II. Primeiras instituições docentes cristãs

Estabelecendo a necessidade da fé para a salvação, o Cristianismo estabelecia Ipso facto a exigência do conhecimento da doutrina cristã e do respetivo ensino ou predicação, bem como a de uma atitude intelectual perante a cultura pagã; daqui, por um lado, a necessidade de organismos adequados à formação do espírito cristão, e por outro, uma diretriz perante a literatura pagã, no geral naturalista e de temática racional, mas cujos recursos de instrução retórica e literária não podiam ser dispensados.

A constituição das instituições docentes cristãs, com efeito, não se operou de uma só vez, relacionando-se a respetiva instituição e desenvolução em sincronismo com as circunstâncias histórico-culturais que singularizam os períodos comummente designados de apostólico, patrístico, monástico e escolástico, caracterizados, respetivamente, pela pregação evangélica, pela apologética e controvérsia, pela instituição da vida cenobítica e pelo teor e atitude mental do ensino. Analogamente, a posição perante a cultura pagã também não foi uniforme. Reconheceu-se por óbvio que o que a doutrina ensinava não podia ser destruído pelo mestre das disciplinas profanas, mas na especificação podem distinguir-se, esquematicamente, três atitudes fundamentais: o ensino pagão deve ser completado com a doutrina cristã; os autores pagãos devem ser postos de lado na formação cristã; os escritos a utilizar pelos cristãos devem ser expurgados e cristianizados.

Não há testemunhos que documentem a existência de escolas cristãs nas gerações contemporâneas dos apóstolos. A pregação apostólica, radicalmente original e cuja estrutura o paganismo desconhecera, recaiu predominantemente sobre a doutrina de Jesus Cristo e respetivo significado, sem aliás desatender à ação propriamente educativa, como expressivamente testemunhou São Paulo nos conselhos aos pais sobre a educação dos filhos, recomendando-lhes que tenham em atenção o corpo, a alma e a vocação, os habituem ao trabalho, os repreendam e castiguem com doçura e firmeza, e os instruam nos ensinamentos cristãos. A pregação e a formação religiosa constituíram o objetivo da evangelização, continuando a instrução geral, desde a utilização da linguagem ao teor dos conhecimentos gerais, a fazer-se segundo o plano tradicional das escolas de Gramática e de Retórica, mas com as reservas e precauções impostas pelos escrúpulos da consciência religiosa. A educação propriamente religiosa, que se nutria da edificação pelo exemplo, teve acentuado carácter privado, ministrando-se na intimidade da família, na precaução de um refúgio ou no seio das comunidades cristãs, associações de fiéis que se foram constituindo em vários pontos do Império romano e se volveram em «igrejas», no sentido ético-social da palavra. A admissão nas comunidades, às quais como que presidia o membro mais idoso (presbyteros), tinha como condição prévia o batismo, e como este sacramento se não ministrava sem a necessária preparação doutrinal, surgiram os catecumenatos, anexos às comunidades e destinados à doutrinação dos catecúmenos, isto é, dos aspirantes ao batismo.

Nos catecumenatos, ou escolas de catecúmenos, que funcionavam no próprio santuário, numa casa privada, ou noutro local imposto pelas circunstâncias, era um sacerdote quem ministrava a «catequese», ou seja a preparação doutrinal e moral necessária ao batismo. O seu objetivo era religioso e educativo, e não intelectual e teoricamente instrutivo.

A «catequese» está documentada no século II; no seu desenvolvimento, distinguiram-se catecúmenos «audientes», que eram admitidos à primeira parte da missa, dos «competentes», considerados aptos para o batismo. Estas escolas, destinadas propriamente à preparação religiosa de adultos, decaíram após a introdução do batismo de crianças.

Com a administração do batismo a crianças e a adultos de povoados que se convertiam em massa, impôs-se novo género de doutrinação. À catequese primitiva sucedeu o catecismo e o ensino catequista, com o objetivo da preparação de mestres de catequese, isto é, de doutrina e dogmática cristãs. Representam estas escolas uma criação original na evolução das instituições docentes cristãs, pois ministravam simultaneamente os conhecimentos teológicos e profanos, isto é, de cultura geral, convenientes ao proselitismo e à controvérsia. Este ensino foi instituído nos centros onde as circunstâncias e as exigências doutrinais o permitiram, alcançando nomeada as escolas de Cesareia, de Antioquia, Jerusalém, Edessa, Esmirna, Nísibis e de Roma; nenhuma, porém, atingiu a celebridade da de Alexandria, porventura a mais antiga e já famosa no final do século II. Nesta escola, onde foram mestres afamados, dentre outros, São Panteno, Clemente de Alexandria e Origenes, começou por ser, como é eminentemente provável, uma escola de catecúmenos, tornando-se mais tarde, como que uma academia na qual o saber profano foi aproveitado para a apolética; nela se ensinavam, paralelamente à teologia, as filosofias platónica e aristotélica e as disciplinas das artes liberais. Orígenes separou no seu curso os principiantes dos alunos mais adiantados nos conhecimentos teológicos.

Na literatura patrística relacionada com a «catequese» são de notar a Oratio catechetica magna, de São Gregório de Nissa, e o De catechizandis rudibus, de Santo Agostinho, escrito a pedido do diácono Deogracias, de Cartago, e cujo texto assinala a primeira explicação da teoria da didática do ensino catequístico.

Além das escolas de catecúmenos e de catequistas foram instituídas no seio das comunidades cristãs, no desenvolvimento da atividade que caracteriza o período patrístico, escolas de Gramática e de Retórica e as escolas episcopais.

A instituição das escolas de Gramática e de Retórica obedeceu ao intento de furtar a juventude à influência do paganismo; por isso, embora adotassem o plano das análogas escolas pagãs, cumpria ao mestre cristão distinguir a forma do fundo, isto é, a expressão literária da justeza das respetivas ideias, salvaguardando a doutrina cristã.

As escolas episcopais foram instituídas na sede de alguns bispados com o objetivo da formação de sacerdotes. Embora não excluíssem o estudo de disciplinas profanas, o ensino destas escolas recaía fundamentalmente sobre a temática religiosa.

As vicissitudes e perseguições que o proselitismo cristão teve de suportar refletiram-se, naturalmente, na atividade docente, obrigada frequentemente a retirar-se para a intimidade doméstica ou para o refúgio de ermos e de catacumbas. Sem embargo, o Cristianismo conseguiu não só salvar como dilatar o seu ensino próprio, o qual se firmou e afirmou com vigor depois do édito de Milão, de 313, de Constantino Magno, que conferiu à Igreja o direito de cidade no Império e lhe permitiu a franca atividade docente, tornando-se famosas, no Oriente, as escolas de Antioquia, Alexandria e Capadócia, e a defesa ostensiva da dogmática fixada no concílio de Niceia (325), designadamente contra o arianismo. Não obstante, a atividade dos mestres cristãos teve ainda de defrontar perseguições, designadamente da parte de Juliano o apóstata, que, sob o pretexto de que cumpria conhecer da competência e da sinceridade dos mestres, proibiu, pelo édito de 17 de Junho de 362, que os mestres não-pagãos exercessem o ensino sem prévia autorização oficial, e cuja execução determinou que eles abandonassem as respetivas escolas. Este édito foi ab-rogado por Valentiniano, pouco depois, em 364.


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