III. A educação em Atenas

São estes alguns dos pressupostos que mais cumpre ter presente para a compreensão das conceções pedagógicas de Platão, que ele expôs principalmente na República e nas Leis.

Sob certo ponto de vista, pode dizer-se que a República tem por objetivo a estruturação filosófico-científica — os dois termos não são separáveis na mente de Platão, porque a Filosofia é ciência do Ser — da vida humana e social. A esta luz, a República, que tem por objeto a Justiça, pode dizer-se que foi pensada em função da necessidade de compreender filosoficamente a vida humana e de a organizar em bases racionais no Estado.

Com efeito, neste livro, o indivíduo é educado por causa da comunidade, e, vice-versa, a organização adequada da comunidade é condição da educação conveniente do indivíduo. Platão funda esta correlação, dentre outras razões, no facto de, a seu juízo, a organização perfeita do Estado corresponder à organização das capacidades psíquicas. É que Platão admitia a tripartição da alma em razão, que somente conhece o Verdadeiro Bem, em ímpeto, que tem por nota própria a coragem e o valor, e em apetite, ligado aos desejos e necessidades sensíveis. O ímpeto e o apetite constituem a parte não-racional da alma. Analogamente com esta tripartição, Platão distingue no Estado três classes: a dos regedores-filósofos, cuja virtude é o saber, a dos guerreiros e custódios, cuja virtude é a coragem e valentia, e a dos produtores, ou trabalhadores, cuja virtude é a temperança. Os primeiros dirigem o Estado, os segundos defendem-no e os terceiros provêm-lhe o sustento, devendo dominar sobre todos a Justiça, que preside ao conjunto e a cada um determina os fins e limites da respetiva atividade.

Platão não se ocupou da educação da classe dos trabalhadores, que é a classe inferior. Este facto mostra que não reconheceu a educabilidade de todos os indivíduos nem a eficácia incondicionada da educação, pois, além de não admitir, de acordo com a tradição helénica, a igualdade de todos os homens, pensava que a ação educativa exige que o educando tenha dotes naturais que a educação não pode criar. Admitindo a desigualdade natural dos indivíduos, Platão nem por isso admitiu a diferenciação social, isto é, que os indivíduos fossem diferentes consoante a classe ou família em que nascessem. Era pelas aptidões e tendências naturais manifestadas no decurso da educação que iam recebendo, que se devia fazer a seleção dos indivíduos, e portanto a discriminação dos que seriam guerreiros e dos que ascenderiam às magistraturas do governo. A educação devia ser dominada inteiramente pelo princípio da total integração na comunidade social, da qual o Estado é expressão. Educando para um fim que transcende os indivíduos e ao qual se tem de coordenar a atividade dos adultos, Platão destruía todas as formas de associação e todos os vínculos que pudessem levar à preferência do interesse individual em relação ao da comunidade. Consequentemente, no estado ideal da República a família não existia como sociedade de fins próprios nem tão-pouco a propriedade individual, e a educação devia ser ministrada em comum e como fundamental serviço público.

Platão não introduziu inovações de vulto relativamente às instituições escolares e à matéria de ensino; manteve a herança tradicional mas infundiu-lhe sentido novo, condizente com a sua filosofia e com a sua confiança na eficácia da educação.

Aos três anos o Estado tomava conta dos meninos, dirigindo-lhes a educação até final, a qual nunca deixava de ser ministrada em comum e em ordem a destruir os sentimentos e interesses que separassem o indivíduo da ideia do Estado como expressão da justiça e da comunidade perfeita.

Dos três aos seis anos a educação devia ser ministrada em jardins, consistindo principalmente na prática de jogos, coordenados e executados por forma que as crianças apreendessem que a perfeição da execução dependia do cumprimento exato do papel de cada participante. A atividade lúdica devia, pois, ser orientada no sentido da coordenação e da unidade.

A educação começava, propriamente, aos sete anos. Conduzido pela «pedagogo» ao «ginásio» e à «palestra», cujo ambiente devia despertar a intuição do bem e da beleza, o educando iniciava nestas instituições a aprendizagem da «ginástica» e da «música», isto é, da educação física e da educação espiritual, as quais representam os dois aspetos fundamentais e inseparáveis da formação completa e harmónica da personalidade.

Platão respeitou a prática educativa tradicional, mas introduziu-lhe alterações substanciais. Assim, os exercícios ginásticos não se destinariam a formar atletas nem se desenvolveriam com o espírito de competição, devendo ser orientados no sentido do robustecimento físico e em ordem à ulterior preparação militar. Indica como exercícios próprios da finalidade pré-militar a marcha, a corrida, a luta, o lançamento do dardo, a esgrima, a equitação, o acampamento, etc.

Na «palestra» devia ensinar-se a «música», em cujo conceito Platão compreendia a harmonia e a consistência do que se canta, pensa e fala, ou seja a aprendizagem tradicional do canto, da execução da lira, da leitura, da escrita e dos poetas, à qual acrescentou a dos prosadores e a da matemática, cujo estudo ultrapassava em muito os rudimentos do cálculo.

Na «palestra» iniciava-se, assim, a educação musical, literária e científica, esta última mediante a matemática, a cujo estudo atribuía utilidade, pelas aplicações práticas, e valor formativo do espírito, a ponto de se dever fazer a seleção dos alunos em ordem aos graus superiores de ensino pela respetiva capacidade do raciocínio matemático, como índice do poder de abstração e de apreensão do mundo inteligível, isto é, das ideias.

A educação musical e literária não devia perder de vista a finalidade moral, que é a conversão da alma ao Bem. Na educação literária propriamente dita importa notar que Platão criticou o plano que tradicionalmente se ministrava com base na leitura e no comentário de Homero e de Hesíodo, por duas razões fundamentais: recorrer a mitos e fábulas, de entrecho ou desenredo nocivos à formação moral de espíritos juvenis; e exprimir-se poeticamente, pois a poesia é enganadora, dando como real o que é imaginário, é corruptora, porque se dirige à parte sensível e passional da alma e não à razão, e é intrinsecamente uma imitação, pois sendo a natureza uma imitação das ideias, a poesia, imitando a natureza, é uma imitação de segundo grau. Por estas razões, Platão tirou à poesia o lugar privilegiado que sempre tivera na educação dos gregos e expulsou os poetas do governo da cidade.

A «ginástica e a «música» deviam ser ensinadas a todas as crianças livres dos sete aos dez anos, e o respetivo ensino ministrado sem constrangimento, como que brincando.

Feita a primeira seleção, sucedia a este ciclo ou grau de estudos um novo ciclo, que se desenvolvia dos dez aos dezasseis ou dezoito anos.


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