3. A obra legislativa das cortes

A proposta foi votada e nomeada a comissão para a redigir, a qual suspendeu os seus trabalhos por constar que D. João VI havia dirigido uma proclamação aos portugueses.

Suspensa a sessão às 11 horas da manhã, recomeçou às 4 da tarde num ambiente de esperança. A deputação que fora levar ao palácio da Bemposta, para sanção, o decreto votado pelas Cortes, segundo o qual as deserções das tropas contrarrevolucionárias eram classificadas como deserções em tempo de guerra, fora aclamada pelo povo e pela tropa de infantaria 18, que estava de guarda ao palácio, e ouvira do monarca as promessas categóricas de sancionar o decreto e manter fidelidade à Constituição. Demais, a esta hora, o Diário do Governo publicava uma proclamação de D. João VI, na qual verberava o procedimento do infante D. Miguel, que abandonara «como pai» e saberia «puni-lo como rei». «Fiel ao meu juramento, fiel à religião de nossos pais, eu saberei manter aquela Constituição, que mui livremente aceitei. Quem vos atrai ao perjúrio, deseja lançar-vos ferros. Confiai nas Cortes, descansai sobre o meu governo, obedecei à lei; só assim fareis a minha e vossa felicidade».

Horas depois desta solene proclamação, ao sol-posto do mesmo dia 30, a instâncias do marquês de Loulé, D. João VI, acompanhado do regimento de infantaria 18, o único regimento da capital que até então se mantivera fiel à Constituição, partia para Vila Franca, «escoltado por imensa multidão, que enchia o ar de vivas e aclamações. Todos então quiseram ser dos vencedores, e quem teve um sendeiro e uma espada ferrugenta não ficou em Lisboa» (J. de Lasteyrie, Portugal depois da revolução de 1820, p. 26).

Quando as Cortes reabriram no dia 31 tiveram conhecimento oficial dos acontecimentos da véspera por comunicação do ministro da Justiça, o qual declarara que o governo limitaria todos os seus cuidados à manutenção da segurança pública. Era uma forma airosa de confessar a derrota, e de convidar as Cortes a darem por finda a sua missão.

Os deputados da maioria, porém, não o entenderam assim, e discutiram largamente se, sem se dissolverem, deviam suspender as sessões até que a presidência as convocasse, quando julgasse «conveniente em atenção aos acontecimentos ulteriores» (proposta de Ferreira de Moura), ou se, no caso dos habitantes de Lisboa «estarem dispostos a defender a Constituição, os deputados, firmes em suas cadeiras, deviam esperar os derradeiros resultados, aliás cumpria trasladar as Cortes para outro local» (proposta de Simões Margiochi).

A ideia da transferência das Cortes para fora da capital teve poucos defensores, e quando se ultimou a discussão a maioria pronunciou-se no sentido da continuação dos trabalhos, reunindo-se as Cortes a qualquer hora que o governo as convocasse.

A Câmara de Lisboa tranquilizava os habitantes de Lisboa, garantindo-lhes o sossego da capital, e ao mesmo tempo rogava a D. João VI «que voltasse aos braços dos honrados cidadãos de Lisboa»; o comandante em chefe, Jorge de Avilez, congratulava-se com os soldados da segunda linha e com a guarda nacional por terem evitado «que esta grande cidade fosse o teatro da anarquia», a cujos habitantes assegurava, noutra proclamação, que manteria a todo o custo a tranquilidade pública. Da Constituição já não se falava; a saída do rei para Vila Franca vibrara-lhe o golpe derradeiro, o qual se tornou público no dia 2 de Junho quando no Diário do Governo publicou uma proclamação na qual afirmava a necessidade de introduzir reformas na Constituição, e o seu propósito de o fazer.

O notável documento, que prometia nova era política, atribuído, segundo então se disse, à pena de Rodrigo Pinto Pizarro, tinha a autorizá-lo o assentimento do mais notável estadista liberal, Mouzinho da Silveira, ministro da Fazenda do último ministério constitucional, que durou apenas três dias, e do primeiro ministério realista, constituído no 1º de Junho com Pamplona (Guerra), Gomes de Oliveira (Reino), Martinho Falcão (Marinha) e Palmela (Estrangeiros).

As Cortes, porém, convictas do seu papel histórico, confundindo galhardamente o que julgavam ser o seu dever público com o brio pessoal, reuniram-se no dia 2 de Junho, para proclamarem, como disse Ferreira de Moura, que tudo estava perdido, «excepto a honra da Nação e a honra dos seus representantes». «Todo o ponto está em vermos como se há-de correr o pano sobre esta cena», acrescentava, e só via duas maneiras: resistir, ou ceder. Resistir, era «inútil e contrário ao bem da Pátria»; ceder e protestar, era o seu voto, «ceder é a extremidade a que a força reduz, e a ninguém avilta. A honra também capitula dentro de uma praça; mas o protesto, de que não há direito, antes há violência no poder que ataca, deve ficar para um capítulo da história, e que honroso capítulo! Assinemos, pois, na ata esse protesto e declaremos que não nos dissolvemos, antes nos consideramos juntos, ao menos prontos para nos reunirmos quando assim pareça à deputação permanente...». A proposta foi votada, assim como os louvores ao general em chefe Avilez, à Câmara municipal, aos corpos do comércio, atiradores, artilheiros, milícias, guardas nacionais e povo de Lisboa, por haverem assegurado a ordem nas ruas e se terem «mantido fiéis e honrados até à última extremidade», como propusera Serpa Machado.

Entretanto, a comissão encarregada de redigir o documento, constituída por Frei Francisco de São Luís, Anes de Carvalho e Borges Carneiro, preparou uma declaração e protesto, cuja votação foi a derradeira das Cortes; subscreveram-na 61 deputados, dos 211 que haviam sido eleitos como efetivos e substitutos.


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