III. A educação em Atenas

1. Sentido geral

Ao contrário de Esparta, que constituiu uma organização política essencialmente oligárquica e militar, Atenas representa uma organização civil, de tendência espiritual, na qual a primitiva educação de âmbito e sentido patriarcal e aristocrático se foi alargando aos jovens atenienses livres, em correlação com o alargamento dos participantes na vida pública, até atingir, depois da reforma de Clístenes (509 a.C.), a forma da democracia, na qual, aliás, somente participavam os atenienses livres, a quem o braço dos escravos proporcionava a libertação do trabalho, a atividade política e as ocupações desinteressadas da cultura. Foi em Atenas que pela primeira vez apareceu a consciência individual em face do Estado e para além da educação física, técnica e moral, se instituiu a educação intelectual, no mais alto sentido da palavra, tendente a formar no cidadão o homem apto a desenvolver os dotes e energias do espírito.

Coerentemente com a evolução da vida pública e a complexidade das relações sociais, a educação em Atenas não se estabilizou num conjunto estático de processos e de objetivos. Ao contrário de Esparta, onde o ideal e o plano educativos se mantiveram constantes e uniformes, em Atenas nota-se a diversificação e a elevação crescentes, por forma que se pode dividir a história da educação em Atenas em três períodos: das origens aos Sofistas (século V a.C.), do século V-IV (de Péricles a Alexandre Magno) e do século IV ao triunfo do Cristianismo.

2. A educação até ao aparecimento dos Sofistas

Em Atenas, o termo paideia, apesar da etimologia o referir à meninice, adquiriu o sentido lato da formação humana no seu pleno e mais alto sentido, abrangendo os conceitos atuais de instrução, formação e cultura enquanto atividades individuais. Com profunda significação, as leis da cidade se gloriam, na prosopopeia do Críton, de Platão, de obrigarem os pais a modelar o corpo e o espírito dos filhos mediante a ginástica e música.

Deixando de lado as origens e primeiras manifestações da educação em Atenas, para atentar nos tempos mais próximos dos Sofistas, importa notar principalmente o seguinte:

A educação fora da família começava normalmente depois dos sete anos, em instituições públicas, mas não do Estado, que aliás exercia a fiscalização por intermédio de funcionários chamados sofronistas.

As instituições escolares eram abertas a todos, mas a participação aos respetivos estudos, assim como a duração destes, variavam com o desejo ou possibilidades económicas da família. De modo geral, os pobres mal ultrapassavam a educação rudimentar, dizendo Platão no Protágoras que os filhos de famílias abastadas entravam mais cedo e saíam mais tarde das escolas.

A educação ministrava-se nas palestras e nos ginásios, que eram instituições privadas; com esta diferenciação como que se inicia a especialização docente.

De começo, a palestra fora o local em que se reuniam os jovens que ainda não tinham atingido a efebia, sendo os ginásios os locais onde se exercitavam os efebos; mais tarde, porém, palestras e ginásios empregavam-se indiferentemente para designar os locais destinados aos exercícios físicos.

O menino era normalmente acompanhado às palestras e ginásios pelo pedagogo, quase sempre um escravo. O plano de estudos, que normalmente se desenvolvia dos sete aos treze anos, tinha carácter elementar, podendo reduzir-se ao seguinte esquema:

Leitura, escrita e rudimentos de cálculo numérico, ensinados pelo gramatista. Com base em Dionísio de Halicarnasso, é legítimo admitir que o aluno começava por aprender o nome das letras, seguia-se-lhe a aprendizagem da respetiva escrita e por fim aprendia a soletrar. Estas aprendizagens eram demoradas. Platão, nas Leis, consigna-lhes três anos.

Recitação e explicação dos poetas, ensinadas pelo gramático, segundo o método de repetição, isto é, lendo em voz alta o trecho, que os alunos repetiam. O estudo dos poetas tinha um lugar muito importante na formação intelectual, tanto mais que a religião não concorria com elementos éticos para a constituição da personalidade. Homero e Hesíodo ocupavam o primeiro lugar, mas os poetas líricos não eram postos de lado.

Os versos valiam esteticamente e principalmente pelo refinamento da vida espiritual e pelas sentenças morais que exprimiam. O gramático explicava-os, ligando à explicação gramatical propriamente dita algumas noções de mitologia, de história, geografia, etc. O que hoje entendemos por gramática constituiu-se muito mais tarde, na época helenística.

Canto e execução musical, ensinados pelo citarista. Os atenienses atribuíram sempre grande importância à educação musical. Em seu juízo, o ensino da música não se destinava a formar virtuosi na execução ou no canto, mas a criar no espírito a harmonia das faculdades e a capacidade do sentir e do pensar.

Ginástica, sob a direção do pedotriba.

O pedotriba ensinava na palestra os exercícios ginásticos — luta, pugilato, pancrácio (união da luta e do pugilato), corrida, salto, lançamento do disco e do dardo. Cada um destes exercícios era considerado com função própria no robustecimento do organismo: a luta fortalece os rins, os braços e as pernas; a corrida dá leveza e é benéfica aos pulmões; o salto, desentorpece as articulações; o disco robustece os músculos do braço, e o dardo, além disto, afina a pontaria.

Os exercícios ginásticos eram ritmados ao som da flauta e à sua prática presidia o ideal de harmonia, que aliás caracteriza as diversas manifestações da paideia ateniense. Mais tarde, Platão considerou a educação ginástica como complemento necessário do ensino musical, pois a educação física sem a educação intelectual tornaria os indivíduos grosseiros e selvagens, e a educação intelectual sem a educação física privá-los-ia de vigor e de robustez.

Deste quadro de estudos resulta o carácter elementar do ensino, que não tinha a correspondência do que hoje chamamos ensino secundário. A educação física, sem o sentido militar de Esparta, orientava-se no sentido desportivo da competição, pelo que não estava isenta de significado moral, como aliás também o não estava a música, como se depreende das máximas de Sólon. Daqui, a consequência da formação não ser exclusivamente intelectual. Como diz H.I. Marrou, «a antiga educação ateniense era mais artística do que literária, e mais desportiva do que intelectual».

Ao contrário de Esparta, a educação feminina foi descurada. Retirada no gineceu, a mulher ateniense esperava o marido que o pai lhe escolhia e dedicava-se aos serviços domésticos.

3. Os sofistas. Significação histórico-pedagógica

O plano educativo que acabamos de indicar, vigente mais ou menos do século VIII ao IV a.C. e do qual, nos derradeiros tempos, Aristófanes, nas Nuvens, e Platão, no Protágoras, deixaram traços expressivos, mostra que a educação em Atenas, antes de atingir a situação que a tornou única na história da civilização, apresenta as seguintes características fundamentais:


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