3. Correntes ideológicas. Henriques Nogueira. Socialismo, federalismo e unitarismo

c) Venda, em lotes mínimos, e facilitado o pagamento ao trabalhador, das propriedades nacionais, e daquelas que vierem a sê-lo pelo abandono ou incultos;

d) Imposição adicional à quota-parte da renda propriedade pública, progressiva no sentido da área apropriada.

II. Proletariado industrial.

Emancipação, divisão e associação do trabalho:

a) Constituição dos sindicatos mistos, tribunais compostos de patrões e operários com presidência da magistratura civil para resolverem as questões de salário;

b) Proteção, análoga à que se costuma dar a certas empresas, isenções de direitos, etc., concedida às sociedades de produção e consumo;

c) Organização de museus e ensino profissional;

d) Organização de exposições-mercados permanentes;

e) Proibição do trabalho da mulher fora do domicílio; e de crianças antes da idade legal.

O pensamento de Oliveira Martins distava do marxismo e do coletivismo. No fundo, tendia, como o de Proudhon, para a fusão da burguesia e do proletariado numa nova classe média. Crítico do liberalismo económico, que fora um artigo de fé nos liberais cartistas, não separou absolutamente a revolução económica da revolução política, afirmando que «o primeiro capítulo da reorganização financeira da nação portuguesa consiste na liquidação da monarquia. O estado a que o constitucionalismo levou a fazenda pública é a falência: liquidar é, pois, o processo indispensável, cujo exemplo nos dá principalmente o direito comercial. Essa liquidação pode ser, e oxalá que seja, uma concordata entre os credores e o tesouro; mas, se a concordata provar impossível, haverá que discutir preferências, e proceder ao pro rata. Escolham pois os credores, beneficiados da dívida e das secretarias, do paço, dos quartéis e das sacristias; escolham, depois de refletir bem, e de olhar para os exemplos que as revoluções da história lhes dão» (Portugal e o Socialismo).

Em 1870, na República, aspirava acima de tudo à «vida na liberdade. É essa que invocamos», escrevia, num artigo, sem assinatura, «nós os republicanos, os continuadores dos jacobinos de 1820, dos desprezados de D. Pedro IV, dos patuleias de 36, continuadores e representantes do espírito da liberdade na moderna história na nossa terra»; porém, dois anos depois, o acento específico da revolução que visionava, ao contrário de Henriques Nogueira e das correntes republicanas do tempo, recaía já sobre o económico e o social. Com Antero, pugnou então pela independência da ação socialista, desejando-a inteiramente à margem do republicanismo, de estrutura burguesa e de horizonte limitado. É assim que, no periódico O Pensamento Social (1872), alude por vezes à luta de classes, embora sem a feição de tática revolucionária e sem intuitos de extermínio, e se torna defensor da autonomia da ação socialista, pela formação de sociedades de resistência dos vários ofícios, de sociedades cooperativas de consumo, e de sociedades de crédito mútuo, por forma que, pelas primeiras, o trabalho resistisse ao capital, pelas segundas, desaparecesse a exploração mercantil, eliminando o intermediário, e pelas últimas, se universalizasse o crédito e se suprimisse a renda.

Socialistas e republicanos da esquerda coincidiam no mesmo repúdio da monarquia, e na quase idêntica organização federal da República; porém separava-os, além das rivalidades pessoais e clubistas, o valor diverso que atribuíam à questão social. Os socialistas consideravam primacial a revolução económica; os republicanos, pelo contrário, propugnavam a revolução política. Daí a divisão e as mútuas recriminações, chegando Teófilo Braga a escrever que «as emoções socialistas atrasaram a reorganização política deste país; estudando as bases positivas do Socialismo, chegámos à conclusão de que aí se refugiaram os metafísicos revolucionários que embaraçaram a sua solução considerando a República como uma forma política dos conservadores burgueses» (História das Ideias Republicanas, p. 315). Tão metafísico, afinal, era Teófilo Braga, como Antero e Oliveira Martins, e de ambos distava no conhecimento da literatura socialista. Ligara-os na juventude, sobretudo com Antero, o mesmo entusiasmo por Michelet, e a quase idêntica visão da humanidade; porém desunira-os mais tarde o contraste dos caracteres, a conceção diversa da vida e do patriotismo. Enquanto Martins se fazia arauto da hispanofilia, que por 1870 foi moda literária (recorde-se apenas as Peninsulares, de Simões Dias), e Antero, sob a ideia confusa da distinção entre a pátria, «facto da consciência humana» e a nacionalidade, «facto do mundo político, como ele transitório e alterável», escrevia (1868) a enormidade insensata de que perante a revolução espanhola «o único ato possível e lógico de verdadeiro patriotismo consiste em renegar a nacionalidade», como imperativo da política ibérica, Teófilo, patriota ardido, edificava esse gigantesco monumento de trabalho e de nacionalismo que é a História da Literatura Portuguesa, cujo primeiro volume apareceu em 1870.

A posição de Teófilo foi, assim, exclusivamente política, vendo a questão social pelo mesmo ângulo por que a vira Henriques Nogueira: «Acima das questões do salário, e das horas do trabalho, e do domínio dos instrumentos de transformação, está o problema do Individualismo, que tem de fazer-se reconhecer e modificar assim a organização do Estado; é esta a compensação positiva da justa exigência do proletariado, e por isso o termo de Socialismo é exageradamente amplo para designar os conflitos da esfera industrial como querem os alucinadores societários, que o desacreditaram aplicando-o às suas hipóteses metafísicas. O nome científico do problema, como ele está posto, seria o Associacionismo».

A modernidade da propaganda socialista não quebrantou as aspirações republicanas, nem conseguiu abalar o ideal burguês do pequeno proprietário. O regime de pequena indústria e a correlativa escassez de um proletariado fabril entorpeciam-lhe a expansão; e por outro lado, o insucesso das primeiras greves trouxe consigo uma espécie de descrédito da ideologia socialista, que as havia inspirado. A campanha socialista não foi, porém, inteiramente estéril. A vivacidade com que se afirmou, conduziu o republicanismo, sobretudo a corrente federalista, a integrar no seu programa de reivindicações políticas aspirações de reformismo social. O socialismo perdeu em autonomia ideológica e de ação o que o republicanismo conquistou em poder expansivo junto do proletariado, e a mensagem de Henriques Nogueira recobra então, sobretudo a partir de 1873, um sentido de atualidade. Viviam ainda alguns sobreviventes da geração de 1848, guardando com vária fidelidade o entusiasmo romântico pela República. Era um núcleo prestigioso, mas reduzido; e a sua voz continuaria inaudita se se lhe não viessem juntar os clamores contra «a camarilha», excitados periodicamente pela Lanterna, e os anelos da juventude, que viu no advento da República em França (1870) e na Espanha (1873) e na queda do poder temporal dos Papas (1870), o signo irresistível dos tempos novos.

Teoricamente, avançados e conservadores coincidiam em admitir a excelência do regime republicano sobre o monárquico; praticamente, porém, divergiam na oportunidade e no juízo diverso sobre a preparação política do povo português. A ideia de evolução e de progresso não teve então opositores; e se observarmos a sensibilidade republicana desta década, confrontando-a com a de 1848, notaremos que ela se alicerça, além da ideia progressista e da sedução da figura romanticamente idealizada do revolucionário, numa nova conceção da história pátria e no sentimento da dignidade pessoal. O romantismo, pouco a pouco, cedia o lugar à razão, e se nesta transferência se não pode esquecer a sugestão da França, à qual o espírito português novecentista foi excessivamente dócil, e a lição da Espanha, que incitou os ânimos, um nome avulta, entretanto, pela infatigável tenacidade e fundamentação histórico-sociológica do seu doutrinarismo. Esse nome é o de Teófilo Braga.


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