3. Correntes ideológicas. Henriques Nogueira. Socialismo, federalismo e unitarismo

 

PROGRAMA DO PARTIDO REPUBLICANO UNITÁRIO

I. A escola democrática, considerando a soberania nacional como origem de todos os poderes do Estado, assenta como princípios fundamentais:

1.°) A igualdade civil e política;

2.°) A liberdade em todas as suas manifestações;

 3.°) O governo do povo pelo povo;

4.°) A justiça democrática.

II. Do princípio da igualdade derivam:

I. A abolição de todos os privilégios pessoais;

II. A negação de todas as assembleias legislativas fundadas no direito hereditário, ou na inamovibilidade das funções;

III. O direito universal de sufrágio, e o de representação das minorias;

IV. A repartição equitativa dos encargos públicos, de modo que o imposto não obste à criação da riqueza, não castigue o esforço produtivo, nem por forma alguma cerceie o estrito necessário à vida e à subsistência dos cidadãos;

V. A abolição do recrutamento; a igualdade no tributo pessoal do serviço militar; a defesa da pátria imposta como dever a todos os cidadãos; a organização da força pública de modo que o exército reduzido, em tempo de paz, às proporções de escola e quadro, seja auxiliado pela milícia nacional;

VI. A organização das relações entre a metrópole e as províncias ultramarinas, aplicando a estas o princípio de descentralização, a fim de lhes dar vida própria, para que o seu esforço e recursos tenham o natural desenvolvimento.

Do princípio da liberdade derivam:

I. A liberdade de consciência, e como suas condições essenciais:

a) A igualdade de direitos civis e políticos para os cidadãos de todos os cultos;

b) O casamento civil;

c) O registo civil;

d) A abolição do juramento político;

II. A liberdade do pensamento nas suas manifestações, e especialmente o discurso, a imprensa, e o ensino; abolição de todas as cauções prévias, responsabilidade pelo exercício daqueles direitos, assegurada pela sanção penal; julgamento de todos os abusos de liberdades de imprensa pelo júri;

III. A liberdade de trânsito, abolição de passaportes e salvo-condutos;

IV. Liberdade pessoal; a inviolabilidade do asilo doméstico, a abolição da prisão prévia, excepto nos casos de assassínio; todas estas liberdades asseguradas por leis que evitem os abusos, e os vexames, que no regime atual padecem os cidadãos pelos excessos da autoridade;

V. A liberdade de associação para todos os fins, políticos, económicos, literários, artísticos e filantrópicos, limitada apenas pela condição de não ferir os direitos alheios, coletivos ou individuais;

VI. A liberdade de reunião dos cidadãos sem prévia licença;

VII. A liberdade ilimitada de representação individual, ou coletiva, tanto de cidadãos associados para este fim, como de corporações civis;

VIII. A liberdade do trabalho e da indústria, garantidas todas as combinações individuais ou coletivas necessárias para o seu exercício, tendo este apenas os limites impostos pela moral, pela segurança e pela salubridade pública;

IX. A liberdade de troca assegurada por uma legislação liberal em assuntos económicos; abolição dos direitos de consumo cobrados pelo Estado.

IV. Do princípio do governo do povo derivam:

I. O poder legislativo criado exclusivamente pelo sufrágio popular;

II. O poder executivo considerado como delegação do legislativo, e exercido sempre sob a vigilância das cortes;

III. A descentralização administrativa, a qual importa:

a) O estabelecimento do governo local por meio da administração municipal e distrital, de modo que seja autonómico e independente na gerência dos seus interesses, dentro dos limites compatíveis com os da nação, o grupo de famílias que constitui o município, e o grupo de municípios que formam o distrito;

b) A delimitação racional da unidade administrativa;

c) O poder executivo dos municípios, considerado como delegação destes, e escolhido pela câmara municipal;

IV. A existência dum poder central, que mantenha a tranquilidade, a liberdade e as leis no interior do país, o proteja contra agressões externas, o represente nas demais nações, superintenda e dirija os negócios gerais do Estado; exercendo assim a única e legítima centralização, que o partido democrático pode reconhecer e aceitar;

V. A educação popular obrigatória, a fim de que ninguém ignore as obrigações que lhe incumbem, e os direitos, que lhe assistem como cidadão; o derramamento da instrução especial e profissional por modo que todos possam concorrer para o bem-estar da comunidade;

VI. A taxação do povo pelo povo;

VII. Economia severa nas despesas públicas; supressão de todas as funções de que não resulte utilidade; simplificação e retribuição proporcional dos serviços; representação diplomática do país somente nas cortes estrangeiras em que for indispensável, havendo nas demais agentes consulares;

VIII. O direito de resistência contra todos os atos da autoridade ofensiva das leis.

 V. Do princípio da justiça democrática derivam:

I. Uma organização judiciária que assegure a todos os cidadãos a justiça, que se lhes deve, sem acessão da sua riqueza ou influência social;

II. A garantia de todos os direitos legítimos;

III. A administração da justiça retribuída pelo Estado, convertendo em receita deste os emolumentos;

IV. A formação dos tribunais de jurados por eleição;

V. O julgamento exercido por três juízes pelo menos;

VI. A reforma da legislação, ampliando a competência dos tribunais arbitrais em todas as questões civis, e dando força e sentença às suas decisões; harmonizando o código penal, e o de processo, com a filosofia do direito, e com o modo de ser da sociedade portuguesa.

Com este programa se conclui o processo de elaboração da ideologia republicana, no período que delimita o nosso trabalho. Posteriormente, o seu texto sofrerá modificações e a crítica de dissidentes e insatisfeitos; porém, devemos considerá-lo, em 1880, como a síntese das aspirações republicanas, que reuniu maior número de adesões.

O centenário de Camões, celebrado entusiasticamente pelo país inteiro em 10 de Junho de 1880, fora simultaneamente uma manifestação patriótica e democrática, tanto mais que, como escreve Teófilo Braga, «os poderes públicos, ministério e realeza, se declararam contra essa homenagem da nação por a julgarem ruidosa de mais e imodesta, fazendo propalar nas províncias que esse tributo a um homem morto há trezentos anos era um pretexto para encobrir uma revolta, para a qual já se achavam em Lisboa duzentos cantonalistas espanhóis, estando de prevenção os regimentos da capital em armas» (História das Ideias Republicanas, p. 358). O memorável sucesso foi o prelúdio, da reconciliação republicana, sagrada pouco depois, em 14 de Julho, num banquete. Harmonizados os homens e estabelecida a convergência doutrinal das suas ideologias, inicia-se então a conquista progressiva e definitiva da inteligência e da sensibilidade nacional para o republicanismo. Os interesses consolidados durarão ainda, porém é a atualidade viva das ideias e dos sentimentos que ressoa já nas palavras do deputado republicano Rodrigues de Freitas, ao afirmar na Câmara dos Deputados, em 28 de Janeiro de 1881, que «as nossas instituições não correspondem ao grau de instrução e de inteligência do nosso país».


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Vamos corrigir esse problema