III. A educação em Atenas

A sua obra abrange, por isso, de maneira consistente e coerente, todas as disciplinas que no seu tempo eram ou podiam ser consideradas sob o ponto de vista científico. Assim, em síntese, Aristóteles ocupou-se da Lógica, como teoria e instrumento do saber exato e do provável, da Física, como explicação da Natureza, da Metafísica, como teoria do ser e parte fundamental da Filosofia, da Ética, como teoria da moralidade, da Política, como teoria do governo, e da Poética, como teoria das artes.

Tão vasta coordenação e sistematização do saber teve o destino de influenciar decisivamente a marcha do pensamento científico e filosófico até à constituição da Ciência moderna, no século XVII; não sem razão, Aristóteles foi considerado durante a Idade Média um sábio sem par, o «Filósofo» sem mais qualificação e sem sombra de competidor, dele tendo dito Dante que era o «Mestre dos que sabem».

Bastaria tão profunda e continuada influência, sem a qual, como oportunamente acentuaremos, se não compreendem cabalmente certos aspetos do plano de estudos e da atividade escolar da Idade Média, para determinar a consideração histórico-pedagógica da obra aristotélica; independentemente, porém, desta influência, o pensamento de Aristóteles impõe-se por si mesmo, dado que também considerou a teoria da Educação.

Diógenes Laércio atribui a Aristóteles um tratado Sobre a Educação, que se perdeu e de cujo texto se conhecem somente dois pequenos fragmentos. A perda deste tratado sistemático é de algum modo compensada pelas considerações pedagógicas e didáticas esparsas na Ética a Nicómaco (Livro X), no Da Alma e muito principalmente nos Livros VII e VIII da Política, que é a fonte capital.

Aristóteles indica nesta obra (Livro VIII) os temas relativos à educação juvenil que mais se discutiam no seu tempo e (Livro V) as disciplinas que ordinariamente se estudavam, e que eram a Gramática e a Música, às quais se juntava por vezes o Desenho.

Os temas de controvérsia eram os seguintes: teor do ensino, isto é, se o plano de estudos deve ser organizado em ordem à Virtude ou à Felicidade, e o sentido da ação pedagógica, isto é, se ela deve dirigir-se predominantemente ao desenvolvimento da inteligência ou do carácter. As diversas escolas filosóficas resolviam estes problemas em função das suas próprias conceções, ao que, aliás, Aristóteles também se não furtou.

Com efeito, a conceção aristotélica da Educação, como a de Platão, está intimamente ligada à Política por dois fundamentos: o indivíduo, enquanto homem livre e ser social, somente na comunidade estatal realiza os próprios valores humanos; o Estado, conquanto expressão política da comunidade social, tem por obrigação organizar a Educação por forma que os indivíduos, isto é os cidadãos, possam realizar os fins que importam à coordenação da atividade individual com a social. Como na «República» platónica, Aristóteles também não considerou a educação profissional dos artífices e das mulheres. Com ser análogo nos dois filósofos o pensamento de um só tipo de educação, de destino ético-política, que aliás foi constante até à época helenística, cada um deles, não obstante, considerou-o diversamente. Platão fundou-o na teoria das ideias, que Aristóteles criticou; o filósofo de Estagira, fiel ao espírito de observação e à consideração genética no esclarecimento dos problemas, examinou-o à luz das suas próprias conceções.

Assim, metodologicamente, Aristóteles não tratou os problemas educativos com o método socrático, de indução sui-generis, nem com o platónico, dialético, mas com o método genético. Pensou, e assim praticou frequentes vezes, que o melhor método é o que segue as coisas desde o princípio e as acompanha no seu desenvolvimento. Daqui, a consequência importante da necessidade de ter em consideração os dados fornecidos pela Psicologia na elaboração da teoria da educação intelectual.

Consequentemente, as conceções educativas de Aristóteles tiveram em conta a evolução natural do ser humano. Assim, foi levado a distinguir na atividade humana três funções fundamentais — a alma vegetativa, a alma sensitiva e a alma motora, e a determinar, correlativamente, a existência de três graus sucessivos no desenvolvimento do ser psíquico.

A educação tem de ser feita em função destes graus de desenvolvimento, pelo que cumpre que o educador se ocupe do corpo antes do espírito e dos instintos e da sensibilidade antes da inteligência, por forma que o corpo fique apto à execução da vontade e a sensibilidade às luzes da inteligência, a fim de se poder alcançar a harmonia das faculdades, que é um dos desideratos da ação educativa.

A adquisição dos conhecimentos, ou seja a educação considerada sob o ponto de vista da informação do espírito, tem igualmente de seguir um processo progressivo: deve começar pela perceção, passar à observação e terminar no estabelecimento das correlações e das ideias gerais.

O objetivo supremo da educação, a juízo de Aristóteles, não é, porém, informativo mas formativo, isto é, não tem somente em vista a capacitação intelectual mas acima de tudo a formação de bons hábitos, dado a Virtude ser essencialmente o hábito do exercício do Bem. Formar para o exercício da Virtude é, pois, a finalidade suprema da educação, e esta finalidade alcança-se pela disciplina que reprima e suprima tendências ou hábitos nocivos ou reprováveis e, em lugar destes, estabeleça hábitos conducentes às atividades virtuosas. A felicidade (eudemonia) é o desiderato supremo, mas porque ela se não identifica com o conhecimento, como pensaram Sócrates e Platão, e não consiste na posse e gozo de bens materiais senão na atividade que se exerce virtuosamente, torna-se necessária a consideração do papel da vontade na formação do carácter, isto é, a educação para o exercício das virtudes, das quais Aristóteles considerou como primaciais a valentia, intermediária entre a cobardia e a temeridade, a justiça, virtude eminentemente social, por igual distante dos extremos do excesso e do defeito, e o autodomínio, intermediário entre a insensibilidade e o impulso da sensualidade.

Aristóteles não ignorou que a Virtude pressupõe, além do hábito, a existência de disposições naturais e de conhecimentos intelectuais, mas acentuou a importância da constituição dos hábitos porque as disposições naturais subtraem-se, em parte, à ação, e os conhecimentos, as regras e os conselhos nem sempre têm grande eficácia na conduta.

O processo educativo comporta, assim, como que duas atitudes, aliás discordantes: a negativa, ou seja, a eliminação do que contraria a constituição de bons hábitos, e a positiva, ou seja, a formação e prática de hábitos virtuosos e o conhecimento do que é virtuoso, que é sempre o justo meio entre dois extremos.

A atividade educativa deve começar na meninice, na própria casa dos pais, com o que Aristóteles, ao contrário de Platão, reconheceu o valor da educação na família e pela família. Sem embargo, não é à família, mas ao Estado que, a seu juízo, pertence a ordenação e execução das atividades formadoras e educativas as quais têm de ser as mesmas para todos; por isso, e dado haver «um fim único para a cidade», o Estado não deve abandonar a educação ao arbítrio dos pais, cumprindo-lhe ter em atenção o que importa à geração e à constituição dos indivíduos, designadamente a união dos matrimónios, a marcha da gravidez, a viabilidade dos recém-nascidos, etc.


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