Este idealismo humanitário e cosmopolita, cujo termo seria a federação universal sob a República universal, no que se distingue da conceção teocrática da Respublica christiana, conduziu-o coerentemente a examinar o problema no ponto de vista português e a dar-lhe a resposta adequada. A resposta foi a federação dos povos peninsulares. Teoricamente, a federação está para os povos como a associação para os indivíduos. A força, a riqueza e o bem-estar são suas consequências necessárias. Descenda, porém, da teoria à realidade portuguesa, «sendo a liberdade o natural fundamento da paz e não podendo um povo pequeno, como o nosso, ser livre ou independente no meio doutros maiores que o oprimem, evidente fica a necessidade de nos unirmos com alguém para adquirir a força sem a qual o nosso direito não é respeitado. Em relação a nós a união só é praticável com os povos de Espanha, nossos vizinhos e irmãos, que nela levam um igual interesse. O modo de operar esta união, aconselham a prudência e a história que seja a forma federativa».
Segundo Henriques Nogueira, a condição preliminar da federação exigia o desmembramento da unidade espanhola nos seguintes estados: Galiza, Astúrias, Biscaia, Navarra, Catalunha, Aragão, Valência, Múrcia, Granada, Andaluzia, Estremadura, Castela-a-Nova, Castela-a-Velha e Leão. «Já se vê, portanto», escrevia, «que adotamos como ponto de partida para a organização federal a divisão histórica e provincial dos diversos povos, que ao merecimento de ser consagrada pela idade e pelas tradições ajunta o de aproximar em força os elementos associados». Este «movimento de regeneração», que «provavelmente» teriam de seguir outros povos, como os italianos, alemães, eslavos e magiares, tinha um sentido absolutamente oposto ao da união ibérica, que precisamente por estes anos, depois da tradução da Ibéria, memória escrita em língua espanhola por filo-português [Don Sinibaldo de Más] e traduzida em português por um filo-ibérico [Latino Coelho], Lisboa, 1852, comovia a opinião pública, apaziguada dez anos depois com as estrofes românticas do D. Jaime, de Tomás Ribeiro, e com os manifestos da sociedade Histórica da Restauração. Não nos cumpre esclarecer se a memória «teve seu nobre berço em um palácio episcopal português», o do bispo de Macau, D. Jerónimo José da Mata, nem se a ideia de união era «de origem talvez mais religiosa que política», ou pelo contrário se inspirava apenas nos «interesses materiais» dos dois Estados peninsulares Interessa sim acentuar que a ideia de união ou fusão se opunha à da federação, quer pela origem, quer pela essência, quer pela finalidade. A união era um projeto espanhol, mal dissimulando os factos, que Sinibaldo de Más invoca, a ambição de um novo império. A federação, pelo contrário, nascera em Portugal, como réplica ao iberismo e como consequência de uma conceção filosófica da humanidade e da história dos povos peninsulares. «O povo português é o primeiro a aventar esta grande liga disposta pela natureza e reclamada pela política», escreve H. Nogueira, e com razão, porque a esta data não tinham ainda sido escritos os livros de Proudhon (La Fédération et l'Unité en Italie [1862] e Du Principe Fédératif [1863]) e de Pi y Margall (Las Nacionalidades [1876]). Para além da coerência lógica e da conceção pluralista da soberania, é possível que a Constituição suíça de 1848 tivesse robustecido no espírito de Nogueira a ideia federal; seja, porém, qual for a origem, a federação, na sua essência, supunha a existência de estados soberanos e distintos, cujos governos se movessem dentro das cláusulas de um pato internacional.
Portugal não abdicava da sua soberania; autolimitava-a por um pacto, em benefício da paz e da prosperidade comum. No prefácio à tradução da Ibéria, Latino Coelho confessara-se iberista, porém o seu iberismo não procedia de ambições imperialistas. Tinha então 27 anos, arrebatando-lhe a imaginação o ideal da República europeia. Num rumo de pensamento oposto ao de H. Nogueira, era «na diminuição progressiva do número dos Estados independentes» que encontrava a via da paz universal. O ideal de Nogueira tendia para os Estados-Unidos da Europa; o de Latino, pelo contrário, para a formação de um só Estado e de uma só soberania. Por isso, enquanto Nogueira reclamava o desmembramento da Espanha, Latino visionava a unificação, de tal forma que «a península ibérica, que já formou uma só nação pela conquista, poderá, deverá ser um só país pela fusão espontânea».
Como devaneio da juventude se deve considerar o voto de Latino; o de Nogueira, pelo contrário, apelando para o patriotismo pacífico de «povos que prezam a sua independência» persistiu durante umas décadas como ideal da organização internacional. No fundo do pensamento político de Nogueira vibra a ideia de solidariedade — palavra que, pela primeira vez escrita por Leroux, seu contemporâneo, velozmente fez o giro de todas as línguas europeias. O isolamento dos indivíduos, como das classes ou dos povos, era o grande inimigo que devia desterrar-se da face da terra, pois «é necessário que a felicidade de cada povo se faça derivar de todos os outros povos, que em cada povo a felicidade de cada classe de cidadãos se faça derivar a de todas as outras classes. Sem isto a felicidade nunca será completa, nem duradoira».
O seu ideal, em rigor, tendia para a regeneração da humanidade. por isso ele foi o primeiro português que descobriu a questão social e ousou afirmar o direito, até então inaudito, à subsistência pelo trabalho, o qual, «digam o que disserem sofistas e retrógrados, é uma das pedras angulares da liberdade, porque assegura a primeira das necessidades — a conservação da vida» 9.
Os seus sentimentos filantrópicos conduziram-no naturalmente a esta descoberta; porém, a verdadeira origem, assim como a fórmula de solução, encontram-se no socialismo associacionista de Fourier e, sobretudo, de Louis Blanc e na obra legislativa de 1848, «grito doloroso das classes pobres» da França, o qual «tem de ressoar ainda uma vez, e tantas vezes quantas forem necessárias, para despertar os governos letárgicos e imprevidentes, que deixam morrer ao canto da rua ou no desvão da trapeira o operário falto de trabalho, enquanto conservam, à custa de enormes sacrifícios, o soldado e o empregado inútil cheios de ociosidade».
Perante as desigualdades económicas e injustiças sociais, o interesse da paz e da felicidade pública impunha uma solução urgente, que, evitando a explosão revolucionária, poupasse ao mesmo tempo às classes ricas o risco do combate e o ódio dos oprimidos, e às classes pobres o abraço da amargura da sua condição ao sacrifício do martírio. Em seu juízo, só a associação «entre indivíduos que dela tirem igual proveito e que para ela concorram com meios iguais» resolveria a questão social, de uma forma simultaneamente antirrevolucionária e prática, isto é, com base nos móbeis do individualismo e no sentimento indestrutível da propriedade. Na declaração de 26 de Fevereiro de 1848, o governo provisório da revolução francesa proclamara, além do direito ao trabalho, que «os operários deviam associar-se entre si para usufruírem os benefícios do trabalho comum».