3. Correntes ideológicas. Henriques Nogueira. Socialismo, federalismo e unitarismo

Louis Blanc, o associacionista da Organization du Travail (1841), foi o ministro encarregado de efetivar esta ideia. H. Nogueira conheceu e admirou a obra do economista e do político, e é numa e noutra, embora com modificações, que se encontram os alicerces do seu pensamento social. Repugnando-lhe o comunismo por «absurdo, tirânico e evidentemente contrário à natureza e sentimentos do homem», a luta de classes e a revolução, uma e outra inimigas do humanitarismo filantrópico, impunha-se uma fórmula que, respeitando a propriedade, eliminasse o salariato e criasse um meio social novo, no qual as possibilidades do homem pudessem expandir-se livre e fecundamente.

Essa fórmula, «verbo da regeneração parcial e total do género humano», exprimia-se pela associação, cuja realização prática esboçou sob a forma sugestiva de instituições que fossem simultaneamente sociedades de consumo integral e sociedades de produção. «Uma associação local, no campo ou na cidade, limita-se, e já não fará pouco se o conseguir, a apresentar à venda os géneros alimentares, inclusivamente o pão, pelo preço corrente nas lojas de retalho, mas de melhor qualidade; a preparar aos sócios o sustento diário, e mais perfeita e economicamente do que o faria cada um na sua cozinha; a fazer a educação comum das crianças de todas as idades para poupar o tempo às mães; a reunir em oficinas, principalmente as mulheres, para, além de outras vantagens, ativar a energia do trabalho; a recolher semanalmente num mealheiro as quantias, que cada um puder dispensar do seu salário, para no fim do mês serem lançadas e averbadas na Caixa Económica do Município; a socorrer os sócios e os vizinhos nas suas doenças e decrepitude; a atrair os homens, finalmente, a um gabinete de leitura e conversação instrutiva».

Mais tarde, no segundo período de aperfeiçoamento, a associação local deveria alargar a esfera da sua atividade: estabelecer moradas cómodas, salubres e baratas, para os operários; fundos-depósitos para os produtos da indústria da localidade, e montar oficinas que faltem e convenham ao lugar. No campo, a associação local tem ainda de satisfazer necessidades especiais. Cumprir-lhe-ia aprovisionar um trem de instrumentos rústicos aperfeiçoados; ter animais de serviço para alugar aos agricultores; pôr engenhos para moer o grão; e um rebanho de gado para produzir as matérias-primas dos alimentos e do vestuário; estabelecer um pequeno celeiro para empréstimo de sementes e edificar uma adega para depósito do vinho dos sócios e para o fabrico de certas bebidas.

Sob um ponto de vista, as associações, menos utopistas que o falanstério de Fourier e mais ligadas à realidade portuguesa que o «atelier social» de L. Blanc, eram organizações capitalistas de operários-patrões; sob outro, porém, os patrões não deixavam de ser operários, a propriedade tornava-se coletiva, e pelo seu funcionamento abriam o caminho da democracia económica. A esta luz, eram, portanto, associações socialistas, tanto mais que a emancipação se realizaria pelo esforço e solidariedade dos próprios trabalhadores, aos quais, de resto, cumpriria a administração direta da associação.

Segundo H. Nogueira, «a força criadora» de tais instituições, designadas por vezes associações-locais, residia na coordenação da quotização dos sócios e da capitalização dos rendimentos com o trabalho, quer dos associados, quer de suas mulheres e filhos. A independência económica do proletariado e o advento de uma «vida completamente nova», para o operário do campo e das cidades, seriam as consequências admiráveis do «santo e fecundo» princípio da associação.

«Suponde estas associações espalhadas pelos campos», escrevia no artigo do Almanaque Democrático, «e passado algum tempo ide observar aos seus efeitos. Se a imaginação nos não ilude, achareis seguramente um mundo novo. No meio de cada aldeia destaca um edifício modesto, mas elegante, que não pertence a ninguém, mas que abre a sua porta a todos, que prospera e aumenta de ano para ano sem arruinar e absorver as humildes casinhas que o circundam. O seu portal é cruzado por dúzias de pessoas de todas as idades e condições. Uns vêm em busca do pão do corpo, outros em busca do alimento do espírito. Estes saem munidos com as alfaias do trabalho, aqueles carregados com os frutos dele. Todos procuraram a abençoada mansão, com franqueza e com respeito, como se fosse a casa paterna... Oh! quem dera para estas santas edificações do povo o zelo fervoroso e ardente daqueles bons monges, que noutras eras fundavam o seu conventinho, quase sem socorros, só à força de diligência, de duro trabalho, e muita e insinuante persuasão!»

Embora a eliminação do salariato devesse ser obra dos trabalhadores, Henriques Nogueira considerava as grandes reformas sociais como «absolutamente dependentes das puramente políticas». «Entendemos», escrevia, «que da razão e da força pública, simbolizadas no Estado, é que deve partir a iniciativa da regeneração física e moral da sociedade. Julgamos que cada país, que cada época, tem ou carece de ter o seu socialismo peculiar», e o melhor socialismo será «o que mais se harmonizar com os costumes e ideias do povo, a que é aplicado; o que mais rapidamente produzir os seus bons efeitos; o que mais facilmente se puder difundir por todos os recantos do país; o que for concebido no interesse de todos e não de alguns dos grupos sociais; o que não ferir os razoáveis e legítimos direitos de ninguém; o que, finalmente, constituir uma sociedade, em que o pobre não tenha inveja do rico, mas possa vir a sê-lo pelo seu trabalho, e em que o rico não vexe o pobre, antes o proteja fraternalmente. Era uma reforma, fundada nestes princípios, que nós desejáramos ver realizada no nosso país. E para que ela se fizesse não carecíamos por certo de resolver os fundamentos da sociedade, de tocar, sequer, nos princípios, para nós respeitáveis e santos, da família e da propriedade. Bastava-nos, tão-somente, desenvolver o germe fecundíssimo da associação, dar ao imposto um alcance mais justo e uma aplicação mais conveniente, e extinguir, por último, um certo número de disposições vexatórias e opressivas, de que abunda a nossa legislação».

República descentralizada, socialismo associacionista, e federalismo, tal foi a mensagem de Henriques Nogueira. O republicanismo português, até então vago e impreciso, vivendo acima de tudo do desencanto das lutas partidárias e do iluminismo da Revolução francesa, conquistou autonomia doutrinal, e com ela uma nova essência da consciência ideal da Nação, cujo acento recaía sobre o ético — a Justiça e a Solidariedade, com abandono do religioso e do dinástico das épocas transatas.

O ideal de H. Nogueira tinha alguma coisa de patriarcal e religioso. A República surgia como a apoteose da vida simples e pura, visionando-a sob a forma de um estado pequeno, amplamente descentralizado, no qual os cidadãos, independentes economicamente, interferiam diretamente nos negócios públicos, obedecendo aos ditames e mandamentos de um cristianismo romântico. Esta religiosidade, porém, não lhe granjeou, como a Saint-Simon, o entusiasmo de adeptos que fossem crentes, nem o seu plano de reformação social teve um Ménilmontant saint-simoniano ou a dura prova da realidade, como o atelier social de Louis Blanc. No entanto, as ideias do reformador são inseparáveis do movimento cooperativista da segunda metade do século, e ecoaram profundamente nos contemporâneos, desde Castilho, que nos Estudos sobre a reforma saudou «o apocalipse da política», até Antero de Quental, que, jovem, em 1860, evocou o «economista profundo, poeta e pensador», em cujo sistema de organização social descobria o «germinal das reformas, que há mister um povo e uma sociedade já gastos».


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