IV. A educação durante o Império

O movimento de helenização da educação romana, que começara por motivação político-social, foi atingindo progressivamente durante a República um número crescente de famílias até se tornar, por assim dizer, normal durante o Império. Para tal concorreram diversas causas, das quais importam principalmente ao nosso objetivo a prática da aprendizagem bilingue, a influência de mestres gregos e helenizados e o sentido da política imperial.

A vida abastada e fácil, que as conquistas proporcionaram, trouxe consigo o refinamento da atividade intelectual e o correlativo apreço crescente pela cultura grega. Tornou-se de bom-tom e, por fim, vulgar, iniciar-se a aprendizagem da linguagem mediante a língua grega, cuja prática se continuava por largo tempo. Quintiliano (século I), na Instituição Oratória, defende a precedência da aprendizagem da língua grega, entendendo, porém, que a língua latina se não devia fazer tardiamente, para que os jovens não desabituassem o ouvido da língua materna.

A aprendizagem bilingue suscitou a necessidade crescente de mestres gregos e helenizados e o aumento do custo dos respetivos serviços. Assim, um escravo grego grammatikos chegou a pagar-se por 200 000 sestércios, e por um édito do imperador Diocleciano o grammaticus podia cobrar 200 denários por mês.

O apreço em que foi tido o conhecimento da língua grega não significa desinteresse pelo ensino e pelo estudo da língua latina, pois estas e outras inovações educativas foram como que filtradas pelo espírito conservador e pelo sentido prático, característicos da índole romana. Na marcha da helenização notam-se, por isso, a sucessão da importação e da assimilação dos métodos, planos e ideias, e, por fim, a elaboração com sentido próprio, aliás sem grande originalidade; e assim, ao estudo da gramática grega sucedeu o estudo gramatical da língua latina, como ao ensino de preceptores e mestres gregos sucedeu o de mestres latinos, em escolas latinas.

L. Alius Praeconius, amigo e mestre de Cícero, Varrão e Lucílio, parece ter sido quem iniciou os estudos de gramática latina, mais tarde versados por Varrão e outros, sendo de notar o interesse que lhes dedicaram Júlio César, que durante a campanha da Gália se ocupou na redação de uma obra De Analogia, na qual versava a declinação dos nomes e da conjugação dos verbos, e o imperador Cláudio, que tentou, aliás sem êxito, aumentar o alfabeto com novos caracteres para os semitons entre i e u.

O regime de concentração de poderes no princeps, instaurado por Augusto, adiantou e alargou, por seu turno, o processo da helenização da cultura. O fortalecimento do princípio de autoridade fez-se sentir na organização e na unificação administrativa do vasto e heterogéneo território do Império e desta obra partilharam o ensino e, de modo geral, a cultura, aliás à custa da liberdade da família, que tradicionalmente caracterizava a educação romana. Com efeito, uma das características do regime imperial é a intervenção do Estado nas instituições docentes, e se é certo que as escolas particulares continuaram a existir não menos certo é que sofreram a concorrência das instituições oficiais.

De modo geral, os imperadores promoveram a fundação de instituições de finalidade cultural. Augusto criou a biblioteca Octávia e Palatina, surgindo, posteriormente, outras que se tornaram centros de reunião e de troca de ideias; e Adriano fundou o Ateneu, no Capitólio, no qual ensinavam mestres de Retórica e declamavam oradores e poetas. O gosto da leitura desenvolveu-se, constituindo-se verdadeiros organismos editoriais, nos quais os textos eram ditados simultaneamente a muitos copistas.

A par da criação de bibliotecas e do desenvolvimento do comércio de manuscritos, manifestou-se também o interesse pelas instituições escolares. Adriano, promoveu a fundação de centros de ensino nas províncias do Império, designadamente na Hispânia, donde era natural; Marco Aurélio, o imperador filósofo, estabeleceu o vencimento de certo número de mestres das escolas atenienses de Filosofia (académica, peripatética, estoica e epicurista), de eloquência, de sofística, isto é, de Filosofia, e de ensino prático; Alexandre Severo estabeleceu o ensino oficial da Gramática, da Retórica, da Medicina, da Matemática e da Mecânica aplicada à construção, determinando que os estudantes pobres o pudessem frequentar durante um ano; e o imperador Teodósio II fundou em Constantinopla, em 425, uma escola, na qual ensinavam trinta e um professores e em cuja organização pode ver-se o esboço de uma Universidade, se por Universidade se entender a coordenação de estudos especializados regidos por mestres estáveis.

O patrocínio oficial manifestou-se ainda na consideração pelo ofício docente e pelo regime discente. Assim, pelo que respeita aos mestres, Vespasiano determinou o vencimento dos de ensino superior; no governo de Tibério, um modesto litterator foi senador; por um édito de Antonino Pio, os municípios de pequena extensão podiam isentar de impostos cinco médicos, três sofistas (isto é, filósofos) e três gramáticos; Diocleciano, em 301, estabeleceu o máximo que os mestres podiam cobrar mensalmente dos alunos: o ludimagister, 30 denários; o de Contas (calculator) e o de Escrita cursiva (notarius), 75; o de Arquitectura, 100; o de Gramática, grega ou latina, e o de Geometria, 200; os de Retórica, 250, consignando ainda que os mestres fossem isentos do serviço militar e de alguns impostos e recebessem no final da vida uma pensão; e Juliano, pela primeira vez na história do professorado, estabeleceu as condições de ingresso no magistério mediante a prestação de provas e aprovação dos curiales optimi. E quanto aos estudantes, Trajano criou a instituição dos alimentarii pueri, o que significa o propósito da educação à custa do Estado; Adriano tornou este benefício extensivo a todo o Império, e por um édito de Valentiniano I, de 370, estabeleceu-se a vigilância dos estudantes que frequentassem as escolas de Roma, determinando que tivessem um documento de identidade e declarassem o local de residência e a escola que frequentavam ao magister census, ao qual cumpria verificar se eram assíduos e recolhiam tarde a casa.

A instrução e, de modo geral, a cultura, beneficiaram durante o Império, em virtude da organização e da difusão do ensino, sem aliás alcançarem profundidade e originalidade. A helenização fomentou a criação de instituições escolares e promoveu a instrução com mais amplitude e largueza, mas não produziu nunca o que não estava na índole do romano: a criação de uma vida espiritual autêntica. Quem quer que se considerasse apto a ensinar, ensinava, e a escolaridade consistiu, essencialmente, na assimilação de conhecimentos e na arte de os dispor com elegância, ministrados frequentemente num ambiente de punição e de terror, do qual Santo Agostinho, nas Confissões, traçou um quadro expressivo.

Estruturalmente, manteve-se o ciclo de estudos dos tempos finais da República, isto é, a escola do ludimagister, frequentada normalmente dos sete aos doze anos, a escola do grammaticus, que agora, durante o Império, ensina a gramática latina e explica, com sentido enciclopédico, os clássicos latinos (Virgílio, Ovídio, Lucano, Estácio, Cícero, etc.), e a escola do rhetor, que funciona como ensino superior. Frequentavam estas escolas os filhos dos homens livres dos dois sexos, em regime de coeducação, mas a educação das mulheres não ia, em geral, além da instrução elementar. Os filhos dos escravos, salvo exceções, recebiam na própria casa do senhor uma instrução rudimentar e de carácter essencialmente utilitário.


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