IV. A educação no período helenístico. Características e significação histórica

Sócrates, Platão, Isócrates e Aristóteles representam as supremas manifestações do pensamento educativo helénico, como aliás o são também sob outros pontos de vista. Os pensadores que lhes sucederam, designadamente os Estoicos e os Epicuristas, cujas escolas foram a um tempo centro de ensino filosófico e científico e comunidades de crenças, nutridas do sentimento de resignação e constituídas por círculos de esclarecidos que supriam a perda do poder social pelo autodomínio no foro íntimo da consciência, não versavam os problemas educativos com o interesse, a profundidade, a originalidade e a significação daqueles filósofos e mestres. Sem embargo das conceções científicas e representativas do mundo, características do estoicismo e do epicurismo, a Filosofia aspirou a ser, fundamentalmente, arte prática da vida; e a Ciência, perdido o encanto das sínteses e das sistematizações completivas, passa a orientar-se francamente no sentido da especialização, acolhendo-se em instituições nas quais o génio criador do grande século de Péricles cedeu o passo ao talento organizador.

Com efeito, após o sucesso de Filipe da Macedónia (batalha de Queroneia, 338 a.C.) sobre a liga pan-helénica, capitaneada por Atenas e Tebas, cujas consequências se consolidaram com as vitórias e triunfos de Alexandre Magno, inicia-se um novo período da cultura grega, comummente designado de helenístico ou alexandrino, durante o qual se opera a helenização do Oriente e cuja cronologia se fixa normalmente desde o estabelecimento do império de Alexandre (IV século) até à conquista romana (II século).

As cidades gregas perderam a liberdade política, pela submissão, primeiramente, à Macedónia e depois, a Roma, após a batalha de Ácio (31 a.C.), que proporcionou à cidade latina tornar-se a capital do mundo civilizado; no entanto, apesar de vencida politicamente, a Grécia triunfa pela sua cultura, que se universaliza. Atenas deixa de ser o centro capital, senão único, do mundo, porque aparecem outros, designadamente Rodes, Antioquia e, principalmente, Alexandria, no Egipto, e Pérgamo, sua rival, na Ásia Menor, mas a dispersão urbana não afeta a unidade da cultura helénica, que transcende o mundo limitado da polis para se tornar o foco convergente das atividades intelectuais de populações diversas.

Contemporaneamente, com a participação no mundo helénico e elementos provenientes da Ásia Menor, do Egipto, de Roma, a cultura grega incorporou tendências que se não conciliavam harmoniosamente com a mentalidade racionalista ateniense, ganhando em extensão, ou antes em universalização, na medida em que perdia, por assim dizer, em originalidade e energia criadora. A crítica e a erudição dominam as atividades intelectuais, o que aliás não impediu a floração do espírito sincretista a par do cultivo das ciências exatas, algumas das quais atingiram por então resultados de alta importância. O reinado dos Ptolemeus, no Egipto, ficou assinalado como época das mais notáveis na história da ciência, principalmente nos séculos III e II a.C., durante os quais Alexandria foi o centro intelectual do mundo helenizado e cujo Museu e Biblioteca proporcionavam recursos materiais e bibliográficos para o estudo e para a investigação científica, filológica e erudita. Baste somente indicar os nomes de Euclides, a cujos Elementos de Geometria já se chamou a Bíblia da razão, de Arquimedes, de genial e modelar espírito científico, as conceções e demonstrações de Aristarco de Samos, de Hiparco, de Apolónio de Perga e de Eratóstenes. O vigor especulativo e o espírito sistemático cederam perante a especialização científica e erudita e o correlativo desenvolvimento das ciências particulares. Daí, a separação da atividade científica da especulação filosófica, pois as ciências passaram a ser cultivadas e versadas por si mesmas, sem conexão ou dependência de conceções filosóficas universais, e correlativamente, a exigência de um novo ideal educativo, e, principalmente, de novo plano de estudos.

Com efeito, neste período, a educação deixa de ser concebida não só como preparação para o exercício da cidadania e da vida política da polis, senão também como iniciação a um sistema de verdades conceptuais e de capacitação para a reflexão filosófica e para a vida teorética. A transformação do Estado em vasta e absorvente máquina administrativa desapossara o homem livre do sentimento e da prática da cidadania, destruindo, consequentemente, a base social do ideal da formação ético-política; e, por outro lado, o desenvolvimento da especialização científica, que implicava o tratamento autónomo das ciências e o desinteresse pela especulação puramente abstrata, suscitou a substituição da formação filosófica pela assimilação dos resultados científicos e dos valores da cultura. Daí, o aparecimento de um novo ideal educativo, orientado no sentido da cultura enciclopédica, isto é, de uma educação que se não dirigia à capacitação dos dotes individuais mas à assimilação dos conhecimentos fundamentais dos vários ramos do saber e da atividade espiritual.

A efetivação deste ideal trouxe consigo a diversidade das instituições escolares em ordem ao desenvolvimento dos estudos, em termos que permitem discriminar três fases ou graus de ensino: elementar, médio e superior.

Em todos estes graus, o ensino sai, em boa parte, da iniciativa particular para se tornar objeto da intervenção do poder público, não propriamente do Estado central mas das cidades. Daí, a diversificação da intervenção, desde a fiscalização e ordenação do regime escolar até à própria criação e manutenção de escolas, como no Egipto.

O ensino elementar apresenta-se, em regra, como instituição municipal. Era frequentado dos sete aos catorze anos, por alunos dos dois sexos, que estudavam, sensivelmente, o plano tradicional, isto é, a leitura (pelo método silábico), a recitação, a escrita e o cálculo, que se aprendia pelos dedos. A principal modificação deu-se relativamente à educação física, que deixou de ocupar toda a manhã, como era de uso, para se tornar um tempo de exercício na «palestra», depois dos tempos dedicados ao ensino da leitura e da escrita. Os alunos frequentavam a «palestra» de manhã e de tarde, e eram acompanhados pelo «pedagogo». Nas escolas elementares não havia férias propriamente ditas, mas sim dias feriados, que variavam de terra para terra com as festividades religiosas ou com os acontecimentos citadinos que os determinavam.

O ensino, ou aprendizagem média, tinha carácter privado, sendo custeado por quem o frequentava. Desenvolvia-se, normalmente, dos catorze aos dezoito anos e consistia fundamentalmente na assimilação literária dos autores consagrados, designadamente Homero, Hesíodo, Píndaro, Sófocles, Eurípides, Heródoto, Xenofonte, Tucidídes, etc., de cujos escritos se fizeram antologias, de finalidade escolar, acompanhadas por vezes de anotações. Ministrava este ensino o grammaticos, também designado, por vezes, de philologos que o desenvolvia fazendo incidir a atenção sobre a leitura e prescrevendo exercícios de redação.

A par do ensino literário, que consistia essencialmente no estudo da Gramática e da Retórica, ministrava-se também o dos rudimentos da Aritmética, Geometria, Astronomia e Música, estudada sob o ponto de vista matemático.


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