III. A educação em Atenas

Vê-se, assim que, para Sócrates, o Saber também era ação, e portanto fundia num só conceito a lógica e a ética, a teoria e a prática. É esta noção de Saber que está na estrutura de numerosas conversações de algumas famosas frases socráticas, tais como: «Quem sabe o que é justo, pratica-o»; «O conhecimento é virtude»; «Ninguém pratica o mal voluntariamente desde que saiba o que é o Bem»; etc.

A vida de Sócrates foi exemplo sugestivo e admirável do autodomínio e do modo como a reflexão pode dominar a paixão. O seu ensino não teve por fim a integração da consciência e da mente do educando num sistema de ideias que lhe fosse exterior, mas sim a autoeducação, isto é, que o educando se descobrisse a si mesmo e por isso mesmo alcançasse o conhecimento do Bem. A sua pedagogia foi, por isso, eminentemente ativa, tanto mais que se não cansava de dizer que somente sabia uma coisa: é que nada sabia. Esta consciência da ignorância, ou mais propriamente o saber do não-saber, impediu que Sócrates se fizesse transmissor de uma ciência feita, e, por outro lado, conduziu-o à prática de um método assente na conversação e no exame em comum das dificuldades e temas de investigação.

O método socrático é, com efeito, uma criação original e característica. Tem por forma o diálogo, isto é, o jogo de perguntas e de respostas, e por objetivo, a autorreflexão crítica. Os temas das conversações excluíram a natureza, de modo geral, e recaíram sobre a virtude, a justiça, a religiosidade, a beleza, etc.; são exemplos característicos os primeiros diálogos de Platão, designadamente o Eutifron (o que é a santidade), o Laches (o que é a coragem), o Lisis (o que é a amizade), e o Livro I da República (o que é o justo). Sócrates, que se proclamava ignorante, formulava sobre qualquer destes temas a pergunta fundamental: «Que coisa é isto?» (por exemplo, a coragem, etc.). Recebia do interlocutor uma primeira resposta, mais ou menos decisiva e firme, e logo começava o respetivo exame. Normalmente, principiava pela enumeração de casos particulares que tivessem, na opinião comum, o atributo da coisa que se procurava saber; da analogia dos vários casos passava à respetiva característica fundamental e daí à definição do conceito da coisa. Assim, por exemplo, da enumeração de casos que no juízo comum fossem considerados corajosos passava à definição da coragem, quer dizer, começava por saber quais são as ações corajosas para depois indagar o que é a coragem.

No desenvolvimento deste método há duas fases capitais: a ironia e a maiêutica.

A ironia significa propriamente interrogação e o seu conceito também pode ser expresso pela palavra elêntica (de elenchos, objeção). Corresponde à fase negativa do método. Sócrates, fingindo ignorar o que era a coisa que se discutia, constrangia o interlocutor, por hábil jogo de perguntas, a reconhecer que o que considerava exato era equívoco, erróneo ou contraditório. Com o reconhecimento da ignorância, começava a dúvida, que é o ponto de partida do saber, ou seja da segunda fase do método, que é a maiêutica. Se o método socrático se limitasse à ironia, conduzia somente à confusão, ao embaraço e, porventura, ao ceticismo, mas como Sócrates tinha confiança na capacidade do espírito atingir o conhecimento de verdades exatas, a ironia era seguida da arte maiêutica, de que fala o Teeteto de Platão, que é a fase positiva do método. Significa a maiêutica como que uma arte obstétrica, pela qual Sócrates, a exemplo de sua mãe, que era parteira, ajudava a mente a dar à luz a verdade que nela jazia latente.

Como na ironia, mas com sentido positivo, Sócrates encaminhava o interlocutor a achar por si mesmo a verdade, isto é, o conceito da coisa que se indagava, pois é por conceitos que se exprime a ciência. Por isso Sócrates e o interlocutor, partindo de casos particulares elevavam-se à ideia geral, de casos particulares e concretos à respetiva noção abstrata. A maiêutica consiste, pois, num método essencialmente indutivo, mediante o qual se alcança a definição, que é a expressão do saber. Implica uma pedagogia ativa e assente na ideia de que nada se ensina que não esteja latente no espírito do educando. No Ménon de Platão há uma notável exemplificação deste método.

A confiança de Sócrates no valor da educação é uma das características fundamentais do seu ensino.

O ideal socrático mantém o ideal tradicional da formação harmónica da personalidade, mas sob certo ponto de vista ultrapassou-o, no sentido de que se deve procurar na razão não só o princípio organizador do todo harmónico da personalidade como também o princípio unificador da conduta e           da convivência social.

O ensino socrático exerceu uma influência decisiva e profunda, sem o qual se não compreende nem explica o desenvolvimento ulterior da cultura grega, pensando Werner Jaeger que Sócrates significa «o fenómeno pedagógico mais formidável na história do Ocidente».

A sua atitude, a um tempo de clareza lógica e de obediência às determinações exatas do objeto, conduzia à seriedade intelectual, afastando o espírito do giro disputante e habilidoso da mera discussão dialética. Por isso, o seu ensino se tornou profundo e fecundo. Profundo, porque o conhecimento exato esclarece e liberta o pensamento; e fecundo, porque, sob o ponto de vista especulativo, está como que na raiz das filosofias conceptuais de Platão e de Aristóteles, e, sob o ponto de vista ético, a máxima «Conhece-te a ti mesmo» volveu-se no conceito de domínio de si próprio, segundo o qual a conduta ética se define como expressão interior da consciência racional e não como sujeição a algo que lhe seja exterior.

5. Isócrates. Génese da educação retórica

Os sofistas e Sócrates coincidiam na necessidade da educação, visto não serem dom gratuito da natureza o saber e o agir, quer este se considere no plano da conformidade à razão, como entendia Sócrates, quer no da aptidão ao sucesso, como ensinaram alguns sofistas. As divergências começavam com a determinação do objeto e da finalidade do ensino teórico, isto é, do ensino que constitui a verdadeira educação e se não confunde com a habilidade do tirocínio prático.

Na linha dos sofistas, Isócrates foi procurar a resposta a este problema na retórica, enquanto manifestação oral ou escrita do pensamento e arte prática da conduta; por seu turno, os cínicos, os cirenaicos e Platão encontraram-na, continuando Sócrates, na Filosofia, enquanto expressão do pensamento que tudo informa e determina.

Isócrates (436-338 a.C.), discípulo do sofista Górgias, fundou uma escola de eloquência em Atenas, num local perto do sítio onde mais tarde Aristóteles estabeleceria o Liceu. O seu ensino era remunerado, como o dos sofistas, desenvolvendo-se o ciclo de estudos, em regra, de três a quatro anos, durante os quais se estudava a Gramática, que compreendia a explicação de autores, designadamente Homero e Hesíodo, a História, isto é, Heródoto e Tucídides, e a Matemática. O ensino destas duas últimas disciplinas indica que Isócrates não separava a forma do fundo, e, portanto, ao contrário dos sofistas, o seu ensino não se dirigia somente para a habilidade da expressão oral ou escrita, como condição do sucesso. A retórica, ou eloquência, exercia uma função formativa e não somente expressional, e porque o homem eloquente desempenhava, ou podia vir a desempenhar, uma atividade cívica, o ensino não podia ser indiferente aos valores morais, e, portanto, tinha de associar intimamente a formação do carácter, a adquisição de conhecimentos e a habilidade oratória. A seu juízo, a atividade humana não deve culminar, nem rematar-se, na contemplação da vida teorética e no individualismo indiferente ou hostil à vida social.


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