3. Correntes ideológicas. Henriques Nogueira. Socialismo, federalismo e unitarismo

A Suíça fascinava estes homens, que viam na República unitária um regime «funesto, perigoso e antidemocrático». «Nenhuma República unitária tem subsistido até hoje, senão periodicamente e pelo terror, terminando sempre pela ditadura», dizia Carrilho Videira, e este juízo mostra-nos que o republicanismo federalista, defendendo a autonomia regional e a descentralização, prosseguia o ideal da democracia direta.              

Descendo da teoria geral à aplicação concreta, os federais chegaram a elaborar em 1874 as Bases de um projeto de constituição municipal, que deve ser discutido, votado e submetido à sanção do povo e promulgado em todos os municípios republicanos federais de Portugal, ao implantar-se entre nós a República (Almanaque Democrático para 1875), pois, coma escrevia em 1874 Carrilho Videira, batalhador incansável e porta-voz das ideias do grupo, «nenhum país como Portugal está nos casos de constituir uma federação. Temos um vasto litoral, magníficas colónias e um solo fertilíssimo. Podíamos facilmente constituir no continente quatro Estados: o do Norte, tendo por capital o Porto, o do Centro, Coimbra, o do Sul, Lisboa, e o do Algarve, Faro. Cada Estado dividir-se-ia em cantões ou distritos, e estes em municípios ou comunas, como tivemos no princípio da monarquia. Estas organizações deviam ser feitas só a contento do povo, pelo sufrágio, e não a capricho dos ministros» (Almanaque Democrático para 1878).

No início, por 1873, o republicanismo federal não foi meramente político. Surgira como grupo destacado do socialismo, e pelas suas tendências de reformismo social o apelativo que melhor exprime os seus objetivos até 1876 é o de partido federal radical-socialista, designação empregue por Carrilho Videira em 1886. A trilogia da grande Revolução — Liberdade, Igualdade e Fraternidade — já não resumia as suas aspirações, porque vindicavam a Solidariedade, e em 1874, no jornal República (n.º 2), afirmavam que, em política, defendiam o federalismo tal como existe na Suíça e nos Estados--Unidos, em religião, a completa separação da igreja do Estado e da Escola, e em matéria social, «a maior e verdadeiramente culminante questão da atualidade», o socialismo, «por isso que acreditamos que a evolução do século XIX é a emancipação completa do quarto estado». Esta ideologia, teve então uma hora de popularidade nalguns centros de Lisboa, tanto mais que lhe não faltara a incitação gloriosa de Vítor Hugo, de Alfredo Naquet e de Garibaldi, que em 1874 e 1875 dirigiram entusiásticas epístolas aos seus correligionários da República.

Os dirigentes do partido socialista combateram-na, porém, e logicamente, por coerência doutrinal e conveniência da ação, de sorte que a evolução do republicanismo federal se foi realizando cada vez mais no sentido político, com abandono das reivindicações de carácter económico. E compreende-se. A restauração da monarquia espanhola, nos fins de 1874, fez infletir a opinião para a via moderada, e por outro lado a vitória eleitoral dos republicanos franceses em 1876, celebrada em Portugal com entusiasmo, despertou na consciência democrática o desejo de união de todos os grupos dissidentes em torno da bandeira da República. Deste ano data o enfraquecimento do federalismo como força organizada, e ao mesmo tempo o desvio da sua ideologia para o campo puramente político. Teófilo Braga é então o teórico desta segunda fase, cuja singularidade reside acima de tudo na defesa do mandato imperativo, como afirmação suprema da democracia direta e da fidedignidade da representação nacional. Teófilo defendeu em comícios esta ideia, que ele considerava «a realização científica dessa vaga aspiração manifestada por Herculano sob a forma de deputados locais», e condensou num manifesto dirigido em 1878 aos eleitores do círculo 94 (Alfama) o seu programa, que pode considerar-se o programa do neo-federalismo:

1º) Liberdade de consciência: no exercício do livre exame, pela extinção do juramento religioso em qualquer ato civil.

2º) Liberdade de ensino: pela independência da ciência da ortodoxia, pela extinção das diferenças dos diplomas de todo e qualquer país, não fazendo do exame um fim último; pela admissão do sistema dos «Privat-docenten» da Alemanha, e pelo subsídio concedido a requerimento fundamentado para estudar no estrangeiro as disciplinas necessárias e não estudadas no país.

3º) Liberdade de imprensa: não fazendo dos seus crimes uma classe particular, e fazendo a habilitação editorial tão fácil que seja uma simples declaração, que se guardará como termo de responsabilidade junto do ministério público. Todo o trabalho literário isento de qualquer imposto.

4º) Liberdade de cultos: o Estado não subsidia religiões, que devem ser pagas e mantidas pelos seus crentes. É uma condição sem a qual a sociedade civil não pode afirmar a sua independência.

5º) Liberdade de reunião: sem licença ou aviso prévio à autoridade, porque a ordem é quase sempre perturbada pela força armada. É pelo exercício da reunião, que os cidadãos saberão converter os seus sentimentos em opiniões.

6º) Direito de associação: sem ser necessária a aprovação prévia do governo, mas havendo simplesmente a publicidade dos estatutos e das atas.

7º) Direito de representação: garantida pelo mandato imperativo.

8º) Liberdade de eleição: exigência do sufrágio universal no campo político; e o princípio eletivo para as funções administrativas.

9º) Direito de propriedade: livre transmissão, à maneira dos objetos mobiliários, e portanto, extinção dos foros, laudémios, censos, enfiteuses, sisas e outros mil abusos que escravizam a propriedade e embaraçam o progresso humano

10º) Liberdade de indústria: o Estado não deve concorrer com as indústrias particulares quando as agrava pelos impostos; regulamentação do trabalho das mulheres e crianças.

11º) Liberdade de tráfico: extinção completa de monopólios e limitações de privilégios.

12º) Liberdade de contrato: simplificação das fórmulas judiciais, quando as partes o declarem; o tabelionato reduzido a uma magistratura subsidiada.

Tal é o campo de ação e o espírito do trabalho do nosso representante no parlamento. Em especial exigimos:

1º) Independência absoluta dos partidos monárquicos; voto fundamentado.

2º) Discussão das medidas legislativas segundo o critério republicano.

3º) Apresentação de projetos de lei subordinados a um exame prévio de uma comissão permanente constituída para esse fim pelos eleitores, tais como: que os impostos sejam exclusivamente diretos; que os impostos municipais sejam modificados segundo as necessidades das classes proletárias, etc.

4º) Uma conta retrospetiva no fim de cada época da legislatura.

São estas as condições com que investiremos o candidato Dr. Joaquim Teófilo Braga com o mandato político de representar este círculo no parlamento português, e que ele aceita assinando ao nosso lado.

Lisboa, 10 de Junho de 1878.

 

Este programa, adotado pelo Centro Republicano Federal, fundado em Lisboa nos fins de 1878 «com parte dos elementos reunidos para a luta eleitoral do círculo 94» (Teófilo Braga, História das Ideias Republicanas, p. 329), foi o canto do cisne do federalismo. Tinham-no diminuído a agitação clubista, as irredutibilidades e campanhas pessoais, assim como o havia enfraquecido o desvio para o campo das meras reivindicações políticas, apesar de o socialismo ter decaído na conquista de pequeninas reformas e os melhoramentos por favor. A opinião republicana sentia-se cansada das lutas pessoais, jornalísticas e dos Centros. O desejo de concórdia era geral. A voz que então se ergueu e conseguiu dominar pelo bom senso, que não pela intransigência, pela influência pessoal e eleitoral, e pela ressonância da sua ação no Município de Lisboa, foi a de Elias Garcia, e com o seu triunfo triunfava ao mesmo tempo o republicanismo unitário. Os federais falavam da sua força no passado e apontavam ainda Teófilo e Teixeira Bastos; porém em torno de Elias Garcia e do programa que o seu jornal — Democracia—, diariamente estampava em súmula, se foram pouco a pouco agrupando os intelectuais como Latino Coelho, Rodrigues de Freitas, Teixeira de Queirós, Manuel de Arriaga, Magalhães Lima, etc., e a massa do republicanismo burguês. A hora do radicalismo político-social tinha passado. Para a República francesa, unitária e conservadora, se volveram de novo os olhares, e perante o rotativismo dos grandes partidos monárquicos, coincidentes nos princípios que a Carta consignara, o republicanismo arvorou a bandeira das reformas políticas, que progressistas e regeneradores não podiam realizar. Daí o triunfo do programa unitário, cujo texto é o seguinte:


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