III. Conceções pedagógicas de Clemente de Alexandria, de São Jerónimo e de Santo Agostinho

O problema da possibilidade do ensino mediante a transmissão de palavras constitui o objeto do De magistro. É esta a obra agostiniana de maior significação filosófico-pedagógica, cujo tema São Tomás de Aquino retomou, mas cumpre atentar previamente na temática dos seguintes escritos: De ordine; De doctrina christiana e De catechizandis rudibus.

O diálogo De ordine versa o problema da existência do mal na ordem providencial que rege o Universo, mas de passo justifica a aprendizagem das disciplinas das artes liberais, cujo estudo eleva o espírito a Deus, pela perceção da correlação de todas as ciências e pela adequação da razão à ordem providencial, que é a lei do Universo. As disciplinas que Santo Agostinho indica são as do currículo da época helenística, ou sejam, Leitura, Escrita, Aritmética, Gramática, Dialética, Retórica, Música, Poética, Geometria e Astronomia, cujo estudo devia ter função instrutiva e educativa.

O De doctrina christiana tem por assunto fundamental a maneira de estudar as Escrituras e a de transmitir o respetivo ensino aos fiéis, em ordem «ao conhecimento e ao amor de Deus e do próximo». O seu objetivo é, pois, a «educação cristã», mediante a cabal inteligência das Escrituras, para a qual são necessários certos conhecimentos, designadamente os das línguas hebraica e grega, e úteis certas disciplinas, expurgadas de elementos supersticiosos, como são a História, as Ciências Naturais, a Astronomia, as Artes Práticas e a Filosofia. Ocupando-se, no Livro IV do De doctrina christiana, da formação e das características do orador cristão, Santo Agostinho reconhece que ele deve ser instruído no estudo da Retórica, para poder eficazmente mostrar a verdade e combater o erro, mas sem jamais esquecer que a perfeição oratória consiste na expressão da verdade com o calor da convicção, e não na habilidade e virtuosismo das palavras.

O De catechizandis rudibus, redigido em 400 a pedido de Deogracias, diácono de Cartago, ocupa-se do ensino catequístico. O catequista deve baseá-lo nas Escrituras e pôr-se ao alcance do catequizando, exprimindo-se com clareza e com zelo de apóstolo.

O diálogo De Magistro tem por fundamento o passo de São Mateus (XXIII, 10): «Unus magister vester, Christus», relacionando-se, por isso, com o Pedagogo de Clemente de Alexandria, mas com um desenvolvimento filosófico que esta obra não tem.

Com efeito, o De magistro de Santo Agostinho é uma obra mais filosófica do que didática, pois tem por objeto a conceção da educação como ascensão à transcendência divina mediante a análise deste problema: sendo Cristo o único Mestre, como é possível que um indivíduo ensine a outrem e em que consiste a aprendizagem?

O ponto de partida deste diálogo com o monge Adeodato, de Tagasta, é o facto da linguagem ser o instrumento mediante o qual a ciência passa do mestre para o aluno; daqui, o exame da razão de ser e do valor das palavras como sinais dos objetos, isto é, da significação e do significado. A conclusão é que a linguagem é intrinsecamente impotente para transmitir a verdade, apesar de não haver instrução sem palavras. Se o mestre se refere a objetos sensíveis, as suas palavras não podem ensinar o que a experiência do discípulo lhe não haja ensinado diretamente, e muito menos a firmeza e a necessidade inerentes ao conhecimento; e se se refere a objetos ideais ou a ideias, quem o ouve é que faz, no seu íntimo, o discernimento da verdade e do erro do que ouve; por consequência, ninguém é instruído pelas palavras de quem ensina, mas somente pelo que lhe é manifestado no íntimo do espírito por uma verdade interior que nele habita. Esta verdade que está em cada um e o ensina não se explica pela experiência psicológica, essencialmente variável, mas pela iluminação com que Cristo dota a alma racional. Por isso, o que torna possível o conhecimento verdadeiro e pleno é o Mestre interior, ou sejam as verdades imutáveis do Verbo divino que iluminam a alma; o mestre humano é somente útil, e na medida em que «o amor» lhe nutre a atividade, enlaçando em íntima comunhão a sua alma com a do aluno, e sabe proporcionar o exercício da atividade sensível, quando se trata de juízos sobre o mundo externo, ou a apreensão da intuição intelectual, quando se trata de objetos inteligíveis. Assim, segundo o De magistro, ensinar não consiste em falar, mas em conduzir o aluno a voltar-se para si mesmo e a proporcionar-lhe aos sentidos e ao intelecto o ensejo de apreenderem verdades latentes e a razão de ser do que se pretende dar a conhecer, e que nunca podem ser recebidas exteriormente, como coisa material.


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