III. A educação em Atenas

O quadro de estudos e de atividades deste novo ciclo era constituído fundamentalmente pelas disciplinas do ciclo anterior, porém estudadas com mais desenvolvimento e como que gradualmente; primeiramente, as de feição literária, depois, as de feição artística, e por fim, as de feição matemática. Neste ciclo entrariam os alunos reputados intelectualmente mais aptos, sendo excluídos os inaptos, que viriam a constituir o quadro dos artífices e mesteirais da cidade. Platão não se ocupou da preparação para o exercício destas profissões, a qual se faria, naturalmente, pela imitação e pela prática, e cujo saber consistia em regras e preceitos técnicos. A educação era reservada aos futuros magistrados e militares, no sentido lato de guardiães e defensores do Estado.

Aos dezassete ou dezoito anos interrompia-se a educação intelectual para que o efebo pudesse dedicar-se inteiramente aos exercícios da «ginástica» que, como os do anterior ciclo, teriam acentuado carácter militar.

Pelos vinte anos, os mancebos seriam submetidos à seleção decisiva: os mais aptos intelectualmente e mais corajosos nos riscos e perigos dos exercícios físicos continuavam os estudos, seguindo os que deixavam de estudar e tinham robustez física para o desempenho das funções necessárias à manutenção e defesa da cidade.

O quarto ciclo era preparatório do ensino supremo e terminal da Filosofia. Desenvolvia-se durante dez anos e tinha por objeto o conhecimento aprofundado das disciplinas mediante as quais se pode alcançar a existência das ideias e da harmonia do mundo que elas constituem, ou seja, as disciplinas de feição matemática que mais tarde, a partir da época helenística, vieram a constituir o quadrívio: Aritmética, Geometria, Astronomia e Música.

Os alunos que se tivessem revelado capazes de reunir os conhecimentos destas disciplinas numa síntese superior, tinham acesso ao estudo da filosofia e à prática da «dialética», isto é, do método que conduz à verdade plena e total, cuja aprendizagem não deveria fazer-se antes dos trinta anos.

Finalmente, dos trinta e cinco anos aos cinquenta, a pequena minoria que transitasse, após severas seleções físicas, intelectuais e de firmeza de ânimo, por todos os ciclos de preparação e de estudo, cumpria-lhe ainda o exercício de certas funções militares e cívicas, que deviam ser praticadas como tirocínio político. Teórica e praticamente estava formado o filósofo, e, portanto, o governante da Cidade, que deve ser filósofo para que o Estado ideal seja realidade.

Tal é, em resumo, o plano educativo e político da República. Platão não se ocupou da didática, da preparação pedagógica dos mestres e dos diversos tipos de escolas que a execução do plano implicava. Expôs, fundamentalmente, uma conceção doutrinal e prática, que visava a instaurar na vida profunda dos melhores e nas manifestações da atividade social a soberania da Justiça e do Bem.

Mais tarde, nas Leis, escritas na velhice, e que a morte (347 a.C.) lhe não permitiu concluir, Platão procedeu como que à revisão da conceção pedagógica da República. Aproxima-se mais da realidade; tem já em vista todas as classes sociais, reconhece a existência da família e da propriedade privada, e confere mais atenção à educação feminina. O ensino é considerado como serviço público, com mestres nomeados e pagos pela Cidade. Considera principalmente o plano de estudos elementares, cujo desenvolvimento se pode resumir do seguinte modo: dos seis aos dez anos, Ginástica, em vez da Música, que constituía o estudo inicial no plano da República; dos dez aos treze, leitura e escrita; dos treze aos dezasseis, Música (canto coral e cítara) e rudimentos de Aritmética, Geometria e Astronomia; e dos dezassete aos dezoito, início do serviço militar.

Para estas retificações ao plano da República é de crer que tivessem concorrido a experiência de uma longa vida e, em especial, as desilusões que as viagens à Sicília trouxeram a Platão, com o malogro dos seus planos políticos.

8. Aristóteles. Conceções pedagógicas fundamentais

Na linha da mais significativa e constante tradição pedagógica helénica, Aristóteles, como Sócrates e Platão, também consignou à educação a finalidade ético-social da formação do cidadão, pensando, porém, os respetivos problemas com independência e de acordo com a sua filosofia e com a sua tendência para as soluções de conciliação e de justo meio. Não sem alguma razão se dizia outrora que quem pensa ou é discípulo de Platão ou de Aristóteles, entendendo por tal a preferência pela atitude dialética ou pelo espírito de observação.

Aristóteles (384/383-322 a.C.), de Estagira, na Trácia, filho de um médico do rei da Macedónia, foi o mais notável discípulo da «Academia» de Platão, nela assistindo durante vinte anos, desde os dezassete ou dezoito anos até à morte do filósofo (347 a.C.), como estudante e, ao que parece, como repetidor e auxiliar do Mestre. A sua extraordinária aplicação e o seu assombroso saber levaram Platão, diz-se, a chamar-lhe «o génio do estudo». Da sua biografia, que é a de um dos maiores trabalhadores e orientadores de todos os tempos, importa notar que à experiência discente na «Academia» de Platão juntou a experiência docente, já como preceptor do futuro Alexandre Magno, já como mestre em Assos, na Tróade, de um pequeno círculo de platonizantes, já, e principalmente, como fundador (335/334 a.C.), organizador e mestre do «Liceu», em Atenas, no que teve o auxílio de Antípatro, lugar-tenente de Alexandre Magno na Macedónia e na Grécia.

O «Liceu», assim designado por estar situado num recinto chamado Liceu, por nele haver um ginásio dedicado a Apolo Lício, foi conhecido também, mais tarde, por «Perípato» (o «Passeio», ou Escola Peripatética, ou dos «Passeantes»), talvez pelo facto dos alunos terem o hábito de discutir no deambulatório, que não pela circunstância, nada plausível, de Aristóteles ensinar passeando. Sob o ponto de vista institucional, singulariza o «Liceu» o ter sido a primeira escola (ou corporação escolar) que coordenou os fins docentes com os objetivos da investigação científica, constituindo como que o primeiro delineamento de uma cidade-universitária atual, não só pela frequência, de diversa procedência, como, sobretudo, pelo espírito que unia mestres e escolares no «santuário comum», como disse Teofrasto no seu testamento, e pela variedade e especialização dos estudos e dos recursos e materiais de investigação.

São factos significativos a compilação de 158 constituições políticas, das quais somente chegou ate nós a Constituição de Atenas, que Teofrasto, aluno e sucessor de Aristóteles na direção do «Liceu», tivesse escrito uma história da física, e que os discípulos Dicearco e Clearco se tivessem ocupado, respetivamente, de História e de Geografia, e de Botânica.

Esta atividade, que distingue o «Liceu» da «Academia», ultrapassa em muito o ensino como transmissão de conhecimentos. Concorreu para separar as ciências particulares da Filosofia, sua raiz comum, e procedia do génio de Aristóteles e do seu universal, insaciável e infatigável amor do saber, que o levou a esclarecer e a aprofundar temas e problemas da Natureza e da Vida, da atividade cultural e da filosofia especulativa, e a sistematizar a multiplicidade dos conhecimentos mediante a conjugação dos resultados da observação com as exigências racionais da especulação, sem aliás deixar de ter em conta os ensinamentos da desenvolução histórica.


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