IV. Desenvolvimento do ensino eclesiástico secular

A partir da aprendizagem dos rudimentos da leitura e da escrita, o estudo variava de escola para escola, não só em função do mestre como dos próprios alunos, pois se instituíram escolas destinadas a atenuar a ignorância do clero rural, designadamente em França. Na maioria das escolas, o ensino tinha por destino a preparação para as ordens sacras e os alunos que as frequentavam não iam além, em regra, dos quinze anos de idade. Escolas houve, porém, que ministraram um ensino mais extenso e aprofundado, e que adquiriram posição singular pela especialização no cultivo de algumas das «sete artes» ou pela introdução de matérias novas, atingindo como que o nível de uma escola superior incipiente.

Em França, singularizaram-se as escolas catedrais de Laon, de Reims e, principalmente, as de Orleans, de Chartres e de Paris.

A escola de Orleans, fundada, ao que parece, pelo bispo Teodulfo, no reinado de Carlos Magno, tornou-se famosa nos séculos XI e XII pelo ensino da Gramática e da Retórica, e, em especial, pelo cultivo da ars ou summa dictaminis, ou seja, o formulário da redação de cartas e de documentos oficiais, e da ars poetica, entendida como explicação e imitação de autores.

A escola de Chartres, fundada no final do século X por Fulberto de Chartres, atingiu o apogeu na primeira metade do século XII, pela época da construção da catedral desta cidade. Frequentada por adultos, na maioria já clérigos, nela ensinaram, dentre outros, Bernardo de Chartres (1114-1124), que introduziu a-leitura dos clássicos latinos, inaugurando o movimento designado de humanismo chartranês; Tierry de Chartres (1140), irmão do anterior, autor do Eptat'euchon, que é um manual das sete artes, constituído por extratos de diversos livros relativos às disciplinas do trívio e do quadrívio, e cujas conceções radicam no exemplarismo agostiniano e no platonismo; e João de Salisbury (†1180), autor do Metalogicus e do Polycraticus, de significativo lugar na história das ideias políticas. Três factos singularizam esta escola, cuja característica fundamental é a substituição do primado da Gramática pelo da Filosofia: a utilização do texto completo do Organon, de Aristóteles, de capital influência no desenvolvimento da Escolástica, mediante a qual se acrescentou à Logica vetus, cujo ensino tinha por base as Categorias e o Da interpretação, a Logica nova, constituída pelos Analíticos, onde se expõe a teoria das inferências, designadamente do silogismo, os Tópicos e os Elencos sofísticos; o interesse pela teoria da Natureza e pelos escritos médicos de Hipócrates; a inclinação platonizante e, na segunda metade do século XII, a tendência panteísta, sensível em Amaury de Béne e em David de Dinant.

No século XII, Paris adquiriu a capitalidade do reino franco e começou a deter o prestígio de centro intelectual de primeira grandeza. As suas escolas alcançam celebridade, assim as monásticas de Santa Genoveva e de Saint-Germain-des-Près, que parece ter sido exclusivamente interior, a da congregação de São Vítor e, sobretudo, a da catedral de Notre-Dame, que se tornou o centro da vida escolar na segunda metade do século XII.

A escola de Chartres, na primeira metade deste século, tinha dado primazia ao estudo das «artes» e da Filosofia; a de Paris, por seu turno, vai dá-la à Dialética, ou Lógica, e à Teologia, cultivada, aliás, nas escolas monásticas parisienses, porventura com maior relevo. Em Notre-Dame ensinaram mestres famosos, como Guilherme de Champeaux (1103-1108), Abelardo (c. 1100-1135) e Pedro Lombardo (c. 1148-1160), que deram à escola da catedral fama e a tornaram internacional, atraindo-lhe larga frequência de clérigos de toda a cristandade ocidental, frequentemente estimulados, quando não subsidiados, por autoridades religiosas e civis.

Na Inglaterra, sobressaíram as escolas de Canterbury e Durham, famosas pelas suas livrarias.

Na Itália, independentemente das escolas catedrais e monásticas, designadamente do Monte Cassino, de Novalesa e de Casáuria, houve o ensino ministrado por leigos, mediante remuneração. Este ensino, que uma capitular de Lotário, de 817, procurou fomentar e cuja existência é acusada nos séculos X-XII nalgumas cidades, como Roma, Pavia, Verceli, Florença, Ravena, Milão, etc., consistia fundamentalmente na transmissão de conhecimentos elementares de Gramática, de Retórica e de Direito.

Historicamente, este ensino representa como que o eco da tradição das últimas escolas imperiais romanas, cujo plano de estudos assentava no primado da Retórica e do Direito civil; e culturalmente, significa que o estudo do Direito se constituiu inicialmente com o da Retórica. Enquanto em França, a constituição e o desenvolvimento da Filosofia se produziram em estreita correlação com o alargamento do âmbito da Dialética, na Itália, o estudo do Direito constituiu-se como que no desenvolvimento do ensino da Retórica. Concorreram para isso a tradição romana, o desmembramento político do território italiano, a organização das instituições municipais e a necessidade da preparação do respetivo funcionalismo, carecente de conhecimentos jurídicos e da prática da ars dictaminis, isto é, da redação de epístolas e de outros documentos. Foi principalmente em Bolonha que se desenvolveu o estudo do Direito, já reputado no final do século XI, como foi em Salermo, pela mesma época, que alcançou fama o da Medicina.

Em Espanha, a escola de Toledo, no episcopado de D. Raimundo (1126-1152), adquiriu posição singular em virtude do movimento de traduções do árabe e do hebraico para latim, de capital repercussão na história filosófica e científica medieval.

Em Portugal, são de referir as escolas catedrais de Coimbra e de Braga — aquela instituída no episcopado de D. Paterno, em 1086; esta no de São Geraldo (1096-1108), o qual, aliás, cuidou também em promover a ilustração do clero paroquial.

A diversidade das organizações eclesiásticas, que é uma das características desta época, manifestou-se também nas instituições escolares, a despeito da identidade de estrutura, que a todas aproxima. Por isso, a par das escolas catedrais e das de cabidos catedralícios, cujos cónegos viviam em episcopium, isto é, sob a autoridade do bispo, houve escolas capitulares e de congregações de cónegos regrantes, por vezes isentas da autoridade diocesana.

Das escolas capitulares importa atentar especialmente nas das colegiadas, isto é, colégios de sacerdotes análogos aos cabidos, mas presididos pelo pároco, designado por vezes de prior. A existência destas instituições acusa-se com algum relevo no século XII, sendo em Portugal a mais notável a Colegiada de Guimarães, fundada na primeira metade do século X e da invocação de Nossa Senhora da Oliveira a partir dos meados do século XIV.

Foi visitada pelo cardeal-bispo de Sabina, João Halgrin d'Abbeville (†1237), que, por carta ao prior da Colegiada, de 6 de Agosto de 1229, promulgou algumas reformas desta instituição, designadamente, pelo que ao ensino respeita, o estabelecimento perpétuo de um mestre de Gramática com o benefício de uma prebenda inteira e quando esta não bastasse, a gratificação de 14 áureos, tirados dos rendimentos da Colegiada.

As escolas de cónegos regrantes estão ligadas às congregações de cónegos seculares, cujos membros faziam voto de nada possuir em propriedade pessoal, de viver em comum e de observar uma regra. Desenvolveram-se no decurso dos séculos IX-XII, sendo particularmente notável a congregação dos cónegos de São Vítor, fundada na imediação de Paris por Guilherme de Champeaux (1070-1120), mestre de Dialética na escola de Notre-Dame de Paris e cuja controvérsia com Abelardo acerca do problema dos universais ocupa um dos capítulos mais significativos da filosofia escolástica da Idade Média.


?>
Vamos corrigir esse problema