II. Primeiras instituições docentes cristãs

Com o monaquismo e com as exigências da organização eclesiástica vão constituir-se, respetivamente, as escolas monásticas e desenvolver-se o ensino diocesano, com as escolas episcopais ou catedrais, como virão a ser mais vulgarmente designadas, e com as presbiterais ou paroquiais.

O ideal monástico cristão surgiu inicialmente em locais ermos do Egipto e da Síria, no final do século III, e teve por móbil e primeira manifestação a vida contemplativa, ascética e eremítica, de anacoretas, que procuravam a perfeição cristã na fuga do convívio mundano, na luta de todos os instantes contra os inimigos da salvação da alma e na prática de privações e de mortificações. Nesta primeira forma, o monaquismo intensificou a vida interior, pela prática constante do exame da consciência e da introspeção, mas não pôs em jogo a atividade propriamente docente, entendida como relação entre mestre e discípulo. Foi com a instituição da vida cenobítica, isto é, a vida em comum de ascetas no retiro dos claustros, que se deram as condições necessárias à instituição do ensino monástico. O seu aparecimento ocorreu no século IV, vinculando-se inicialmente às exigências da vida em comum e à necessidade da mútua educação, com estrito sentido de conformação comunitária.

São Basílio Magno (329? - 379), que havia feito estudos em Constantinopla e Atenas, foi o grande organizador da vida cenobítica no Oriente, promovendo o estabelecimento do ensino monástico, que veio a tornar-se característico na atividade docente da alta Idade Média. Na homilia Aos jovens, sobre o modo de tirar proveito das obras dos gentios, na qual dá como exemplo, em relação ao préstimo da literatura pagã, a abelha, que na flor somente procura e suga o que lhe aproveita, e nas Regras monásticas manifesta a preocupação de que os jovens cristãos não deviam descurar os estudos liberais e que na impossibilidade de serem cristianizadas as escolas públicas dos pagãos se instituíssem organismos docentes conformes, ao Cristianismo. Estimulou, em particular, a instituição da escola claustral para os jovens que viviam nas comunidades monásticas, uns, órfãos, pobres, o.0 filhos de indivíduos que haviam professado, outros, oblatos, isto é, destinados pelos pais ao serviço do mosteiro. Nas Regras monásticas, de imediata influência nos mosteiros do Oriente e que ainda hoje são guardadas (Basilianos), recomenda que estes fossem instruídos em locais à margem do mosteiro por monges para tal destinados. Neste ensino radica o que mais tarde se designará, no ensino monástico, por schola exterior, para a distinguir da schola interior, reservada a monges.

O objetivo deste ensino consistia na formação cristã, como preparação à vida monástica, cujos votos só na idade adulta deviam ser prestados; sem embargo da religião constituir o centro do ensino, os jovens deviam também aprender noções científicas, de trabalho manual.

Iniciada no Oriente, a vida monástica propagou-se ao Ocidente, a partir do século IV, designadamente na Itália, pela ação de Santo Atanásio, na Gália, com São Martinho de Tours, e na Irlanda, com São Patrício, por forma que no século V atingira toda a Cristandade. Na ruína das instituições docentes leigas, os mosteiros tornaram-se os centros capitais da vida cultural, cabendo a São Bento de Norcia (480-547) a capital iniciativa na reorganização e expansão do ensino monástico, com a fundação do mosteiro do Monte Cassino, no próprio ano (529) em que Justiniano, na luta contra o Paganismo e na ambição de restaurar a perdida unidade do Império romano, proibiu o magistério dos pagãos e mandou encerrar a escola neoplatónica de Atenas, sem aliás a substituir por análoga escola cristã.

A Regra que São Bento estatuiu e singulariza a congregação beneditina, não contém disposições escolares expressas; não obstante, estabeleceu preceitos de decisiva influência docente. «Ora et labora» é como que a divisa e supremo preceito da Regra, dado o monge beneditino alternar o ofício litúrgico com o trabalho manual e intelectual, devendo este contribuir para a edificação espiritual. A leitura e o estudo entram, assim, na esfera da atividade monástica, pelo que cumpria que cada mosteiro beneditino tivesse livraria privativa, na qual quase sempre, senão sempre, se encontravam, pelo menos, a Divina pagina, livros de Padres e de hagiografia.

A Regra não estatui que os monges se fizessem copistas de textos literários nem tão-pouco recomenda que eles se ocupassem em estudos profundos; organizando, porém, o mosteiro como sociedade autárquica, admitindo a educação de oblatos (meninos destinados pelos pais para o serviço divino) e suscitando a constituição de livrarias, a Regra estabeleceu as condições propícias para as manifestações da atividade intelectual e da organização docente. A destruição do mosteiro do Monte Cassino em 589, pela invasão dos Lombardos, não afetou a influência da fundação de São Bento, cuja Regra irradiou por toda a Europa em numerosas abadias de notável ação civilizadora.

As escolas das abadias beneditinas foram, em muitas regiões, as únicas instituições docentes acessíveis a filhos de homens livres e de servos, dando as circunstâncias ensejo à constituição de duas escolas no mesmo mosteiro: a interior destinada a oblatos e noviços, e a exterior, para alunos seculares.

Como notou Willmann, as instituições docentes cristãs, em comparação com as escolas pagãs, apresentam, como notas características, a finalidade formativa e educativa, a tendência para incorporar as disciplinas de estudo sob a instrução religiosa e a dependência em relação à Igreja. Organizado com base e finalidade religiosa, o ensino cristão adquire, assim, um sentido unitário, abrangendo o conjunto de atividades formativas e educativas e com tendência ao regime de internato, que o ensino pagão não teve, ministrado, como era, por mestres independentes, escolhidos pela família e com o propósito de transmitirem conhecimentos úteis e adequados ao estado do educando e à exigências da vida social.


?>
Vamos corrigir esse problema