III. Inovações educativas de influência helénica (séculos III-I a.C.)

No curso dos dois séculos que vão da primeira guerra púnica (241 a.C.) à batalha de Ácio (31 a.C.), com a irradiação do poderio romano pelo Mediterrâneo oriental, operaram-se transformações de carácter económico, político, social e cultural, impondo-se pouco a pouco a convicção de que não podiam dominar-se as regiões helenizadas com o escasso pecúlio de conhecimentos da educação tradicional. As virtudes domésticas e cívicas conduziram à conquista, mas o senhorio e domínio exigiam outros recursos, tanto mais que a cultura grega atingira por então o apogeu do seu fulgor.

Para romanizar os territórios helenizados e poder emparceirar a sua glória com as exigências culturais, Roma teve de se helenizar; assim, a Grécia, vencida politicamente, tornou-se culturalmente vencedora: «Graecia capta ferum victorem cepit et artes intulit agresti Latio», disse Horácio com clarividência.

Com efeito, a cultura helénica exerceu então verdadeira fascinação, repetindo-se, de algum modo, em Roma, com o ensino dos primeiros mestres gregos, os movimentos de acolhimento e de repulsa a que deram azo em Atenas as lições dos sofistas. As vitórias militares proporcionaram preceptores, que, como escravos ou libertos, vieram instruir os filhos de famílias poderosas; à imitação da Grécia, surgem em Roma escolas de Retórica e de Filosofia, e tornou-se de bom-tom rematar a educação com uma viagem à Grécia. Desta influência e prestígio, é significativo o entusiasmo de que fala Plutarco quando se refere ao acolhimento dispensado em 155 a.C. aos filósofos gregos Carnéades, Diógenes e Critolau, enviados como embaixadores.

A helenização não se produziu, porém, sem o protesto e a reação dos mantenedores da tradição, receosos, acima de tudo, da desvirtuação do carácter nacional. Assim, Catão-o-Velho (234-149 a.C.), que no Senado pediu a expulsão de Carnéades e dos seus companheiros, redigiu para o filho uma espécie de manual de conduta (Carmen de moribus) e proibiu-lhe que aplicasse receituário de médicos gregos.

Tais repulsas e reações não tinham por si o futuro, porque a influência da cultura helénica era inevitável e, com ela, a individualização da consciência intelectual, o declínio da prática da educação como assimilação das constantes tradicionais e a atração crescente da educação com sentido letrado, ou mais propriamente, retórico.

A aprendizagem deixou de ser feita exclusivamente na e pela família, passando também a sê-lo em escolas particulares, isto é, não pertencentes ao Estado. A moda ateniense, o menino passou a estar confiado a um «pedagogo» (custos ou comes), escravo ou liberto, no geral grego, que tinha por encargo acompanhá-lo e a quem ensinava praticamente, no comum dos casos, a língua grega. Não faltaram advertências e protestos contra a adoção desta prática, que punha de lado a tradicional educação materna e dava ensejo a influências perniciosas.

Na época de Cícero, isto é, nos últimos tempos da República, a organização do ensino era esquematicamente a seguinte:

A instrução propriamente dita desenvolvia-se sucessivamente nas escolas do litterator, do grammaticus e do rhetor, as quais se podem considerar como continuação de três graus de ensino.

A escola do litterator, ludimagister ou ludus litterarius, ensinava a ler, a escrever e a contar, ou seja a trivialis scientia. Como reprimenda ou estímulo, os mestres recorriam frequentemente à ferula e a outros castigos corporais.

A escola do grammaticus, frequentada, em regra, após os doze anos de idade, iniciava a eruditio liberalis. Criada por influência e à imitação da Grécia, nos primeiros tempos da sua introdução, pelos meados do século III a.C., nela se aprendia o essencial da teoria da linguagem, constituída pelos rudimentos da Gramática e da Retórica, cujas aprendizagens se separaram mais tarde, tornando-se o ensino da Retórica uma escola ou grau independente. O objeto principal do grammaticus consistia em ensinar a falar e a escrever corretamente, mediante a lição de textos de poetas e de prosadores.

O seu ensino compreendia, por isso, duas partes: a técnica, ou gramatical propriamente dita, e a histórica, que consistia na explicação dos textos. A falta de textos literários latinos, que pudessem servir de modelo e norma, determinou, de início, a deficiência do ensino do grammaticus. Q. Caecilius Epirota, pelo ano 26 a.C., parece ter sido o primeiro que recorreu aos autores latinos seus contemporâneos, muito principalmente Virgílio.

A escola do grammaticus adquiriu grande importância, já porque o romano cultivado devia saber, além do latim, o grego, já porque o estudo da Gramática como que supria o da Filosofia, em virtude do carácter enciclopédico da explicação e interpretação dos textos. Segundo Suetónio (Dos Gramáticos Ilustres), a evolução do ensino do grammaticus operou-se no sentido preparatório do do rhetor, ministrando conhecimentos aptos para a aprendizagem da eloquência, como os problemas, as paráfrases, as alocuções, etc. De modo geral, os «gramáticos» foram mais bem remunerados que os mestres do ludus litterarius e gozaram de maior consideração.

Na escola do rhetor, frequentada, em regra, após os dezassete anos, aprendiam-se a teoria e a prática da oratória e da declamação. O objetivo capital deste ensino consistia em preparar o aluno para fazer a exposição de um tema de maneira bela e convincente, pelo que o rhetor ministrava conhecimentos de toda a ordem e promovia a habilidade oratória e dialética mediante exercícios de recitação e de controvérsia.

As primeiras escolas latinas de Retórica apareceram no século I a.C. Mais acessíveis a plebeus e a remediados do que as escolas dos retóricos gregos, a sua instituição facilitou o acesso das magistraturas até então como que privilégio das famílias patrícias e abastadas. Daí, além de razões de ordem ético-política, os obstáculos que estas escolas encontraram nos seus primeiros tempos. Refere Suetónio (Dos Gramáticos Ilustres) que o pretor M. Pompónio, por deliberação do Senado (161 a.C.) e «no interesse da República», teve de proceder contra os filósofos e retóricos de que muito se falava em Roma, e que os censores Cneus Domitius Enobarbus e Lucius Licinius Crassus publicaram um édito contra a frequência das escolas de retórica em latim, onde os jovens passavam dias inteiros na ociosidade, por serem «novidades contrárias aos usos e costumes dos nossos antepassados». Mais tarde, em 92 a.C., foram de novo mandadas encerrar, conservando-se aliás abertas as escolas que ministrassem o ensino da Retórica em grego, mas todas estas medidas repressivas, bem como as críticas adversas, designadamente de Tácito, no Diálogo dos Oradores, não lograram sustar, e muito menos suprimir, um ensino, cuja matéria Cícero versou com a pena e a que deu fulgor com a palavra e que vinha ao encontro do agrado e das exigências da cultura romana.

A cultura geral que o rhetor tinha de ministrar suscitou a redação de compilações de carácter enciclopédico, das quais, muito mais tarde, na época imperial, veio a ser famoso o livro de Marciano Capela (450 d.C.), de voga na Idade Média.

Para a maioria dos jovens que podiam levar a cabo o currículo de estudos, a escolaridade terminava com o estudo da Retórica, seguindo-se, para uns, a vida profissional, para outros, a administração agrícola, a carreira das armas e a atividade forense, estagiando, respetivamente, com um vilicus, um oficial do exército e um advogado ou jurisconsulto. Cícero, por exemplo, fez o seu tirocínio forense com o advogado Múcio Scévola, e por seu turno foi o orientador de Aulo Hircio e de Dolabela. Os mais abastados e desejosos de saber continuavam com o estudo da Filosofia, que, em regra, iam frequentar a Atenas, a Rodes, a Mitilene e a Alexandria.


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