V. Literatura romana de significação histórico-pedagógica

Somente merece a qualificação de «perfeito orador» quem conjugue o saber, a beleza da expressão e a vindicação ou a defesa do que nobilita o ser humano, ou engrandece e dignifica a sociedade. Por isso, o ideal ciceroniano do «orador», de tão profunda influência no Renascimento, no qual geralmente se tornou sinónimo do cultivo integral de todas as capacidades do engenho humano, está condicionado pela conceção da vida e, como em Platão e Aristóteles, mas com fundamentação diversa, tem por destino a Política, a cuja filosofia ele dedicou a República e as Leis, que até nós chegaram fragmentariamente.

Lúcio Aneu Séneca (4 a. C. - 65 d.C.), preceptor de Nero, que o acatou nos primeiros anos do seu reinado e mais tarde lhe ordenou que se suicidasse, é o filósofo romano mais representativo do ecletismo estoico, ao qual também pertencem Epicteto e Marco Aurélio. Estes pensadores representam a conceção filosófica dominante nos dois primeiros séculos do Império, ou seja a conceção de que a Filosofia é arte prática da vida, refúgio do espírito, fonte de consolação interior e escola de liberdade íntima e de energia e resistência moral.

Por intrínseca determinação, as conceções pedagógicas de Séneca integram-se nas suas conceções filosóficas, que tiveram por princípio inspirador a interioridade moral e por objeto, a constituição de um centro polarizador da personalidade, no qual a consciência se refugiasse e estivesse como que ao abrigo das contrariedades e azares da fortuna. Daqui, o sentido do seu ideal educativo, que se dirigiu para a formação do <sábio», isto é, para o autodomínio e retidão da consciência e para a mente compreensiva e equânime.

Como dos escritores anteriormente referidos, as opiniões e juízos pedagógicos de Séneca aparecem esparsamente, muito principalmente nas Epístolas a Lucílio, que é a obra que mais importa considerar.

Com o senso comum, Séneca reconhece a conveniência da educação física, mas a saúde do espírito tem de primar sobre a do corpo. A educação intelectual deve ter em conta as tendências e predisposições nativas; não obstante, aconselha a prática de algumas diretivas gerais. Assim, tem por conveniente a fixação pela memória de sentenças morais e conceituosas e a variedade das leituras, pois é de recear «o homem de um só livro». As leituras, porém, devem ser orientadas no sentido instrutivo e não de passatempo; e no que toca à redação propõe como modelo Cícero, considerando que não há escritor perfeito sem vigor, elevação e nobreza de pensamento.

O ensino deve ser orientado no sentido da formação moral, pelo que a Filosofia tem uma função prática, e não teórica ou explicativa: «Facere docet philosophia, non dicere» (Ep. 20). Daqui, por um lado, a consequência de que o ensino deve ser dirigido para a prática da vida, entendendo por tal a conduta e não o útil e proveitoso — «Non vitae, sed scholae discimus», escreve no fecho de uma carta (Ep. 106), criticando o seu tempo —, as leituras sejam limitadas às obras-primas, e os conhecimentos, assimilados como elementos ativos da formação da personalidade; e, por outro, a repulsa pelo mestre que não forma almas, por ele próprio não ser alma. Só quem tem a noção clara da própria personalidade está em condições de sentir e de compreender a personalidade alheia como algo de sagrado («Homo res sacra homini», escreveu) e, portanto, de apreender a solidariedade humana e a Providência que rege o Universo.

As controvérsias puramente lógicas, tão cultivadas por alguns estoicos, deixaram-no indiferente, senão hostil, porque «non faciunt bonos sed doe-tos » (Ep. 106). Somente reconheceu valor às reflexões que conduzam à melhoria íntima da consciência e ao alívio do que a aflige (Ep. 48); por isso, considerou o exemplo como processo excelente de educação moral e distinguiu a sapientia, que a um tempo esclarece, guia e conforta, do sapere, que somente explica e demonstra. Daqui, a noção da educação como disciplina das paixões, na qual a cultura estritamente intelectual é sotoposta à sabedoria, e a ilustração da mente à formação do carácter.

Esta conceção ética, nutrida de autodomínio íntimo, de resignação e de compaixão, valeu a Séneca o apreço dos cristãos, a ponto de se ter criado, porventura pelo século IV, a lenda do seu comércio epistolar com São Paulo, da qual correram algumas cartas. Apesar do eclipse que o século VI trouxe à literatura latina, a influência do pensamento de Séneca não desapareceu durante a Idade Média, sendo sensível entre nós no século XV, principalmente no infante D. Pedro, autor da primeira redação (1418) da Virtuosa Bem feitoria.

Na diretriz da conceção do «orador» como expressão da formação completa e do homem cultivado, avulta Marco Fábio Quintiliano (t final do séc. I). Natural de Calagurris (Calahorra), na Espanha, foi educado em Roma, onde exerceu a advocacia e se notabilizou como mestre de Retórica, contando entre os discípulos Plínio-o-Moço e Adriano, futuro imperador; foi o primeiro mestre de eloquência retribuído pelo Estado, com o vencimento de 100 000 sestércios, estabelecido por Vespasiano.

Literariamente, singulariza-o a Instituição oratória (Institutionis oratoriae libri XII), que redigiu a conselho de amigos (c. 92-93) e na qual condensou o resultado da sua experiência docente e do seu saber de mestre.

A Instituição oratória vai muito além da doctrina dicendi, isto é, da teoria da técnica oratória, pois constitui um verdadeiro tratado do que forma e importa ao perfeito «orador», pelo que esta obra adquiriu notável significado histórico-pedagógico, já pela exposição do ideal educativo do «orador», já como expressão representativa da cultura romana da época imperial, já pela influência que exerceu na mentalidade e nos ideais do humanismo da Renascença.

Para Quintiliano, o «orador» não é o profissional da palavra, mas o homem que atinge o mais alto grau de perfeição moral e de ilustração intelectual e se torna, na plenitude dos termos, «vir bonus, dicendi peritus », no afortunado dizer atribuído a Catão.

Considerou, por isso, como partes inseparáveis, a teoria e arte da palavra expressa e o exame das condições e requisitos da formação do «orador». A Instituição oratória compreende, consequentemente, instruções pedagógicas, que importam a quem aprende e ensina, e regras de Retórica, ou seja a teorização da matéria que se ensina. Por toda a obra se encontram juízos e conselhos pedagógicos, os quais, não obstante, constituem o tema principal do Livro I, que se ocupa da primeira educação e instrução dos meninos, do Livro II, que considera os requisitos do preceptor, o método do ensino, etc., e do Livro XII, que tem por objeto, dentre outros temas, a cultura e as qualidades intelectuais e morais necessárias ao «orador».

Quintiliano atentou, como mostra esta indicação, na formação completa do futuro «orador», seguindo e educando desde o berço.

O primeiro cuidado deve dirigir-se para a ama, que cumpre seja de bons costumes e de fala correta; quando o menino der os primeiros passos, cumpre igualmente escolher os companheiros de brincadeira e em quem o serve e o guiará como preceptor. O grego devia ser a língua que primeiramente lhe ferisse os ouvidos, pois o latim viria a ser a sua fala natural e seria na língua grega que aprenderia os conhecimentos científicos. O menino devia aprender intuitivamente, mediante jogos e historietas, como que brincando, iniciando-se este ensino logo que ele manifestasse atividade intelectual, e não rigorosamente aos sete anos, como era de opinião e prática geral.


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