III. A educação em Atenas

As contribuições positivas dos sofistas verificaram-se no domínio da retórica e da gramática. Assim, Protágoras distinguiu quatro espécies de proposições (rogo, interrogação, resposta e ordem), notou que o imperativo exprime o rogo e a ordem, e reconheceu a existência dos géneros gramaticais (masculino, feminino e neutro).

São vários os temas do ensino dos sofistas que suscitaram a crítica, como se vê principalmente nos Diálogos de Platão, seu apaixonado adversário; atentaremos, porém, somente em dois, a saber, a subjetividade da verdade e o contraste da natureza e da lei.

A expressão «subjetividade da verdade» é a explicitação da frase de Protágoras — o homem é a medida de todas as coisas —, a qual implica que a realidade ou irrealidade das coisas e o respetivo modo de ser são determinados pelas representações mentais. Acentuando o relativismo da verdade, Protágoras deu ensejo ao ceticismo. Consequentemente, de acordo com esta conceção, o ensino devia recair mais sobre a expressão e comunicação das opiniões do que sobre o conteúdo do saber: se cada um tem a sua verdade o que importa é o modo como a verdade é exposta e não o fundo que a estrutura. Por isso, o ensino sofístico começando por ser retórico acabou por ser erístico e por desenvolver a habilidade em sustentar indiferentemente teses opostas.

O «contraste da natureza e da lei» conduziu também ao relativismo, mas na ordem ética. Se é verdade o que a cada um parece estar de acordo com as suas sensações, é coerente, que, na ordem prática, seja válido o que a cada um agrada. O sofista Calicles não hesitou em tirar esta conclusão, como refere Platão no Górgias. As leis são relativas às condições especiais do meio em que surgem, sendo, consequentemente, o produto de «convenções» e não de realidades naturais, superiores e constantes. Acentuando a distinção do que existe, «por natureza» e do que existe «por convenção», alguns sofistas arruinaram os valores tradicionais e foram mesmo levados a sustentar que a justiça é o que apraz ao mais forte, como Platão atribui a Trasímaco na República (Livro I).

O ensino dos sofistas, que Aristóteles ridicularizou nas Nuvens, suscitou a reflexão e o progresso dos conhecimentos, porque a arte oratória se volveu não só em arte de arrebatar mas também em processo de convencer pela coerência lógica e pela consistência das razões.

4. Sócrates. Fundamentação do Saber e do Bem.

O método socrático

O ensino dos sofistas desentranhou o progresso pedagógico, designadamente pela exigência da determinação do objetivo da Educação e de um mais largo plano de estudos, mas pôs em crise a validade intrínseca dos valores morais e separou no pensamento a expressão do expressado, isto é, a forma do fundo, pelo que suscitou o movimento de reintegração das certezas no domínio do conhecimento e da ação e o da determinação do objeto da Educação, com superação da habilidade verbal. O primeiro movimento é representado por Sócrates (470-469-399 a.C.), que teve por missão ensinar a pensar e foi pedir à razão o princípio organizador de toda a atividade humana; o segundo, por Isócrates, em cujo ensino radica a educação literária do «orador» como ideal pedagógico.

A personalidade e o pensamento socráticos constituem, e constituirão, tema inesgotável de dúvidas e de interpretações diversas, quando não opostas, dado o facto de Sócrates nada haver escrito e de os testemunhos a seu respeito procederem de discípulos dedicados, principalmente de Platão e de Xenofonte, e de adversários implacáveis, designadamente Aristófanes, empenhados respetivamente em realçarem ou em desacreditarem a personalidade do homem e o ensino do mestre. Acusado de desprezar os deuses da cidade, de procurar introduzir deuses novos e de corromper a juventude, Sócrates foi julgado em 399 a.C., quase aos setenta e um anos, e condenado à morte.

O processo, a condenação e a execução da sentença, que Sócrates cumpriu bebendo serenamente uma taça de cicuta, após a conversação com os amigos, que o acompanharam nas derradeiras horas, acerca da preexistência e sobrevivência da alma, da qual Platão legou o admirável relato do Fédon, provocaram a comoção e a revolta, convertendo o filósofo em vítima digna de reparação e a sua vida como que em objeto de lenda.

De seguro, pouco se sabe acerca do seu ensino e do seu pensamento. Tudo leva a crer que a meio da vida Sócrates frequentou os meios afetos ao ensino dos sofistas e reuniu à sua volta sucessivos grupos de fervorosos admiradores e de discípulos. Sem abrir escola e sem discípulos à maneira dos sofistas, o seu ensino consistia em suscitar debates e em esclarecer os respetivos temas, sem tomar posição dogmática. Com serem divergentes, os testemunhos até nós chegados coincidem, não obstante, na ilimitada admiração pelo mestre e no reconhecimento da profunda influência da sua personalidade, pois Sócrates foi fundamentalmente um educador no mais puro e pleno sentido da palavra, que, mediante o amor, isto é, o desejo e a aspiração do melhor, uniu a curiosidade de saber do discípulo à sabedoria do mestre e, em vez de iniciar no estudo dos livros, ensinou cada um a aprender em si mesmo, a partir da consciência da própria ignorância. Isto o distingue e opõe aos sofistas, ditando-lhe uma orientação pedagógica antagónica, apesar dos pontos de contato, designadamente no destino político da paideia, ou seja, a finalidade última do ensino como conexão do indivíduo com a comunidade política a que pertence e onde se perfaz a sua existência de ser social.

Com efeito, os sofistas fizeram do ensino profissão remunerada, e Sócrates considerou o ensino missão espiritual, não recebia remuneração e admitia por discípulo e interlocutor quem quer que se dispunha a esclarecer ideias.

Sócrates e os sofistas confiavam na eficácia e no valor do ensino, mas o ensino que respetivamente ministravam era diferente: para os sofistas, instruir significava a transmissão de um saber constituído que o aluno recebe como ornamento intelectual ou como instrumento de habilidade prática; para Sócrates, a instrução intelectual tem de ser também educação moral, isto é, a educação é cultura e ao mesmo tempo formação, ou mais propriamente autoeducação.

Por estas razões, enquanto os sofistas foram mestres de retórica, entendendo largamente por tal o ensino e a capacitação para os sucessos oratórios e dialéticos, Sócrates foi mestre de filosofia, entendendo por tal a razão que reflete, esclarece e guia, sem jamais separar a cultura intelectual da cultura moral. A finalidade última da educação não consiste em fornecer recursos ao espírito mas em levar a consciência reflexiva de cada indivíduo a determinar e a compenetrar-se do próprio destino.

Sócrates foi buscar à inscrição do templo de Delfos a máxima da sua filosofia: Conhece-te a ti próprio. O «conhecer-se a si próprio» determinou, logicamente, o predomínio, senão o exclusivismo, dos problemas antropocêntricos, mas sem o sentido relativista da sentença de Protágoras, porque, segundo Sócrates, a ciência é somente do universal. O homem não pode verdadeiramente conhecer-se a si mesmo se não souber quais são as condições do Saber, isto é, da verdade e da certeza (cujo conhecimento exclui a posição relativista e cética dos sofistas), e em que consiste o Bem, cuja efetivação constitui a nossa felicidade e a essência da nossa vida de seres sociais. Coerente com estas conceções, Sócrates ensinou que a educação deve ter por objeto a phrónesis, isto é, o proceder fundado na razão e verdadeiramente esclarecido, dado que o verdadeiro saber consiste em ser bom e não em o parecer, e ser bom consiste não só em conhecer o que é o bem e possuir senso moral, mas também competência e capacidade no sentido prático.


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