IV. A educação no período helenístico. Características e significação histórica

A Ginástica, foi perdendo, crescentemente, a importância que tivera.

O plano de estudos da educação média na época helenística apresenta-se, pois, com acentuada feição literária, conferindo lugar secundário aos conhecimentos de tipo científico e descurando a educação física, que, como escreve H.I. Marrou, «estava morta na época cristã, tendo perecido... como instituição que envelheceu», arrastando na sua decadência as aprendizagens de feição estética, designadamente, o canto, a lira e a dança.

Como estádio, ou preparação do ensino superior, foram criadas instituições, que podem designar-se de colégios de efebos.

A efebia, que originariamente, como dissemos, teve por função a preparação militar, abrangendo os mancebos dos dezoito aos vinte anos, apresenta-se nesta época, a um tempo, como escola de educação física e de formação intelectual complementar.

A educação física praticava-se nos «ginásios», que eram estabelecimentos superiores às «palestras», e consistia nos exercícios tradicionais do pentathlon (corrida sem obstáculos, salto, em comprimento e não em altura, lançamento do disco, do dardo e luta), e do «pancrácio» (combinação da luta e do pugilato); não tinha carácter desportivo ou estético, mas de preparação atlética. A educação intelectual, por seu turno, ministrava-se em colégios anexos, por intermédio de mestres permanentes e por preletores adventícios, dirigidos pelo «gimnasiarca», que, como o nome indica, era também o diretor do «ginásio».

O ensino superior teve por locais as escolas de Retórica e de Filosofia e as instituições de formação e de investigação científica, de que foi tipo o Museu de Alexandria. Esta instituição, a mais alta e representativa do ideal científico e formativo da época helenística, foi fundada em 322 a.C. por Ptolomeu Filadelfo; congregava numerosos sábios, que nela tinham moradia e abundantes recursos de trabalho, como livros — tornou-se famosa a Biblioteca, pela coleção de livros gregos e orientais —, horto botânico, parque zoológico, instrumental astronómico e físico, etc., além de um serviço de copistas.

As escolas de Retórica, cujas origens se podem remontar ao ensino e à conceção educativa de Isócrates, foram, porventura, as de maior frequência, devido ao apreço pela eloquência e ao facto de proporcionarem conhecimentos e recursos próprios para o exercício de funções administrativas e políticas.

As escolas de Filosofia não foram uniformes; institucionalmente, ou tinham sede estável, com corpo docente mais ou menos permanente, ou se constituíam à volta de uma personalidade de nomeada; e doutrinalmente, eram, em geral, hostis às escolas de Retórica e rivais entre si, dado cada uma se singularizar pelo ensino de determinadas conceções e sistemas, designadamente, o platonismo, o aristotelismo, o epicurismo, o estoicismo, o ecletismo, o probabilismo e o ceticismo.

As instituições científicas, de que foi tipo o Museu de Alexandria, tinham por missão o ensino e, principalmente, a investigação no domínio das Matemáticas, da Astronomia, das Ciências Naturais, da Medicina, da História e da Filologia, excluindo o estudo do Direito.

A formação intelectual, principalmente nas suas formas mais elevadas, tornou-se praticamente privilégio de indivíduos favorecidos pelas condições de nascimento e de fortuna. O ideal que a nutriu deixou de ser doutrinal, como havia sido na mente dos grandes pensadores atenienses. Domina-o o sentido informativo, da constituição do homem completo pela enkyklios paideia (étimo da nossa palavra enciclopédia), isto é, a conceção da instrução como assimilação dos conhecimentos fundamentais das diversas ciências.

A enkyklios paideia compreendia conhecimentos de tipo literário — Gramática, Retórica e Dialética —, e de tipo científico — Aritmética Geometria, Astronomia e Música (teoria).

Estas disciplinas constitutivas da instrução geral remontavam à coordenação organizada por Hípias, o sofista, e estão na base da sistematização das sete artes liberales, repartidas no trivium e no quadrivium, como mais tarde, na Idade Média, foram vulgarmente agrupadas.

O ensino da Gramática desenvolvia-se em duas partes: a técnica, que tinha por objeto a forma, isto é, a linguagem propriamente dita (vocabulário, sintaxe, etc.), e a exegética, destinada à explicação dos textos, nas respetivas particularidades mitológicas, históricas, geográficas, etc.

A Retórica tinha por objeto o estudo dos modos da elocução, da invenção e disposição das matérias e das formas da discussão, isto é, as condições da eficácia dos discursos. Aristóteles consignou nos três livros da sua Retórica o essencial desta disciplina, de largo cultivo e apreço.

A Dialética ocupava-se de temas lógicos, com base no Organon de Aristóteles e nos escritos dos estoicos, em ordem, principalmente, à formação retórica.

Das duas disciplinas matemáticas, a Geometria tinha mais desenvolvimento do que a Aritmética, tornando-se de uso universal os Elementos de Euclides (c. 300 a.C.).

O estudo da Astronomia incidia particularmente sobre a esfera do mundo, de cuja teoria Estrabão indicou na Geografia (Livro I) os temas fundamentais: círculos, paralelos, verticais e oblíquos, trópicos, equador, zodíaco, planetas. Ao ensino desta matéria juntava-se o de algumas noções de Geografia.

A Música, que era estudada matematicamente, compreendia três partes: a orgânica, que tratava dos instrumentos, a harmónica, que se ocupava dos tons, e a rítmica, que tinha por objeto os compassos.

Este plano de estudos de feição enciclopédica, mas com predomínio dos conhecimentos de tipo literário, tinha em vista a ilustração do espírito e a formação do letrado, e não a do cidadão ou a de técnicos. As escolas filosóficas dos estoicos e dos epicuristas representam, sob certo ponto de vista, uma reação contra este ideal educativo, visto terem eticamente por escopo, respetivamente, aqueles, a «apatia», isto é, a ausência de desejos, a austeridade e firmeza de carácter, e, estes, o autodomínio em ordem à paz íntima, em correlação com uma visão do mundo onde tudo ocorre por necessidade imanente.

Não obstante a hostilidade destas correntes filosóficas, que tiveram voga e aceitação no império romano, foi com a feição helenística que a cultura grega influenciou a teoria e as práticas educativas no Ocidente, passando a Roma e das sociedades romanizadas à Idade Média, em cujo plano das sete «artes liberais» ecoa a enkyklios paideia. Como já foi notado, radica nesta época a origem da quase totalidade do espólio científico que a Idade Média conheceu mediante as versões do árabe e do que a Renascença recuperou.


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