropas austríacas passassem o Pó, a fim de deitarem abaixo uma constituição incompatível com a existência da monarquia» (Luz Soriano, ob. cit., 3.a época, t. I, p. 556).

As potências não acordavam, pois, numa política uniforme de conjunto; enquanto a Rússia insistia pela ação coletiva, a Inglaterra e a França, aliás com razões diversas, contrariavam-na, assim como se opunham a serem isoladamente as executoras do mandato coletivo, como a Áustria, pelo seu interesse nacional, se propunha ser em relação a Nápoles.

Por isso, Saldanha da Gama, insistindo sempre na necessidade do recurso à intervenção, diplomática e militar, passou a orientar as diligências no sentido de Londres; porém o plenipotenciário britânico em Laybach, Lord Stewart, «demonstrou-lhe, numa conferência, a impossibilidade em que as potências, por aquele tempo, se encontravam de se ocuparem diretamente dos negócios da Península, pelo menos enquanto a França se abstivesse de neles intervir.

«Isto que era exato com respeito à Espanha, muito mais o era com relação a Portugal. Mais lhe disse que, com referência a este país, a Grã-Bretanha por certo não tomaria resolução alguma, enquanto não recebesse respostas oficiais às proposições que o seu ministro tivera ordem de apresentar à Corte do Rio de Janeiro, a qual declarara na primeira conferência a resolução que Sua Majestade Fidelíssima tinha tomado de mandar um dos seus augustos filhos a Portugal.

«Em vista disto, era sua opinião que António de Saldanha se retirasse para Inglaterra e de lá aguardasse o seguimento dos negócios públicos, certo de que seria cabalmente informado de tudo quanto convinha fazer a bem da sua pátria.

«Escusado será dizer que D. António de Saldanha persistiu em não sair de Laybach e em considerar válidos os poderes vagos que lhe tinham sido conferidos em circunstâncias bem diferentes. Porém, como o príncipe de Metternich, que dominava o congresso de toda a altura do seu grande talento, premeditasse contrariar o engrandecimento quer da Rússia, quer da França, e para isso lhe conviesse antes catequizar as boas graças da Inglaterra do que indispô-la mais e mais, resolveu acompanhá-la na sua política expectante em relação a Portugal, chegando a declarar-se, numa conferência tida em Viena com o nosso ministro ali, contrário ao emprego de meios coercitivos na Península. Depois disto, D. António de Saldanha, perdida toda a esperança de um auxílio efetivo e imediato, retirou-se para Paris, onde conveio com o seu colega, marquês de Marialva, em que só podiam contar com os meios nacionais de repressão.» (A. Viana, A Revolução de 1820 e o Congresso de Verona, pp. 90-92).

Os diplomatas portugueses não lograram a oprobriosa intervenção e o seu zelo monárquico, mais veemente que o do próprio monarca, foi repudiado por D. João VI, que lhes oficiou para que «fizessem constar em toda a parte, onde preciso fosse, que tendo-se resolvido a prestar o mais livre, voluntário e           augusto juramento de cumprir e fazer cumprir a Constituição em que acordassem as Cortes gerais da monarquia... e que, bem longe de anuir à anunciada aliança contra as três nações em geral [espanhola, napolitana e portuguesa], e particularmente contra a portuguesa, Sua Majestade considerará como um ato da mais revoltante agressão contra a independência da sua real coroa todo e qualquer passo, convenção ou ajuste, por onde soberanos estrangeiros se possam lembrar de assumir a autoridade de intervirem, por algum modo, qualquer que esse possa ser, nos objetos que fazem hoje o assunto das Cortes gerais do reino».

Tal foi a comunicação que Silvestre Pinheiro Ferreira dirigiu ao Soberano Congresso em data de 3 de Abril de 1821; como é óbvio suscitou aplausos e dissipou os receios de que D. João VI regressasse a Portugal com a intenção de derrubar as instituições nascentes.

O Soberano Congresso já se havia ocupado anteriormente do assunto, nomeando em 12 de Fevereiro uma comissão para averiguar a conduta dos diplomatas, cujo parecer fora lido em sessão de 24 de Maio. A discussão, porém, protelara-se por várias sessões, até que em 14 de Junho, após a leitura do ofício de Silvestre Pinheiro Ferreira, acima transcrito parcialmente, o Congresso decidiu:


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